quinta-feira, 24 de maio de 2012

Ótimo Documentário sobre Castro Alves

Caros leitores do Sacrário das Plangências, assim como no documentário sobre Cruz e Sousa, recomendar-lhes-ei um documentário da série "De Lá Pra Cá", com os devidos cuidados e comentários. Neste caso, o poeta Romântico, sublime bardo da terceira fase, mas que iniciou-se com uma fase essencialmente ultra-romântica (sempre há de se pontuar o exemplo de Casimiro de Abreu, que, não obstante alguns questionamentos sociais, tinha como base paixões e sonhos em suas Primaveras, ou seja, não caracterizando obstativos os feitios de cada fase para se desenvolver a poesia de outra fase do Romantismo brasileiro).

Parte I

Parte II



Dos vídeos, há algumas coisas sobre as quais podemos pontuar, sugerir e questionar: Alexei Bueno, em seu início de discorrer, diz-nos que houveram dois grandes Românticos em nossa Literatura - Gonçalves Dias e Castro Alves. Esquecendo da figura de Álvares de Azevedo, à qual é creditada a melhor feição do  nosso Romantismo de Introspecção, Bueno olvida um dos pontos altos de nossa literatura, seja no gênero poético, teatral ou de contos. Mas não julgo uma total novidade essa opinião - pois o Ultra-Romantismo é um gênero totalmente posto de lado atualmente, apesar de suas inúmeras qualidades líricas e humanas (e surpreende tal opinião vinda de Alexei, pois ele é um exímio colecionador, pesquisador e historiador da poesia brasileira).

Caso queiram saber mais dados sobre a vida de Castro Alves e do Movimento Romântico, recomendo o livro "A Vida Literária no Brasil Durante o Romantismo", de Ubiratan Machado (Editora Tinta Negra, Rio de Janeiro, 2009). Claramente sendo um livro não escrito por historiador, muito pela preferência de evidenciar os fatos, não as análises (engenho historiográfico stricto-sensu), é um livro leve e que entretém o leitor de forma ampla - pois faz a óbvia aliança da história e da literatura.

E,enfim, para descobrirem devidamente Castro Alves, em suas várias faces, faz-se necessária a leitura de sua Obra Completa, constituída e entendida atualmente por Espumas Flutuantes e Os Escravos.

Abraços,
Cardoso Tardelli

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte XIV

Caros leitores do Sacrário das Plangências, dando continuidade ao estudo "Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros", mostrarei mais três "desconhecidos" do movimento, apesar de gozarem de certo prestígio à época em que compuseram grande parte de sua obra.

POETAS SIMBOLISTAS:

Cunha Mendes (1874 - Maranguape - CE - 1934 - São Paulo):

Bacharel pela Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo, advogou no Rio de Janeiro. Pertencente à segunda camada do Simbolismo (menos ortodoxa), colaborou em jornais como O País, Pallium (Curitiba) e o Vera-Cruz (Rio de Janeiro). Dirigiu, na cidade paulistana, a Revista do Brasil.

NOUTE, ABRIGO DOS MAUS...

A Samuel Porto

Noute, abrigo dos maus! Trevas, calmos ensombros
Do covarde, do nu, do triste e do cansado;
Enche d'alma arruinada os sórdidos escombros
Com a mudez funeral de túmulo fechado!

Há muito tempo, arrasto, aflito, sobre os ombros
O castelo fatal  dum sonho delicado:
Sem ser desesperado, eu sinto esses assombros
Do que o peito apunhala e tomba ensanguentado.

Noute sem claro luar! noute sem clara estrela!
O teu vasto pavor de trevas repelentes
D'alma exausta amortalha a soturna procela!

Abriga-me na paz das cerrações noturnas,
Para qu'eu solte, ansiado, os meus vícios frementes:
- À noute, os animais fogem das negras furnas...

(Em Poemas da Carne, de1896)

GLOSSÁRIO:
Ensombro: Coisa que da sombra; Fig: Proteção, abrigo, amparo.
Procela: Tempestade marítima. Por extensão: Agitação extraordinária, tumulto.
Furna: Caverna, antro, cova.

NUMA RARA EXPRESSÃO...

