terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Sugestões de Leitura - Parte VI

Caros leitores do Sacrário das Plangências, como feito em todos meses, faço algumas sugestões de leitura, sempre condizentes com a temática do blog e com temas até já tratados, tecendo alguns comentários sobre o autor e sobre a obra.

SUGESTÕES:

MELHORES POEMAS. Raimundo Correia. Organização: Telenia Hill. Global Editora. 2001, São Paulo, 2ª Edição. 192 páginas.
Raimundo Correia é conhecido por ter participado da tríade Parnasiana na poesia brasileira, o que não o impediu de ter um feitio pelo estilo Simbolista que tanto lutou contra durante a vida (clique aqui para saber mais sobre o tema). Essa coletânea nos remete a um grande poeta, que, não obstante a sua preferência pela estética, não negava a sua influência do Romantismo (assim como Francisca Júlia, em sua fase Parnasiana) e também utilizava de grande variação melódica e estrutural para compor os seus cantos. Inevitavelmente, toda a variação era em prol de uma evolução do Parnaso, mas que em muito contribuiu para um senso de sugestão - e não de falta de arte - poucas vezes vezes visto no estilo.







WILLIAM BLAKE. Osbert Burdett. Editora: Parkstone Press UK. 2009, 1ª Edição. 256 páginas.
William Blake (1757-1827) não somente desenvolveu o ofício da poesia na transição da Inglaterra rural para a industrial (transição histórica que o perturbava), mas também o ofício de pintor e gravurista. Grande parte de sua obra de artista plástico está dedicada à ilustração de obras literárias, como A Divina Comédia, de Dante. O livro de Burdett, escrito em Inglês, demonstra essa face do poeta-pintor, que foi um dos poucos a conseguir demonstrar numa outra visão as suas próprias palavras, sendo bem sucedido em todas as áreas em que o seu dedo e o seu gênio fulguraram.







MEDEIROS E ALBUQUERQUE. Canções da Decadência e Outros Poemas. Organização: Antonio Arnoni Prado. Editora Martins Fontes: São Paulo, 2003; 1ª Edição. 214 páginas.

Medeiros e Albuquerque, patrono de cadeira na Academia Brasileira de Letras, foi, cronologicamente, o primeiro escritor com tendências Simbolistas no Brasil, muito devido à sua viagem para o continente europeu, de onde trouxe várias obras dos Decadentistas de lá, sendo o primeiro a ter contato com a Nova Escola. Apesar de seu intento inicial de divulgar o Simbolismo, logo considerou tal ação um erro, tornando-se, ironicamente, um vago inimigo do movimento, mesmo tendo sido ele o primeiro a trazer as novidades vindas da Literatura Europeia e as tido divulgado com grande frêmito. É com grande alegria que encontra-se nas livrarias suas Canções da Decadência, sem as quais o nosso Simbolismo não teria um começo provindo de uma fonte, de fato, e não de uma data escolhida por significância (data-se o início do Simbolismo brasileiro em 1893, com Missal e Broquéis, de Cruz e Sousa). Além de tudo, essa obra tem grande valor estético, pois, sem dúvida alguma, a métrica lógica numa obviedade musical nela não se encontra.



Caros leitores do Sacrário das Plangências, finda está aqui a sexta parte das "Sugestões de Leitura". Para a leitura das três obras sugeridas, o contexto histórico é inevitável - e obrigatório. Ora, para entender o porquê da necessidade de abraçar uma "decadência espiritual", mesmo que houvesse uma grande elevação erudita, entender-se-á o momento pelo qual estava as humanidades e o próprio ser humano - na época, envolto nas absurdas teses cientificistas. E como pontuei no caso de William Blake, a mudança que ocorria na Inglaterra e em todo continente (com as seguidas revoluções) naquela época perturbava os poetas, que deviam se posicionar entre o ser-hermético ou o ser-político, tendo o Romantismo, por deságue dos vários estilos que nele surgiram, optado por ambas, mas com uma tendência maior por um hermetismo que acabou iniciando o processo de afastamento da poesia do leitor popularesco.

Boa leitura!

Abraços,
Cardoso Tardelli

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Sonetos - As suas Várias Formas


Caros leitores do Sacrário das Plangências, não venho com esta postagem com o intuito de apresentar a história dos Sonetos de uma forma longa e prolixa, mas somente mostrar a vocês alguns exemplos de que, apesar da forma convencional ser o Soneto Italiano (dois quartetos e dois tercetos, portanto, duas estrofes de quatro versos e duas de três versos), essa parte tão singela da Arte Poética pode ser utilizada de outras formas. A totalidade de versos, em forma básica, chega a quatorze, podendo passar somente nos Sonetos Estrambóticos, chegando, comumente, a dezessete versos.

Somente há de se fazer o esclarecimento acerca de um ponto: o Soneto sempre tem de ser encarado como uma Sonata transfeita em palavras, pois é por meio dessa estrutura que se pode atingir uma musicalidade quase inigualável, unida esta à ligeireza de apresentação de temas, ambas, por padrão, sempre tendo um início, meio e fim esquematizados, portanto, sendo muito semelhante à Sonata Clássica.

