sábado, 24 de setembro de 2016

Quatro Poemas de Caio Cardoso Tardelli

SOMBRAS

Nada há acima do meu sonho, nada,
E só a dor que o circunda me seduz...
A luz que dele emana é alvorada:
O caminho revelado é minha cruz.

E o pranto - a saudade aprisionada -
Aos olvidados passos me conduz.
Se a terra é charca ou encantada,
A toda essência o meu sonho traduz.

Certa vez, ansiei fugir desta quimera,
Mas sempre as sombras sobre os ombros
Ordenavam-me, a ulular: “Espera!”

E desde então, cercado, para me suster,
Eis-me a fitar reluzentes escombros,
Ilusão do que nunca fui ou hei de ser!

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SAUDADE VAGA

O dia se fina. Ângelus nas altas capelas
São entoadas com a dolência do Luto...

Ponho os olhos no céu e flerto as belas
Gelhas rosas que se enleiam num sonho impoluto;

Quais amores o firmamento, em cânticos,
Guarda aos corações que sempre o cultuam?

Quais, ó Ventos leves, saudosos, teomânticos,
Que beijais os rubros delírios que vos estuam?

Quais sonhos guardais em vossos aéreos suportes
Às dolentes almas na vossa sede complacente?
Quais filhos da terra nas volúpias das mortes?

Por tal, tenho o olhar sempre preso ao poente...

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INCOMPLETUDE

Eu, contemplador da desolação,
Tenho para o céu os olhos postos,
Como postos para um coração
Os mil mistérios dos Sóis-Postos;

Tenho ilusões que se vão na luz
Que é a união de toda a mágoa...
Eu, mago servil da rude paixão,
Vejo onde o Sonho deságua -
E tenho os meus olhos, antes nus,
Pesados como lentas pedras n'água...

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MEU SOFRIMENTO

Não estalam em meu peito as tristezas
Que na necrópole despertam medo...
Tampouco meu coração deixou-se cedo
Ao pó fecundo das letais impurezas.

Dos imprecisos poentes as belezas
Sorvo até arrebatar-me em meu degredo...
Perambulam em minh'alma o claror tredo,
Todo o céu em angelicais levezas.

Mas inda meu verso no ermo caminha,
E as taciturnas penumbras avizinha
Ao som do prantear que sequer existe.

E jamais um amor passou nesses versos,
Ou lamentos, sonhos, sorrisos dispersos...
Só o pórtico da Glória há muito resiste.


("Nocturne in Black and Gold, the Falling", por James Abbott McNeil Whistler)

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

"Perfumes que Ficam", novo livro de poesia de Caio Cardoso Tardelli

Caros leitores do Sacrário das Plangências,

Lancei, há cerca de um mês, o meu novo livro de poesia, intitulado "Perfumes que Ficam". A editora escolhida foi a Kazuá, que fez um trabalho gráfico espetacular. Por ora, a obra está disponível por meio do site da Editora (clique sobre a capa para ir ao link da loja da Kazuá) e da Livraria Cultura. Há alguns exemplares comigo - para adquiri-los, basta enviar-me um e-mail (caio.tardelli@gmail.com). O preço é R$35,00.



Eis três poemas da obra:



A Morte me disse, certa vez,
Que embora muita vida pulsasse,
A vida é um reino fugace
Que - não importa a era - não tem reis.

Neguei, julgando ser insensatez
Que a Morte assim me falasse
Sobre a vida sem que a face
Do viver me contasse suas leis.

Mostrei à vida, então, um retrato:
Na mesma sala, eu bem infante,
Com o olhar em fulgor inexato...

“É a crença que reina os mundos!”
E ela: “É morto o instante,
Nada o agora. São reis os segundos!”

26/07/2013
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SOBERANIA

Na rude estrada em que me perdia,
Tingia o sol o meu rumo inconstante...
A esperança era um vento arfante
Já sem manifesta feição ou melodia.

O meu peito exausto não mais pedia
A água para a sede apavorante:
Um manso descanso é o bastante
Quando a ilusão já não alumia.

A tristeza circundava os momentos:
O céu era o meu abrigo aos relentos,
As estrelas minhas amantes cristalinas.

E quando n'horizonte (ó êxtases belos!)
Floriu a visão de derrotados castelos,
Vi-me soberano entre íntimas ruínas...