Numa rara expressão de fúnebre martírio,
Com o palor cirial d'imaculado lírio,
Ela - seu doce olhar cismava longamente! -
Dava aos olhos ideais uns vagos tons de poente.

Sob a cruel palidez de funerário círio,
Fermentava o seu triste e soturno delírio!
A dor alto falava, a negra dor ardente
Como que palpitava em seu perfil dolente!

Lentamente, cansado e aflito, aflito e ansioso,
Cravei meu longo olhar nas fúnebres retinas,
Turvas das trevas más d'abismo proceloso...

Nunca mais m'esqueci desse olhar moribundo:
A transbordar de mágoa entre montões de ruínas,
Como aclarando o horror d'esfacelado mundo!

(Em Poemas da Carne, de1896)


Henrique Castriciano (1874 - Macaíba - Rio Grande do Norte - 1947 - Natal):

Iniciou o curso de Direito no Ceará, tendo o terminado no Rio de Janeiro, em 1904. Exerceu cargos públicos no Rio Grande do Norte e na Paraíba. Atingido pela tuberculose precocemente, aos 18 anos, buscou ares que favorecessem a sua saúde, encontrando por fim a Suíça. Retornando ao Brasil, foi fundador da Escola Doméstica, em Natal, com fins de aperfeiçoamento das donas de casa - a primeira criada no Brasil. Além disso, fora o primeiro presidente da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.
Dedicou-lhe Luís da Câmara Cascudo o livro Nosso Amigo Castriciano (1965), que segundo Andrade Muricy, "é de surpreendente riqueza de subsídios biográficos, mas também grandemente revelador da versatilidade excepcional desse intelectual de trato tranquilo e digno".

MONÓLOGO DE UM BISTURI

A Papi Júnior

"Primeiro, o coração. Rasguemo-lo. Suponho
Que esta mulher amou: tudo está indicando
Que morreu por alguém este ser miserando,
Misto de Treva e Sol, de Maldade e de Sonho.

Isso me não comove: adiante! Risonho
Fere, nevado gume! e, ferindo e cortando,
Aço, mostra que tudo é lama e nada, quando
Sobre os homens desaba o Destino medonho...

Fere este braço grego! E as pomas cor de neve!
E as linhas senhoris que a pena não descreve!
E as delicadas mãos que o pó vai dissolver!

Mas poupa o ventre nu, onde repousa um feto:
Por que hás de macular o sono fundo e quieto
Desse verme feliz que morreu sem nascer?"

1902

(Em Vibrações, 1903)

GLOSSÁRIO:.
Pomas: Seios.

NA SOLIDÃO*

A lágrima sem fim, a lágrima pesada,
Que eternamente cai do cimo desta gruta,
Representa algum'alma estranha e desolada,
Que mora a soluçar dentro da rocha bruta...

Esta alma quem será? Não sei! Mistério fundo...
Entretanto eu pressinto alguém, que se debruça,
E baixinho me diz, num gemido profundo:
- Existe um coração na pedra que soluça...

(Em Ruínas, 1895.)

*Estes versos foram escritos, segundo o autor, "numa pedra da gruta da Trincheira, da qual jorra eterno fio de água".

MADRIGAL

Como um cisne ideal que, num lago flutua,
Ia boiando a lua...

Seu ebúrneo clarão, doce como um sorriso,
Lembrava o Paraíso.

As estrelas do Azul e as espumas do Mar
Pareciam sonhar.

Enquanto o coração, sem espinhos e abrolhos,
Apenas vagamente irradiar sentia
Esse etéreo fulgor!
Matava-o de alegria
Não o luar do céu, mas a luz dos teus olhos!

1902

(Em Nosso Amigo Castriciano)

GLOSSÁRIO:
Ebúrneo: De marfim ou da cor de tal.