SONETO ITALIANO OU PETRÁRQUICO:

Contém dois quartetos (duas estrofes com quatro versos) e dois tercetos (duas estrofes com três versos), sendo a métrica amplamente variada, apesar de muitas vezes Alexandrina Clássica (doze sílabas) ou Arcaica (quatorze versos). No último caso, durante muito tempo, e principalmente no Parnasianismo, usou-se o acento na sexta-sílaba, com o intuito de dar um ritmo a versos tão longos, mas logo percebeu-se que aquela percepção de musicalidade era amplamente falaz, sendo ironicamente apelidado este acento por Cruz e Sousa de "acento escravagista". A rima pode ter várias ordens, podendo apresentar repetição de sílabas em todas as estrofes, para mais que cinco de variações de terminações silábicas, ou até mesmo a ausência total das rimas - que seriam os hoje tão utilizados "Sonetos em Versos Brancos". Como já disse no blog, os versos brancos em Sonetos existem desde Edmund Spenser, no Século XVI, também sendo muito utilizados por Keats, sendo uma falácia total o argumento dos modernistas de que "era uma revolução escrever sonetos em versos brancos no Brasil", mesmo porque o Simbolismo já o fazia.

Exemplo:

ASSIM SEJA! - Cruz e Sousa

Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Dever cumprido!
Nem o mais leve, nem um só gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.

Morre com a alma leal, clarividente,
Da Crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus brandido
Como um gládio soberbo e refulgente.

Vai abrindo sacrário por sacrário
Do teu Sonho no templo imaginário,
Na hora glacial da negra Morte imensa...

Morre com o teu Dever! Na alta confiança
De quem triunfou e sabe que descansa,
Desdenhando de toda a Recompensa!

(Em Últimos Sonetos)

SONETO INGLÊS (OU SHAKESPEARIANO):
Formado por três quartetos e um dístico (estrofe com dois versos), é um estilo de soneto que não é foi tão utilizado na língua Portuguesa, sendo muitos célebres as séries de "Sonetos Ingleses" de Manuel Bandeira. Assim como em qualquer Soneto, o padrão de rimas pode variar - chegando a ser anulado, de quando em quando -, mas, sendo o dístico a finalização da ideia, clarividentemente separada do resto do poema, as rimas da última estrofe são normalmente dísticas (Keats seguiria em seus Sonetos Italianos esse esquema de rima, algo semelhante a ABAB//CDCD//EFE//FGG, variando, não obstante, de acordo com a conveniência que vinha à mente do autor, principalmente nos tercetos e numa provável ligação de rimas com o quarteto). Fernando Pessoa, em suas obras em Inglês, seria um fiel seguidor desse estilo de Soneto.

SONETO INGLÊS Nº2 - MANUEL BANDEIRA

Aceitar o castigo imerecido,
Não por fraqueza, mas por altivez.
No tormento mais fundo o teu gemido
Trocar um grito de ódio a quem o fez.
As delicias da carne e pensamento
Com que o instinto da espécie nos engana
Sobpor ao gênero sentimento
De uma afeição mais simplesmente humana.
Não tremer de esperança nem de espanto,
Nada pedir, nem desejar, senão
A coragem de ser um novo santo
Sem fé num mundo além do mundo. E então,
Morrer sem uma lágrima que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.



SONETO ESTRAMBÓTICO:
Estrambote, por definição, é acrescentamento e também extravagância. Nos Sonetos Estrambóticos, há um acréscimo de um até três versos, normalmente, aos quatorze versos naturais da estrutura de um Soneto. Assim como no caso do Soneto Inglês, os versos finais têm função de terminação de ideia, às vezes de revelação (a Chave-de-Ouro, muitas vezes, pode ser entendida por Sonetos que nada revelam em seus quartetos e só o fazem na última linha; o Simbolismo aperfeiçoou essa técnica, embebendo-se do estilo Romântico, tornando os Sonetos mais "reveladores" do que uma bruma que se desfaz somente nas últimas palavras). Desenvolvido na época de Cervantes, e por este muito utilizado, é uma estrutura muito mais rebelada perante os concernes clássicos do Soneto Italiano do que os Sonetos em verso branco que os Modernistas preferiram no Brasil. Esse tipo de Soneto fez-se muito raro em língua Portuguesa e, infelizmente, pouco pude fugir do clichê de Cervantes para dar o exemplo.


AO TÚMULO DE REI FELIPE EM SEVILHA - MIGUEL DE CERVANTES

Voto a Deus que me espante esta grandeza
e que desse um dobrão por descrevê-la,
por que a quem não surpreende e maravilha
esta máquina insigne e esta riqueza?

Por Jesus Cristo vivo, cada peça
vale mais de um milhão! É uma mancha
que isto não dure em um século, oh grande Sevilha,
Roma triunfante em ânimo e nobreza!

Apostarei que o anima do morto,
por gozar este lugar hoje, tem deixado
a glória onde vive eternamente.

Fora este um valentão e dissera: "É verdadeiro
O que diz você, senhor soldado,
E o se disser o contrário, mente."