07/11/2012

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XVII

A Liberdade... A Liberdade não existe.
É uma ilusão daqueles que não amam
(A cada um o rumo revela correntes).
Um abrigo, que alma e coração reclamam,
Prender-nos-á entre paredes horrentes.
Ah! O sonhador é a sombra de seu sonho triste...
(Escravos das esperanças evanescentes...)
A Liberdade... A Liberdade não existe...

06/02/2014

Grande abraço,
Caio Cardoso Tardelli

quinta-feira, 23 de abril de 2015

A Torre Invedada - Vinte Ensaios Sobre o Simbolismo Brasileiro

Caros,
Foi lançado, pela Lumme Editor, o meu livro "A Torre Invedada - Vinte Ensaios Sobre o Simbolismo Brasileiro", em que discorro sobre o movimento simbolista no Brasil desde o seus primórdios até as manifestações contemporâneas. O livro pode ser obtido por meio da Livraria Cultura (clique na imagem e seja direcionado à página da "Torre Invedada" na Livraria) ou por meio do e-mail: vendas@lummeeditor.com - confira! 



Posto, para fins de demonstração, a introdução presente na Torre Invedada:

O SIMBOLISMO BRASILEIRO PARA ALÉM DE CRUZ E SOUSA E ALPHONSUS DE GUIMARAENS


            "O movimento simbolista, corrente artística fincada no ideal da perscrutação lírica e sugestiva do ser, do além e da própria significação onírica da vida, teve, no Brasil, por convenção didática, os seus maiores representantes nas figuras do catarinense Cruz e Sousa (1861-1898) e do mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921). Porém, com exceção aos versos cheios de aliteração de “Violões que Choram...”, de Cruz e Sousa, e aos célebres quartetos de “Ismália”, de Alphonsus de Guimaraens, é pequena a parcela dos que leem a obra completa dos dois. E há motivos para isso. O Simbolismo, não obstante a sua aparência formal, a sua temática severa, transcendente, foi – e ainda é - uma poesia marginal. Precedeu, nas terras brasileiras, grande parte das “revoluções” anunciadas na Semana da Arte Moderna – do verso harmônico ao verso solto, sem metro; sonetos assimétricos, sem rima; até a poesia visual -, mas ainda assim é tratado somente como um contramovimento ao Parnasianismo.
            Mas a própria convenção que faz com que o Simbolismo brasileiro tenha somente dois representantes importantes é falaciosa. Se, por um lado, no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, de Andrade Muricy (Editora Perspectiva; 1987), há, nada mais, nada menos que cento e trinta e um escritores simbolistas – na maior parte, poetas –, o próprio Muricy confessa-nos que não se deteve ao relatar casos de poetas menores, alguns que não chegaram a sequer publicar um livro – mas tiveram vida intelectual ativa em prol do movimento. O que se pode notar é que muitos poetas do Simbolismo brasileiro são realmente de estro altivo, consideráveis para qualquer plano e panorama das altas letras brasileiras, que ainda tende a crer que somente começamos a ter uma poesia “puro sangue” após 1922 – sendo que Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Filipe d'Oliveira, Graça Aranha, e até o grupo modernista da Festa, entre outros, estavam envolvidos com o Simbolismo, seja por produções passadas, como Filipe d'Oliveira e Manuel Bandeira, seja por uma confluência com o espírito criativo simbolista, como Guilherme de Almeida.
            No que se refere à fecundidade do Simbolismo brasileiro, ainda há incorreções: com várias produções anteriores a 1893, ano de publicação de Missal e Broquéis, de Cruz e Sousa, já se escrevia poesia simbolista no Brasil, fosse no Sul, Sudeste ou Nordeste: o que o Dante Negro ofereceu aos nefelibatas, ao lançar as suas obras, foi a figura indiscutível de um líder e de um assinalado. Convencionou-se, portanto, que o Simbolismo no Brasil iniciou-se em 1893 e findou em 1911, com o lançamento de Ilusão, de Emiliano Perneta; quatorze anos de produção e relevância já colocaria o movimento entre os mais importantes da literatura brasileira. Porém, a realidade mostra que, ao contrário do que