Orlando Teixeira (1874 - São João da Boa Vista - SP - 1902 - Estação de Sítio, MG):

Morador, principalmente, da cidade do Rio de Janeiro, onde se relacionou nos meios literários, "conquistados pela sua vivacidade e verve, desajudadas por 'sua voz roufenha e um 'físico infeliz'", segundo depoimento de Andrade Muricy, foi jornalista, escritor teatral e poeta. Tinha como musa Violeta (Bebê) Lima e Castro, cantora lírica e declamadora, de grande fama em sua época, mas para quem nunca exigiu a reciprocidade de seu amor. Tuberculoso, escreveu "O Sapo e a Estrela", peça de confissão à sua inspiradora, e partiu para Estação de Sítio, em Minas Gerais, onde já havia morrido Cruz e Sousa. Violeta Lima e Castro havia passado alguns momentos fraternos ao lado de Orlando Teixeira naquela cidade mineira, e, estando ela em turnê europeia, nada restava a ele senão a saudade desses momentos, numa remota esperança de recuperação. Mas veio-lhe a morte, em 25 de Fevereiro de 1902. Orlando escreveu numa época em que o Simbolismo estava no auge de sua vitalidade intelectual, sofrendo grande influência, inclusive de "modismos" como os Satanismos de Baudelaire (como em sua "Oração ao Diabo").

HORAS MORTAS

Oiço uma estranha voz, lá fora... Engano, certo.
Quem, numa noite assim, andará pela rua?
Cada vez mais estranha escuto-a... Já mais perto,
Nítida agora, na minha alma se insinua...

Houve alguém que, ao morrer me deixou num deserto,
Falar-me-á esse alguém?... Essa voz será sua?...
Tu, que o meu coração deixaste em chaga aberto,
Vem de ti essa voz que sobre mim atua?...

E a voz que escuto, a voz que permanece calada;
Abro a porta a pensar como Poe: - Talvez seja
Alguém... Fria e cortante, entre o quarto a rajada.

Lembro-a ainda outra vez. Fora, o silêncio adeja,
E lá fora, até lá, na larga noite, ansiada,
Esta grande saudade intérmina boceja.

(Em Magnificat, 1901, cópia cedida por Violeta Lima de Castro para Andrade Muricy)

ORAÇÃO AO DIABO

A Rafael Pinheiro

Grande deus Satanás, vermelho deus maldito,
Rei do inferno, senhor absoluto da treva;
Espírito que o mal domina e que o ódio leva,
Arrastado após si, pelo eterno infinito.

Grande deus Satanás, minha alma de precito,
Branca de misticismo, à tua alma se eleva,
E reza esta oração cheia de fé, coeva
Da antiga crença azul do boi Ápis, no Egito.

Dizem que se a alma tens de qualquer desgraçado
Em troca tu lhe dás das fortunas o açoite,
E de outros não sei eu que a teu eleito vençam.

Se tanto for mister para que seja amado
Pelos risos bons, a dos olhos da noite,
Grande deus Satanás, lança-me tua bênção.

(Em Magnificat, 1901, cópia cedida por Violeta Lima de Castro para Andrade Muricy)

GLOSSÁRIO:
Coeva: Contemporânea
Ápis: Personificação, em forma singela de animal, de Osíris e Ptah. Representação de divindades numa forma fincada à rústica Terra, portanto, à agricultura, meio essencial de cultivo para a sobrevivência para o Egito.
Mister: Ofício.


Caros leitores do Sacrário das Plangências, finda está aqui a décima quarta parte deste estudo. Lembrando que a fonte é o "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro", de Andrade Muricy, eis-nos na transição da primeira para a segunda fase do Simbolismo no Brasil, já sendo muito mais comum a visualização de versos livres, palavras não tão raras, e hermetismos sutis. A transição para o Modernismo começa a se evidenciar a partir daí, como vemos nesse gráfico, presente no livro citado (lembrando que o Simbolismo era um movimento concomitante ao Parnasianismo, não havendo nesta plaga a transição entre essas duas escolas - mas uma aglutinação por parte dos Simbolistas e rejeição por parte dos Parnasianos): 


Abraços,
Cardoso Tardelli

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Sobre a Necessidade de uma Vanguarda

Caros leitores do Sacrário das Plangências, vejo esta postagem como uma das essenciais desse mês. Todos nós sabemos que, atualmente, vivemos numa época em que não há nenhum estilo artístico, principalmente literário, para o qual define-se um adjetivo vanguardista. Os prováveis motivos desse panorama podem ser encontrados nos acontecimentos posteriores à Vanguarda Modernista (no foco somente artístico) até na cientificação de nossa sociedade (no foco social).
Mas como, afinal, uma vanguarda serviria para volver aos artistas, principalmente literários, o tal de "direito de cidade", tão citado por Nestor Vítor, quando se referia aos direitos de opinião na Sociedade dos Parnasianos? Como um artista, diante da valorização de sua obra, teria de se posicionar ante a própria arte?