E posteriormente, incontinente,
calou o chapéu, requereu a espada,
olhou ao soslaio, foi-se e não teve nada.


Caros leitores do Sacrário das Plangências, se alguns de vocês pesquisarem mais sobre os estilos de Sonetos que existem, encontrarão também uma forma chamada Monostrófica. Em si, a apresentação do Soneto Italiano, em muitos casos da editoração contemporânea, ocorre qual uma única estrofe de quatorze versos, o que é um erro. O Soneto Monostrófico não se difere muito ritmicamente, mas nunca teve, em seu germinar, o intento de ser dividido nas estruturas de quartetos e tercetos. Mas, enfim, creio que mostrei as estruturas diversas dos sonetos, sem muito explorar métrica e envolvimento desta com a rima - esta parte é bem mais singela, longa e complexa, necessitando de um tópico somente para ela.

Abraços,
Cardoso Tardelli

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Uma Análise do Precursor "Oaristos", de Eugênio de Castro

Caros leitores do Sacrário das Plangências, não escrevo esta postagem com o intuito de analisar cada verso  de Oaristos, lançado em 1890, como um especialista em diamantes o faz em seu ofício, mas o faço com o intuito de analisar o livro em dois pontos: o primeiro diz acerta da sua importância para o Simbolismo Português, sendo considerado o primeiro livro do estilo na terra lusitana; o segundo ponto ronda o prefácio do livro, evidentemente corajoso e precursor dos problemas da poesia pós-moderna, presente na edição das Obras Poéticas de Eugénio de Castro - Tomo I -, da Editora Campo das Letras.


Eugênio de Castro (1869 - 1944) consegui com o seu Oaristos, o seu sexto livro, mas o seu primeiro a ser realmente impactante e de personalidade própria, fincar uma bandeira do Simbolismo em Portugal. O nome do livro evidencia todo o texto, sendo a obra um grande diálogo, tácito ou não, imaginário ou não, entre amantes. A sua primeira edição continha dezenove poemas, sendo que, após a segunda edição, quatro foram retirados,  perpetuando-se essa edição. Iniciando o livro com imagens clássicas do Simbolismo, evidenciando uma fervorosa sinestesia, Eugênio de Castro já evoca uma das mais clássicas imagens do movimento:




I

Triunfal, teatral, vesperalmente rubro,
Na diáfana paz dum poente de outubro,
O sol, esfarrapando o incenso dos espaços,
Caminha para a morte em demorados passos,
Como as bandas que vão a tocar nos enterros...
E, surgindo detrás de acuminantes serros,
Melancolicamente, a lua de mãos belas,
Tecedeira do azul, tece, num tear de estrelas,
Um lenço branco, um lenço alvíssimo e brilhante,
Para acenar com ele ao sol, seu ruivo amante...

(...)

Aliás, a imagem do Sol é constante em Oaristos, seja numa evocação do sol português - como é típico da literatura da região -, seja numa evocação típica dos Simbolistas, como em "O sol é um ramo de ouro, a arder, que se desfolha..." (Poema VI). Com várias aliterações, lugares estranhos, imagens além-mundo - apesar de toda temática perambular em torno de dois seres -, Eugênio de Castro levou a Portugal as características mais básicas do movimento do "grande e amado Baudelaire" (Poema VII). Sobre o âmbito que se apoia na tese de que o Simbolismo é um movimento Pós-Romântico, tornando uma grande falácia a separação de Decadentistas, Nefelibatas (que foram, na França, os Pós-Românticos) dos Simbolistas - sabendo-se também que um estilo só se vê nomeado quando atinge o seu ápice ou o seu fim -, transcreverei um soneto da obra e o trecho de outro poema.

VII

Un autre, plus heurex, va unir son
sor à celui de mon amie. Mais quoi-
qu'elle trompe ainsi mes plus chères
espérances, dois-je la moins aimer?
Mackensie

Tua frieza aumenta o meu desejo:
Fecho os meus olhos para te esquecer,
Mas quanto mais procuro não te ver,
Quanto mais fecho os olhos mais te vejo.

Humildemente, atrás de ti rastejo,
Humildemente, sem te convencer,
Antes sentindo para mim crescer
Dos teus desdéns o frígido cortejo.

Sei que jamais hei-de possuir-te, sei
Que outro, feliz, ditoso como um rei,
Enlaçará teu virgem corpo em flor.

Meu coração no entanto não se cansa:
Amam metade os que amam com esp'rança,
Amar sem esp'rança é o verdadeiro amor.

Paris, 29 de Setembro de 1889.


Note-se que esse soneto, uma obra-prima da Literatura em Língua Portuguesa, é uma das mais belas definições de amor platônico já escritas. O próprio Andrade Muricy o havia falado na Introdução de seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro que essa era uma das páginas mais importantes do Simbolismo como um todo.

Eis um trecho do segundo poema:

XIV

(...)