se padronizou, o auge do Simbolismo no Brasil ocorreu exatamente quando declarou-se que ele estava morto, ou seja, no período entre 1911-1938 (de Ilusão a Sublimação, de Gilka Machado), tendo ainda momentos de glória, além dessa limítrofe data, nas vozes de Cecília Meireles, Pádua de Almeida, Onestaldo de Pennafort e, sobretudo, em Duque-Costa. A percepção de que o “Simbolismo já não dava frutos” a partir de 1911 (como Drummond, ao comentar Raul de Leoni, declarou) provém da crença no Pré-Modernismo como resumo de toda a produção artística da época, como se tudo desaguasse no movimento de 1922 e fosse, por inércia artística, modernista após a Semana de Arte Moderna. No período de 1911 e 1922, o Pós-Romantismo, Parnasianismo, Neo-Parnasianismo, Simbolismo ortodoxo (no Rio Grande do Sul, principalmente), Pós-Simbolismo e, aí sim, os artistas de 22, produziam a sua arte concomitantemente, não raramente dialogando entre si. Naquela época singular da Belle Époque, havia espaço até mesmo para um quinhentista, como o foi o ótimo José Albano. Convém muito mais, em vez do lugar-nenhum que é o Pré-Modernismo, o termo pensado por Tasso da Silveira (filho do simbolista Silveira Neto): ocorria, pois, um sincretismo de Simbolismo, Neo-Parnasianismo, Pós-Romantismo, enfim, na Literatura Brasileira daquela época.
            O fato de que o auge do Simbolismo brasileiro se dá a partir de 1911 baseia-se pela grandiosidade da obra dos autores que publicaram nessa época, não por grife que os seus nomes podem sugerir. Excluindo-se os três gigantes (Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens e Emiliano Perneta), restam-nos, como se pouco fosse, Augusto dos Anjos (Eu, 1912), Pedro Kilkerry (1885-1917, com publicações esparsas), Eduardo Guimaraens (A Divina Quimera, 1916), Hermes Fontes (de 1908 a 1930 produziu simbolismo da melhor qualidade), Gilka Machado (só o seu Meu Glorioso Pecado, de 1928, bastaria para eternizá-la), Duque-Costa (1894-1977, publicando principalmente na Fon-Fon), Raul de Leoni (Luz Mediterrânea, 1922), Onestaldo de Pennafort (seus Escombros Floridos, datam de 1921), Dario Vellozo (Cinerário, 1929), entre tantos outros podem ser citados.
            Jogar lume à poesia de alguns desses autores, muitos dos quais, não obstante a importância de suas poéticas, não obtiveram re-edições de suas obras, e ao Simbolismo como um movimento muito maior do que convencionou-se no Brasil – mesmo porque influiu nos rumos definitivos da literatura brasileira, inclusive nos contemporâneos -, é o objetivo dessa série de ensaios. Focar, em primeira vista, somente no que alguns chamariam de “pormenores” tem um motivo evidente: mostrar que esses não são pormenores do Simbolismo,  mas poetas com obras próprias, não raramente grandiosas. Essa ênfase, porém, não é proibitiva: em alguns textos que englobam o mais do movimento simbolista, Cruz e Sousa, Alphonsus e Emiliano Perneta, como seria natural, tiveram os seus textos transcritos; mas em ensaios dedicados a um autor somente, o foco foi outro, como já explicado. Todos eles, originalmente, foram publicados na revista Mallarmargens de Poesia e Arte Contemporânea, sofrendo, nesta obra, algumas modificações e acréscimos para que a publicação fique à maneira de um livro. Alguns deles têm como objetivo principal não a perscrutação profunda sobre o autor tratado, mas a introdução à sua obra, que é o que há de maior valor e é exatamente o que está esquecido.

Apesar da fonte inestimável do Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, entre outras antologias e análises críticas (de Manuel Bandeira, Massaud Moisés, Péricles Eugênio da Silva Ramos até as mais atuais, como a de Cassiana Lacerda Carollo), ainda há muito o trazer à tona sobre os simbolistas brasileiros, principalmente em uma obra que, não sendo uma antologia e nem um livro acadêmico, consiga focar, ainda assim, na poesia do estilo – que é o que importa e o que há de sobreviver."

Abraços,
Caio Cardoso Tardelli