Nos dias atuais, a Poesia Contemporânea vive dias de pobre valorização, talvez por, de fato, ter pouco de conciso e bom para mostrar. Não obstante a maior produção de poesia - mesmo que não seja tratando-a como Ofício -, muitos poetas ficam esparsos, sem conhecimento um dos outros, e sem realizar o que eu creio que seja o essencial para uma obra artística - desenvolvê-la antes de mostrá-la ao público. Quando há a ideia de uma vanguarda, há, evidentemente, a ideia de uma linha estética parecida, mas também de um desenvolvimento temático pessoal (poucos souberam fazer essa divisão como o Simbolismo, utilizando-se, em muitas vezes, de uma estética clássica, mas, tematicamente, sendo personalíssimo, apesar de hermético). Enumerarei os pontos que justificam o desenvolvimento de uma vanguarda nos contemporâneos dias, mesmo que muitos creiam mais em coisas excludentes das Vanguardas, e não do desenvolvimento que a variação de estilos traz à arte.

I - Valorização do Artista para com o próprio Artista e a Valorização Consequente para com o Leitor:

Para ocorrer quaisquer que sejam os objetivos de uma vanguarda, é impossível que não ocorram dois tipos de valorização: a do artista valorizando-se e, por consequência, a do leitor valorizando a posição de artista do referido. Nos dias atuais, com a figura empobrecida, de mero rebelde juvenil, que o artista tem, nem sequer o artista se valoriza nem sequer consegue a valorização do público. Em outras postagens neste blog discorri sobre o assunto da erudição que um autor necessita para ter uma boa obra - e também para obter o respeito do público. Creio que vivemos numa época em que a grande parte da leitura das pessoas limita-se do Século XX para os recentes mais-vendidos. Gêneros, como a Poesia, passam quase despercebidos - com a exceção de autores como Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, que, se não têm realmente os seus livros lidos, têm os seus nomes lembrados por serem extremamente citados em situações do cotidiano estudantil, como provas e vestibular -, e mesmo aquelas pessoas que julgam-se leitoras, cada vez mais, leem menos, muito pelo tempo limitado, muito pela utopia de leitura que a internet nos concede. Um Artista com porte de Artista - e que valoriza-se como tal e é valorizado em seu meio, meio que também é valorizado - é, por consequência, mais cedo ou mais tarde lido e reconhecido.

II - Reunião dos Artistas num mesmo Meio de Comunicação:

Se lembrarmos dos movimentos artísticos do passado, lembraremos dos veículos por meio dos quais era-se possível fazer a divulgação dos Ideais de cada vanguarda, apesar do comum caráter efêmero desses veículos. Hoje, com raríssimas exceções, não temos sequer jornais divulgadores de cultura e que também contenham uma crítica (nem sequer um site realmente compartilhado e divulgado). Por intermédio de um veículo impresso - ou até por um site maior na internet - os artistas que comungam de um mesmo Ideal de arte publicariam algumas de suas obras num mesmo veículo, além de também publicar novas ideias, estéticas e análises. Se é para existir uma vanguarda, é óbvio que num meio de comunicação essa vanguarda tem de ser entendida e lida, pois é muita ingenuidade crer num movimento sem uma divulgação.

III - O Renascimento da Crítica:


À época do movimento Romântico, havia um grande incômodo pairando em cartas dos escritores, totalmente justificado, aliás, diante dos autores que apareciam: não havia uma crítica realmente séria, avaliativa, que pudesse separar os futuros grandes escritores dos famosos "Poetas de um Poema Só" (lembrem que muitas obras eram publicaras em folhetins, pouco a pouco, fazendo com que alguns poetas atingissem fama repentina - e esquecimento também). Quase todos os artistas daquela época, de Álvares de Azevedo a Bernardo Guimarães, passando por um jovial Machado de Assis, esboçavam tentativas de críticas, ainda muito pessoais, chegando a serem plenamente vingativas, como as de Bernardo Guimarães, que, sendo um poeta menor que Junqueira Freire, destilou uma série de críticas sarcásticas ao enclausurado poeta baiano. A situação só iria realmente normalizar-se quando o Realismo já era estilo vigente na Prosa (apesar de também ter seus poetas)- e o Parnasianismo o regente dos versos brasileiros, tendo o Brasil como grandes nomes José Veríssimo ("um inimigo do símbolo", como era chamado pelos Simbolistas, pela sua crítica feroz à obra de Cruz e Sousa, mas um dos maiores críticos de sua época), e Araripe Júnior.
Os tempos contemporâneos recebem as águas de uma época de ouro da crítica, em cujo principal nome, Antônio Cândido. "Os outros", como Alfredo Bosi, sempre formam uma corrente forte, respeitada no meio, apesar de terem obras fixas como meio de exposição de opinião, raramente aparecendo em jornais. Essa crítica um dia se vai e até deixará como herança um certo desdém à arte contemporânea, atitude evidenciada pelo Antônio Cândido na FLIP do ano passado, quando confessou que não lê autores novos.
Faz-se necessária, portanto, uma renovação da crítica - um renascimento -, de preferência, com a obtenção de espaços em jornais, já que a crítica cinematográfica e também acerca de outras artes têm espaço nesses veículos. O reinício de uma crítica viria não somente para acrescer ao pensamento humano - mas à própria arte, que inegavelmente tem seus envolvimentos com esse gênero.

IV - Se há Oposição Artística, há Desenvolvimento Artístico:

Grande parte do desenvolvimento artístico da humanidade baseou-se no pressuposto de evolução do que já fora escrito e de evolução do que estava vigente na época. Os manifestos artísticos (e até mesmo obras  artísticas "inaugurais"), esbanjando argumentos contra imposições de um ou outro estilo, formaram grande parte das revoluções temáticas e estéticas, históricamente representativas para um homem que se transfigurava pelos tempos. Após a Vanguarda do Modernismo - genialmente chamada por Mário Chamie de "a vanguarda anti-vanguarda", pela sua característica de grupo unido lutando pela ruptura total e  pelo esquecimento de nomenclaturas -, além de termos entrado num século em que a técnica (ciências, a matemática, os números, etc) imperou, desumanizando o ser humano (quanto mais técnica, menos homem, como defendia Weber).
Tudo isso, aliado à queda do nível da educação no país - e do foco em matérias não referentes às Humanidades -, contribui ao desinteresse pela poesia, pela arte e pela produção e melhoria destas. Inegavelmente, porém, as pessoas que são interessadas por arte não muito hesitariam em lutar por uma arte melhor e representativa do ser humano de nosso tempo - não necessariamente cruamente de nosso tempo, alheia ao ser humano. Ou seja, pessoas para trabalharem sobre a possibilidade de vanguardas existem, sejam de posições diferentes ou não, falta acreditarem na utilidade pós-moderna de tal.

V - Por que Vanguardas, se supostamente pouco há para se dizer de Novo?


Entre os vários argumentos utilizados contra a possibilidade uma vanguarda no contemporâneo é o fato de que não há um Novo e nem a possibilidade de criá-lo. O grande ponto, no caso, é que a maioria dos movimentos artísticos foram recriações de pensamentos antigos, desenvolvimentos pessoais sobre alicerces culturais do ocidente, ou seja, uma eterna revisão do que o ser humano sempre ansiou. Essa repaginação, se pudermos assim chamar, é, em parte, modificada pelo Tempo em que é feita. Noutra parte - pelo sujeito que a pratica. Se formos analisar algumas tendências de arte - não necessariamente definidas - que estão sendo expostas nos nossos dias, poderemos ver que há uma ânsia pelo Novo, mas não, certamente, um sucesso para encontrá-lo. O atingimento da Novidade tem de ser atingido por uma comunhão da Estética e da Temática, sendo a última a essencialidade do que há de ser procurado. O que vemos hoje é um abuso de tentativas de "impressionar" pela primeira-impressão, mas uma fraca tentativa de impressionar pela Arte em lacto-sensu, ou seja, por meio do desenvolvimento da Arte no visualizador.
Há, sim, muito de novo para se falar - caso contrário sequer haveria a continuidade das Artes e o seu nexo de existência, que é necessário por si somente. A busca pelo Novo - e a negação posterior dessa visualização feita por um outro grupo -, talvez, alavancaria minimamente algumas questões culturais que estão estagnadas no Brasil - e que teimam em dormir moribundamente diante da paralisação da alma do próprio ser humano diante de si.