Desde esse dia, desde então, quero esqueces,
Mas sempre embalde, aquela cena pungitiva:
Vejo-te sempre, delicada sensitiva
Morta, bem morta, sobre o esquife, as mãos no peito,
Vejo-me a mim chorando o meu sonho desfeito,
Chorando o desabar dos meus áureos castelos,
Alucinadamente, arrancando os cabelos!
Nunca, nunca me larga essa obsessão violenta:
Por onde quer que eu vá de mim nunca se ausenta;
Como uma sombra má, persegue-me em surdina;
Vampiriza-me a vida, incomoda clepsina;
Ela me faz odiar os negros cemitérios,
As matas cheias de sussurros, de mistérios,
E os sombrios pauis cobertos de miasmas;
Ela me faz recear os lívidos fantasmas,
Que andam de noite, em bando lúgubres, proscritos;
Ela me sugeriu estes versos escritos
Enquanto o meu relógio antigo de pau santo
Bate, isocronicamente, ao pé de mim, enquanto
Três rosas glaciais dum palor inefável,
Tristes, vão definhando em seus ravos anidros,
E enquanto vejo além a Lua formidável
Como um crânio fatal a espreitar-me entre os vidros.

Coimbra, 06 de Dezembro de 1899.

Toda a morbidez que tanto é referida e atribuída aos Românticos é encontrada nesse trecho, cujas rimas dísticas, padrão do livro, aparecem novamente, com a sempre presente finalização em rimas cruzadas (aliás, Cruz e Sousa, em seus dísticos, utilizava essa mesma estrutura). Além do mais, a relação entre as dores,  o devaneio mórbido e o tempo evoca Baudelaire e seu clássico "O Relógio".

O livro teve uma importância gigantesca para os Simbolismos nos países de língua Portuguesa, sendo bastante lido no Brasil, por exemplo. Eugênio de Castro lançaria pouco tempo depois Horas, livro no qual o seu Simbolismo estaria completamente consolidado.

Sobre esse Simbolismo, ele já havia tecido grande parte do alicerce em seu Prefácio. Cá transcrevo as partes mais importantes:

PREFÁCIO - OARISTOS

(...)
Com duas ou três luminosas exceções, a Poesia portuguesa contemporânea assenta sobre algumas dezenas de coçados e esmaiados lugares comuns. Tais são:

Olhos cor do céu, olhos comparados a estrelas, lábios de rosa, cabelos de ouro e de sol, crianças tímidas, tímidas gazelas, brancura de luar e de neve, mãos patrícias, dentes que são fios de pérolas, colos de alabastro e de cisne, pés chineses, rouxinóis medrosos, brisas esfolhando rosas, risos de cristal, cotovias soltando notas também de cristal, luas de marfim, luas de prata, searas ondulantes, melros farsolas assobiando, pombas arrulhadoras, andorinhas que vão para o exílio, madrigais do dos ninhos, borboletas violando rosas, sebes orvalhadas, árvores esqueléticas, etc.

No tocante a rimas, uma pobreza franciscana: lábios rimando sempre com sábios, pérolas com cérulas, sol com rouxinol, caminhos com ninhos, nuvens com Rubens (?), noite com açoite; um imperdoável abuso de rimas em ada, ado, oso, osa, ente, ante, ão, ar, etc.

No tocante a vocabulário, uma não menos franciscana pobreza: talvez dois terços das palavras, que formam a língua portuguesa, jazem absconsos, desconhecidos, inertes, ao longo dos dicionários, como tarecos sem valor em lojas de arrumação.

(...)
Introduz-se o desconhecido processo da aliteração: veja-se o poema XI e muitos versos derramados ao longo desta silva.

Ao contrário do que por aí se faz, ornaram-se os versos de rimas raras, rutilantes: na mais extensa composição, a composição IV, que tem cento e sessenta e dois alexandrinos, não se encontra uma única rima repetida.
(...)

Acerca dos lugares comuns, é evidente que Eugênio de Castro estava pontuando aqueles que já colocavam a poesia sobre um risco de dar volta sobre si mesma. Mas é bom dizer que o próprio Simbolismo utilizou alguns desses "lugares comuns", não impedindo a boa produção poética, sendo decisivo, nesses casos como em qualquer outro, a competência do poeta.

Em algumas ocasiões, eu já critiquei os "Valores das Rimas" e a superestimação que dão muitos a este este meio de se analisar uma rima. Em si, a rima é o fim de um verso, não necessariamente de uma ideia (vide os enjambements) feito por um meio musical e condizente com a temática da estrofe e do poema. De nada adianta termos um poema cheio de rimas ricas se ele é pobre tematicamente, sendo muito mais essencial a complexidade da ideia como um todo do que os valores das rimas, em si. Mas, para termos um desenvolvimento de um pensamento, faz-se necessário o conhecimento da Língua-Pátria e de seu uso. Nesse ponto, Eugênio de Castro foi perfeito - e totalmente contemporâneo, sendo arrepiantemente pressago -, pois há desconhecimento total da Língua Portuguesa, assim como o desdém pelo desenvolvimento das suas técnicas (como a aliteração, que é a repetição de fonemas nos vocábulos  durante uma sentença - no caso, em versos). Não há como desdenhar de "os valores da rima" e pôr, acima de tudo, o valor poético da obra se não há nem a busca por um nem o desenvolvimento do outro. E eis que se faz tão pressagiadora dos problemas da poesia contemporânea essa magnificente obra de Eugênio de Castro.

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Nesta semana, completa-se noventa anos do Movimento da Semana da Arte Moderna 1922, genialmente chamada por Mário Chamie, da Poética Práxis, falecido ano passado, de "a vanguarda anti-vanguarda" por ter juntado vários artistas, que não necessariamente comungavam sobre a mesma cruz, para se unirem sobre um Signo, para logo se dispersarem nas suas evidentes singularidades artísticas, nunca chamadas, porém, mesmo se reunidos em grupos, de vanguardas. Além do já discutido papel dos Simbolistas nesse período (Manuel Bandeira fora um; Guilherme de Almeida era mais um leitor do Simbolismo Francês do que das vanguardas Modernistas, fazendo magníficas traduções desse movimento, para dar dois exemplos), também podemos pensar no Pós-Modernismo. Afinal, essa fase - se é que é verídica - não terá fim? A pobreza quase que franciscana de vocabulário, apontada há mais de um século por Eugênio de Castro, e  defendida à faca pelos poetas contemporâneos, não terá de ser findada, com o objetivo de por a lume o que está nos dicionários e em livros que têm fácil acesso? 
A relembrança pelo Movimento de 1922 é mais que justa - mas noventa anos depois, eis que é tempo do culto à liberdade artística deixar de ser culto ao prosaico, embebida nos sermões autoritários que rumam o ofício poético a um só caminho: o do desprestígio (apesar de termos melhoras, pouco a pouco, no ambiente brasileiro e português...).

Abraços,
Cardoso Tardelli

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte XI

Caros leitores do Sacrário das Plangências, cá seguimos o estudo sobre os Simbolistas brasileiros, aproximando-nos de alguns nomes desconhecidos, mas sobre os quais, na época do movimento, teciam-se os mais louváveis comentários, seja pela forma ou pelo conteúdo, que, muitas vezes, tinham ares de novidade e de renovação.

POETAS SIMBOLISTAS:

Adalberto Guerra Durval (1872 - Porto Alegre - 1947 - Petrópolis - RJ):

Poeta introdutor do verso livre em nossa terra com o seu Palavras que o Vento Leva..., de 1900, cuja edição fora limitadíssima, tem grande parte de sua obra dispersa em jornais e revistas da época. É mais um caso de um poeta que entrou em carreira diplomática (2º Secretário em Roma, transferindo-se depois para Assunção e, posteriormente, Buenos Aires; após ser efetivado como 1º Secretário, perambulou pela Europa). Segundo Andrade Muricy, a sua poesia é precursora do estilo do grupo neo-simbolista do qual participaria Filipe d'Oliveira, Álvaro Moreyra e Eduardo Guimarães, muito por ser um "livre-atirador" na estética simbolista e ter um estilo essencialmente europeu, ligado, principalmente, a Maeterlinck.

SONETO D'OUTONO

Grandes panos grisalhos... Folhas mortas
Nos esqueletos d'árvores d'outono...
A Morte e o Frio andam batendo às portas,
E o Vento ulula como um cão sem dono.

(Pelos outonos, minha Primavera,
Padeço as agonias ambientes,
E há no meu peito alguém que desespera...
- Porque há de haver outonos e poentes!)

Nesta paisagem lívida de esplim
A Alegria expirou dentro de mim;
E o Sol, o loiro Sol do meu país!

Morreu de tédio pelo outono gris...
- Como a nódoa d'azeite que s'espalma,
A Tristeza manchou toda a minh'alma!

(Em Palavras que o Vento Leva...)

GLOSSÁRIO:
Esplim: Spleen, portanto, melancolia, tédio.
Gris: Cinzento corado em azul.
Espalmar: Espalhado, dilatado, distendido.

GRISALHA

Manto griséu de chuvas,
Mantos griséus...
Andam chorando centos de viúvas
Sob estes céus.

Os fios de lágrimas pelos ares
São fios de pérolas em colares.

Gases de névoa brumando os mares...
Névoa, Saudade que s'evapora...

Chove nest'alma, como lá fora.

Dias de cinzas do meu inverno,
Dias agrestes;
Todas as árvores são ciprestes,
E o dia d'hoje é um dia eterno.

Que chuva parda! que gente triste!
Neste crepúsculo ao meio-dia,
Ando penando na nostalgia
Dalguma terra que não existe...

(Em Palavras que o Vento Leva...)

GLOSSÁRIO:
Griséu: Acinzentado

PORQUE O MEU BRAÇO É ENCORDOADO EM MÚSCULOS...

Porque o meu braço é encordoado em músculos
E pareço talhado para a lida,
Ninguém crê nos meus íntimos crepúsculos...
- Vocês não sabem que eu nasci suicida?

E levantei-me cedo e fui viajar...
Por mais que andasse não saí do mundo,
Por mais que andasse, ia comigo, a andar,
A sombra de um desgosto vagamundo.

E para que viajar? O esforço é inútil.
A desventura é a túnica inconsútil.
A carne é dolorosa, a carne é triste.