Abraços,
Cardoso Tardelli

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte XIII

Caros leitores do Sacrário das Plangências, dando continuidade ao estudo que visa descobrir os Simbolistas brasileiros, eis a décima terceira parte, após uma breve pausa para o foco em outros temas. Sempre é bom lembrar que grande parte dos poemas, além das informações, são retirados do "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro", de Andrade Muricy.

POETAS SIMBOLISTAS:

Tibúrcio de Freitas (? - Baturité - CE - 1918 - Rio de Janeiro):

Membro da primeira leva Simbolista, mesmo não sendo escritor ou poeta, foi participante do grupo mais próximo a Cruz e Sousa - que sempre se reuniam num local chamado O Antro. Amigo de amizade rara do Poeta Negro, junto a Nestor Vítor, Maurício Jubim, e o próprio Cruz e Sousa, realizaram reuniões Simbolistas de decisivo ímpeto para o rumo do estilo. A importância da figura do Simbolista cearense está evidenciada na passagem descrita por N. Vítor, cujo mérito no movimento é mais que inegável e trabalhado: "Todos ouviam o Cruz sem pestanejar, e só louvores manifestavam aos frutos do seu fecundo engenho, cada vez mais fértil, não obstante a insidiosa astenia, que minava em segredo aquela compleição delicada. Apenas o Tibúrcio se permitia a liberdade de sugerir substituições e emendas no emaranhado daqueles louvores. Tendo em grande conta e maior estima a sutileza crítica do seu confidencial amigo, Cruz aceitava e cumpria os reparos, com a mais agradecida naturalidade."
Extremamente ligado à figura de Cruz e Sousa, Tibúrcio, segundo os relatos dos contemporâneos, sentiu a morte do poeta negro como um fim de mundo, um findar da razão de existência. Muito curioso, não obstante a tragédia, o relato do poeta Carlos D. Fernandes, num texto que relatava a chegada do corpo do Cisne Negro em um horse-box, vindo da Estação de Sítio - MG -, morto pouco tempo depois de diagnosticado com tuberculose: "Tibúrcio ficou taciturno por vários dias, como se procurasse neste lapso de tempo um novo rumo para o seu destino. Quando menos se esperou, o decifrador de Corbièrie, o exegeta de Rimbaud, desapareceu do Rio, sem que se soubesse o seu paradeiro."
Sabe-se que ele havia ido para Santa Catarina - terra de seu ídolo -, mas logo voltando para o Rio, onde faleceu em 1918. Segundo Andrade Muricy, "ninguém o conhecia como Cruz e Sousa; e entretanto, este, criador nato de Expressão, não sabia como conciliar a certeza que tinha da superioridade do instinto literário de Tibúrcio de Freitas com a incapacidade deste de realização escrita."

Colatino Barroso (1873 -Vitória - ES - 1931 - Rio de Janeiro):

Simbolista ardoroso, teve os seus estudos em Ciência Jurídicas interrompidos por motivos de enfermidade, levando-o ao funcionalismo público e, consequentemente, à transferência para o Rio de Janeiro. Participou das revistas Tebaida e a Revista de Arte e Filosofia. Foi, segundo Andrade Muricy, um conferencista brilhante, principalmente após um longo período de convivência com artistas plásticos na Escola Nacional de Belas-Artes. Sempre escreveu em prosa poética ou prosa poemática, sendo mais um dos casos, assim como o de Raul Pompeia, a ter o seu Símbolo alicerçado em imagens esparsas não em versos, mas numa obra de cunho "visualista invulgar".

O SOL TEM A TRÁGICA BELEZA...