Uma viagem só, para o Nirvana,
Que nesta longa travessia humana
Vi o avesso de tudo quanto existe!

(Reconstituído de memória por Corintho da Fonseca, que mencionava a publicação em Rua do Olvidor)

GLOSSÁRIO:
Lida: Trabalho
Vagamundo: Vagabundo, portanto, aquele que vaga.
Inconsútil: Feito só de uma peça, sem costuras.


Xavier de Carvalho (1872 - Maranhão (sem informação da cidade de berço) - 1944 - Rio de Janeiro):

Membro das Academias Maranhense e Paraense de Letras, formou-se em Direito em Recife, tornando-se juiz em sua terra natal, preferindo, porém, o magistério de Literatura. Foi chamado ao Amazonas para exercer o cargo de procurador-geral do Estado, ficando ali até 1917, quando transferiu-se para o Pará, eleito juiz substituto. Participou do movimento Simbolista liderando a "Oficina dos Novos", em sua terra natal, tendo como principal livro de seu simbolismo as suas Missas Negras, de 1902, desagradando àqueles que acreditavam que a sua poética iria se encaminhar ao Parnasianismo. Grande parte de sua produção está esparsa em jornais do Maranhão, Pará e Amazonas, para as quais contribuía com seu estro.


PARA TRÁS

Quando um dia eu parti de alegre Ermida
Das minhas puras ilusões da Infância,
Essa alma toda a transpirar fragrância
Nem pressentiu os transes da partida...

Andei... Um dia, a estremecer com ânsia,
Pondo os olhos na estrada percorrida,
Vi meus Sonhos caindo na vencida,
Apagados nas brumas da distância...

E eu quis ir para trás, num doudo assomo...
Oh! mas toda a extensão da estrada incalma
Vi-a entulhada por montões de escombros...

- Queres voltar, meu coração, mas como?
Se tens tantos Vesúvios dentro d'alma
E um minhão de Termópilas nos ombros?

(Em Missas Negras)

GLOSSÁRIO:

Assomo: Estimulação, revelação.
Termópilas: Desfiladeiro da Grécia onde ocorreu o confronto conhecido como "Batalha das Termópilas", que envolvia as forças persas, comandadas por Xerxes, e as forças gregas de várias cidades-estado, comandadas por Leônidas, de Esparta. O contingente grego - cerca de 300 - era inevitavelmente menor, levando à iminente derrota.

NOIVAS MORTAS

Essas que assim se vão, fugindo prestes,
De ao pé dos noivos, carregando-os n'alma,
Amortalhadas de capela e palma
Em demanda dos páramos celestes;

Essas que, sob o horror que a morte espalma,
Vão dormitar à sombra dos ciprestes
Em demanda dos páramos celestes
Amortalhadas de capela e palma;

Essas irão aos céus, de olhos risonhos,
Por entre os Anjos, pelas mãos dos Sonhos,
De asas flaflando em trêmulos arrancos,

De Alvas Grinaldas pelas tranças frouxas,
De olhos pisados e de olheiras roxas,
Todas cobertas de Pecados Brancos.

(Em Missas Negras)

GLOSSÁRIO:
Palma: Figurado: Vitória, glória, triunfo.
Páramo: Planície deserta. Por extensão: a abóboda celeste; o firmamento.
Flaflar: Agitar, soprar brandamente.

Lima Campos (1872 - Rio de Janeiro - 1929 - Rio de Janeiro):

Presente tanto em publicações de suma importância para o movimento (como a Galáxia), também manteve-se presente nos círculos literários do estilo, sendo grande amigo de Gonzaga Duque e Mário Pederneiras. Apesar de ter começado a estudar na Escola Militar, não a completou, abandonando-a no terceiro ano. Escrevia essencialmente em prosa.

A EXPRESSÃO MAIS EXATA...

A expressão mais exata de uma intensa saudade é uma velha casa em ruínas, deserda e muda...
Há na sua quietude e no seu aspecto reminiscente um como que eco, a extinguir-se, do passado...
Dir-se-á  que aquele silêncio, aquele abandono, fala, dali, para a tranquilidade de sepulturas, já cobertas de ervas, em algum recanto longínquo de cemitério...
A lágrima tenta umedecer a pupila e baixa, então, sobre nós, todo um poente triste de apreensões...

(Em Confessor Supremo, 1904)

MATER REGINA!

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Bocas amigas trouxeram a palavra do conforto. Ouvindo-as, Ela olhava, através das janelas, a guache tristonha da tarde, ensombrando os campos e tingindo, suave, as montanhas...
A Cleofás viera - uma que era do Seu sangue - e vendo-A assim, da lividez de um luar nevoento, disse-Lhe conselhos de esperança.
Ela quedou-se olhando-a - as mãos caídas sobre o regaço e a cabeça exposta, brilhando à luz agônica do sol morrente os fios loiros e os fios brancos que eram o oiro que Deus Lhe dera e a prata que o tempo trouxe - absorta, com o aturdimento no olhar e a boca entreaberta; olhando-a sempre, sem ouvi-la, olhando-a, muda, fixa...

(Em Confessor Supremo)

GLOSSÁRIO:
Cleofás: Considerada a tia de Jesus cristo, irmã de Maria (uma que era do Seu sangue)


Caros leitores do Sacrário das Plangências, finda está a décima primeira parte do estudo "Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros". Percebemos que a figura de alguns autores demonstra que a renovação nas letras brasileiras não veio por intermédio dos Modernistas, mas sim pelos Simbolistas (os Sonetos em versos brancos é um desses casos; em si, é ridículo achar que fora uma renovação tal fato, pois tal estilo já era feito na Inglaterra desde o Século XVI, com Edmund Spencer). Independentemente disso, o papel que o Simbolismo teve em nossas letras foi essencial, não à toa o respeito de muitos Modernistas para com o estilo do qual embeberam a liberdade que posteriormente fora deturpada em anti-poesia.

Abraços,
Cardoso Tardelli



sábado, 4 de fevereiro de 2012

A Obsessão por Originalidade e a Suposta Pobreza da Poesia Brasileira

Caros leitores do Sacrário das Plangências, esta postagem tem, por certo, uma temática das mais complexas e controversas que há no mundo das artes. Usarei dois textos como base para a discussão, um que está no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, de Andrade Muricy, quando este discorria dos motivos da inclusão de Augusto dos Anjos no Panorama, e um presente na introdução do livro do poeta simbolista José Severiano de Resende, na publicação mais recente que há - O Hipogrifo, São Sebastião e Outros Poemas e Prosa; Ed. Barcarolla, 2004. Ambos textos cingem a temática exposta no título deste tópico, que, por si somente, já ganha vida própria, pois a obsessão por originalidade, normalmente feita pela crítica, molda uma pobreza insistente na literatura do país, consequente da busca pelo um novo que nunca é reproduzido, portanto, que é estéril.

Eis o texto de Andrade Muricy acerca de Augusto dos Anjos e sua evidente colocação no Simbolismo, principalmente quando posto em comparação com Cruz e Sousa:

"Já se está ultrapassando, entre nós, o horror às aproximações, às comparações, à pesquisa de filiações e do entrecruzamento de influências tão fecundas na Literatura, e aliás em todas as demais Artes. Esse estudo de genérica literária restitui à Literatura a sua verdadeira universalidade humanística,  retirando-a dos exclusivos critérios nacionalistas e individualista, e da obsessão da "originalidade", tão esterilizadora."

Já o texto presente na mais atual edição de uma obra de José Severiano de Resende (poeta que consta na parte IX do estudo Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros, deste blog), escrito por C. Giordano, assim nos aparece:

"Esquecido da crítica e consequentemente não-reeditado, depois de resenhado no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro (v. II, p. 65-74), de Andrade Muricy, terá tido apenas duas tentativas de relembrança.
O poeta, historiador e acadêmico de fina sensibilidade Alberto da Costa e Silva em 1957 publica na Revista do Livro (n. 6, p. 65-72), o artigo "José Severiano de Resende e alguns temas de sua poesia", discorrendo, além do que explica o título, sobre a vida de José Severiano. (...) O articulista fecha sua excelente leitura da poesia de José Severiano nestes termos:

Numa poesia pobre como a nossa não se deve relegar ao esquecimento o nome de José Severiano de Resende. Os seus melhores poemas possuem uma densidade, uma verdade interior, uma grandeza de visão que raramente encontramos nos trabalhos de nossos poetas.
(...)"


(Na foto: Augusto dos Anjos)

Temos, portanto, uma abordagem aparentemente distinta sobre dois poetas: Augusto dos Anjos,  reconhecido como um dos melhores poetas brasileiros, mas raramente posto como Simbolista, estilo no qual a sua poética melhor se encaixaria; José Severiano de Resende, pouco conhecido, mas, acerca de seu nome, no texto é feito um apelo pelo seu relembramento como poeta de destaque na "pobre literatura brasileira". Mas, em si, ambas abordagens cingem o vulto do esquecimento a que se refere o historiador Alberto da Costa e Silva e, para evitá-lo, a esterilização de um poeta.
Muito me parece que Augusto dos Anjos é posto solitário nas Letras para dar lume à sua qualidade artística e não o jogar ao limbo a que fora fadado o Simbolismo após muito esforço dos críticos. São tentativas falaciosas de envolvê-lo no manto da ausência de rastros influenciários (que vão desde Baudelaire, passando por Cruz e Sousa e até indo por nossos parnasianos, como era comum em alguns Simbolistas), e delegando-o a precursão de movimentos que viriam muito posteriormente ao seu Eu, o que é de certa forma um anacronismo. No caso de José Severiano da Silva, há uma discussão, inclusive, se o vocabulário requintado de sua obra não prejudicou a sua popularidade; se assim o fosse, Augusto dos Anjos, de vocabulário extenso, difícil, erudito, nunca teria a popularidade que tem hoje. A desvinculação de Augusto com um estilo favoreceu a sua fama após o movimento Moderno, o que não aconteceria com outros Simbolistas e Parnasianos, como o próprio José Severiano.