O sol tem a trágica beleza de um martírio, a luzir por entre laivos de sangue.
O poente fulge como uma maravilhosa e sagrada cidade de Sonho; nuvens formam-lhe colunatas e pórfiros e d'ouro, acidentadas cúpulas e torres alvacentas; abrem-se largas perspectivas de terraços e escadarias sobre fortes muros graníticos de montanhas. Aprumado, hirto, ergue-se um escalvado monte. O sol agoniza sobre esse Calvário.
Parece que a rocha iluminada sangra. Dir-se-ia que a pedra, humanizada, geme, à luz divina de uma transfiguração. Águas que se derivam são como prantos, redimindo a terra, negra como o pecado. Como a dor angustiosa do sol faz sofrer todas as mil almas dispersas da Natureza!
Desce, qual espesso velário, a sombra da noite. Como que o fumo de mil turíbulos se adensa no ar cinéreo. Vão-se acendendo os esplêndidos ciriais do céu.
A água tem falas mansas de lábios múrmuros numa prece.
Senti como aquele tronco fléxil que sobre a água se debruça é agora dolente, chopiniano! Parece que ele acorda na água do rio, como num maravilhoso teclado, uma sonata soluçante de mágoas! Dir-se-ia que a água, espiritualizada, chora! Toda ela bibra, sentindo o contato dos ramos dessa árvore, como sob a pressão de inquietas mãos nervosas. Passam pela voz das águas soluços, estrangulamentos de gemidos. O rio flui suspiroso, numa música de ais, como uma indefinida saudade.
Súbito um raio de sol incide sobre a flecha de um campanário.
Há como uma explosão de claridades. A luz, acesa em brilho intenso, parece metálica: clangorante, tem a fulguração vibrante de um hino.

(Em A Beleza e as Suas Formas de Expressão, 1918)

GLOSSÁRIO:
Laivo: Mancha, nódoa.
Pórfiro: Qualquer mármore que apresenta cristais muito brancos.
Campanário: Parte aberta da torre de uma igreja, onde estão os sinos.
Clangorar: Soar de forma estridente, proclamatória. 

Gonçalo Jacomé (1874 - Barreiros - PE - 1943 - Rio de Janeiro):

Poeta sem estudos completos, tendo abandonado a Escola Militar e, tão somente, obtido um cargo nos Correios, foi um dos vários casos de discípulos do verso de Cruz e Sousa, poeta para o qual dedicou o seu primeiro livro - Felix Culpa -, de 1903. De inspiração católica, perambulou, estéticamente, tanto nos versos ortodoxos quanto nos versos livres, evidenciado pelo seu derradeiro livro Inanis Labor, de 1928. "Vivia modestamente, mas enebriado de poesia", segundo A. Muricy. Em 10 de Novembro de 1943, foi encontrado morto, quando já estava aposentado.

MAGNIFICAT

Aquela a quem relato o meu segredo,
Que de lauréis a fronte me entretece,
Impalpável visão que no rochedo
Dos Prometeus do sonho comparece.

Aquela a quem nas dores intercedo,
Que é toda amor, toda desinteresse,
Dos céus azuis desceu ao meu degredo,
Nas invisíveis asas de uma prece.

Aquela... morrerei serenamente,
Afogado na linfa do meu pranto,
Repetindo o seu nome resplendente.

Aquela... surgirei diante dos seus braços,
Osculando as estrelas do seu manto,
Fora do tempo e fora dos espaços.

(Em Inanis Labor)

FLORES NOTURNAS

Na eterna paz das noites silenciosas
E por onde estrelas glaciais florescem,
Pelas excelsas aras luminosas
Dos céus azuis, brancas neblinas descem.

Cristalinas hosanas langorosas
Na boca dos arcanjos desfalecem.
E num concerto de harpas misteriosas
Lótus de amor pela amplidão fenecem.

Todo o paul da terra se perfuma
E desabrocha no éter e na bruma
A gestação das flores imortais.

E, do mar das angústias e das ânsias,
As nossas almas boiam nas distâncias
Das remotas paragens siderais.

(Em Inanis Labor)

GLOSSÁRIO:
Excelsa: Alto, elevado, sublime.
Ara: Altar.
Paul: Pântano.
Éter: P. extensão: O espaço celeste.
Paragem: Parte do mar acessível à navegação. Local onde alguém pode encontrar-se.

Caros leitores do Sacrário das Plangências, finda está aqui a décima terceira parte, chegando à metade dos poetas ou participantes da primeira geração Simbolista (44 autores). Cada vez mais é evidenciado o quanto foi rico o movimento e também o quanto para além dos inquestionáveis e já internacionais Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Sousa ele caminhou.

Abraços,
Cardoso Tardelli