Quando me referi, no início do tópico, que a "obsessão por originalidade" levava à percepção de uma literatura pobre, referia-me exatamente às duas interpretações expostas. Negar as influências, o passado da humanidade e a própria humanidade em si contida, seria negar a evolução da Arte e o próprio nexo de sua existência. Não obstante, no Brasil, após o fluxo de patriotismo e moldagens de ideias de nação no Romantismo e da falácia de uma arte essencialmente brasileira exposta em 1922 e nos movimentos subsequentes, o conceito "esterilizante" da arte foi retomado como nunca antes fora, tendo como certa postura estética o artista "livre em sua escolha", sendo que a escolha por uma estética mais formal era vista com maus olhos (ora, quantos neo-Simbolistas não tiveram de abandonar o estilo mais clássico para serem vistos e aceitos pelos seus contemporâneos literatos?), sendo evidente, portanto, que a liberdade geral era condicionada à ausência de uma postura fixa de um ser.


(Na pintura de Belmiro de Almeida: Severiano de Resende)

A pobreza de nossa Literatura, principalmente a antiga, é falaciosa, principalmente partindo do princípio de que ela é mais jovem do que as Literaturas Europeias, alicerce de comparação de muitos. Julgar que o movimento Romântico foi pobre, assim como o Colonial, Parnasiano ou o Simbolista e etc é um grande erro, pois, apesar de existirem os poetastros, haviam vários outros que compunham os movimentos, que são sociais e históricos também, e que deveriam ter destaque. O que poderíamos salientar é a pobreza da Literatura após a década de 60 do Século XX no Brasil, podendo-se destacar no máximo três nomes que surgiram nessa época. Essa pobreza acompanha a falta de exigência do público, que prefere, cada vez mais, o óbvio ao subjetivo, por conseguinte, dão preferência à lei do menor-esforço.

A postura de "esterilização" sobre certos autores que é tomada por alguns acadêmicos parece-me também muito oportunista. É muito fácil analisar a singularidade que em cada obra é evidente (ora, estamos analisando Movimentos, mas que são constituídos por mentes de diferentes seres, mesmo que convergentes) e fabricar novos Estilos para conseguir, finalmente, ter algum tema para teses de Mestrado ou Doutorado. Poderíamos chamar isso de Esterilização-Acadêmica, que raramente é vista como falha, mas normalmente como um descobrimento de um mistério inexistente nas entrelinhas, entre os brados e lauréis da Academia. Como Andrade Muricy pontuou - e repito o trecho - "Já se está ultrapassando, entre nós, o horror às aproximações, às comparações, à pesquisa de filiações e do entrecruzamento de influências tão fecundas na Literatura, e aliás em todas as demais Artes (...)"; mas, ao contrário do que Muricy pensou, o movimento esterilizante só piora, e por motivos banais, hediondos. Muitos podem argumentar que é na Academia que surgem os trabalhos que resgatam grande parte da Literatura - de acordo -, mas, ao fazê-lo, por qual deturpação que não passam alguns autores e alguns estilos?

Aos artistas, cabe-se a busca por uma Arte pessoal, nova, que flua dentro de um parâmetro em que se aceite água de fontes várias. Aos críticos e acadêmicos, cabe-se o findar do terror aos chamados "clichês temáticos", que, muitas vezes, não passam de demonstrações contínuas de humanidade, em sua perpétua aparição nas sociedades. Esses "clichês" levam, muitas vezes, à obsessão por originalidade e, após um raso fitar na arte do país, à conclusão de que pouco há na arte de original, na quintessência da palavra, carregando muitos a injustiças contra os artistas nacionais em detrimento dos internacionais, osculados pela glória do desconhecimento.

Abraços,
Cardoso Tardelli

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

De Ti - Cardoso Tardelli

Caros leitores do Sacrário das Plangências, posto-lhes um poema presente na Poética das Quimeras (Selo FuturarteEd. Multifoco, 2012). 

A obra está disponível na Livraria Cultura (clique aqui para o link) e no site da editora (clique aqui para o link).  Há agora também o e-book da Poética das Quimeras (clique aqui para comprá-lo na Amazon.)

DE TI - Cardoso Tardelli

De ti, não serei sequer a esperança
Que conforta o tristonho coração;
Não serei nem uma terna lembrança
Que aos teus olhos diga paixão.

Não serei à tua fronte a aurora
Que no firmamento ternamente sorri;
Nem vaga memória serei... embora
Tudo a mim lembre de ti.

Não serei sequer um devaneio risonho,
Um verso, um hino, um canto;
De ti, não serei sequer um sonho
Que celebras em contente pranto.

O sorriso que languidamente fulgura,
Os olhos que riem, eu não serei de ti;
Embora em toda manhã pura
Tudo, por tua causa, alegremente ri.

De ti, não serei do peito o alento -
Nem o que move a tua doce alma;
Sequer serei um belo sentimento
Que aos teus tristes anseios acalma.

Não serei o que pulsa no teu seio,
Sequer o reflexo das lágrimas que perdi;
Porém, meu anjo! Meu alegre devaneio!
Bem sabes que meus versos, minh'alma... são de ti!...

21/03/2010

Abraços, Cardoso Tardelli