quinta-feira, 21 de março de 2013

21/03: O Dia Mundial da Poesia - A incógnita sobre o Gênero é Antiga

Caros leitores do Sacrário das Plangências, hoje, 21 de Março, comemora-se o Dia Mundial da Poesia (curiosamente uma semana depois de se comemorar, aqui no Brasil, o dia Nacional da Poesia, que coincide com a data de nascimento do maior expoente da terceira geração Romântica - Castro Alves). Há várias discussões que eu poderia traçar acerca da forma-poética, mas, para tal caso, tenho já uma postagem (clique aqui ler o post "A Poesia como Ciência: Eis que surge o medo para a sua leitura?"), na qual analiso se a perspectiva de "ciência" - sobrevivente do Parnasianismo - que é dada à poesia não a prejudica nos primeiros contatos com os leitores (lembrando que, apesar do poeta que optar por formas como soneto, odes métricas, etc, o método é particular e singelo em cada artista - sendo volúvel, variável. Dar a característica de método - qual uma ciência - à poesia é dar a ela o seu fim qual uma feição humana). O que pretendo, acima de tudo, é analisar o além-da-forma, que é o que envolve a poesia, como o sentimento geral de uma sociedade perante o sentimento poético. Aliás, recomendo-lhes a leitura desse tópico de 2011, para o seguinte texto ficar ainda mais condizente.

Tem-se claramente, não obstante a clara importância do gênero e do termo poesia (ora, não é superior, visto desde a estética clássica, tudo que é poético?), vivemos em uma sociedade cujos objetivos culturais, sentimentais e espirituais ficam muito aquém do que os almejados pela poesia ao longo do tempo. Apesar da nossa percepção ser de que o frenesi do contemporâneo colocou o humano no limite do desdém ao fantasismo, às atividades que necessitam de tempo, divagação e introspecção, esse tato temporal soa-me falacioso.
Vejamos, em um exemplo, um texto de Cruz  e Sousa, uma prosa poética presente em Evocações (1898), portanto, publicada em um tempo de cientificismo, determinismo, e de valorização quase doentia dos "homens de sciencia" - glória que desaguou em movimentos literários, como, por exemplo, no Naturalismo, cujas palpitações maiores estavam impregnadas de Darwinismos, cinismos raciais, deterministas, quase soando como uma compilação de teses científicas - não como literatura.

MELANCOLIA - CRUZ E SOUSA

Em "Evocações"

"Falo ainda e sempre a ti, banco Lusbel das espirituais clarividências! A ti, cuja ironia é ferro e é fogo! Cuja eloquência grave e vasta faz lembrar, como a de Bossuet, longas alamedas de verdes e frondejantes, altos plátanos chorosos. A ti, que amargurado deploras toda esta decadência dos seres; a ti, que te voltas desolado e saudoso para os tempos augustos que se foram, quando a Honra vã de hoje, era, como um poderoso e altivo brasão de águas negras atravessando de uma espada no centro!

Sim! branco Lusbel, nós caminhamos para o irreparável empedernimento; desde o solo até os astros, homens e cousas, tudo vai quedar de pedra. Será um sono universal de uma universal de uma universal esfinge. Tudo, na pedra, dormirá um sono de pedra. A pedra respirará pedra. A pedra sentirá pedra. A pedra almejará pedra. E esta tremenda aspiração de pedra profundamente simbolizará os sentimentos de pedra dos homens de hoje. E, então, branco e iluminado Lusbel, mais claro do que nunca, verás que os olhos dos homens só luzem diante do dinheiro! Que pelo Amor nenhum se sente com ânimo de brandir um facho, de agitar um gladio ou desfraldar uma bandeira! Que pelo Sacrifício nenhum se arrojará nos Nirvanas transcendentes, porque dói muito abandonar o Conforto! Que pela Abnegação nenhum se colocará na vanguarda, porque custa muito aniquilar o Interesse.

Bem sei que tu, ainda com uns restos de clemência, não sei se diabólica, não sei se divina, acharás paradoxal esta intuitiva profecia; mas, para te fazer apagar de uma vez as últimas claridades de crença inexperiente que ainda conservas na alma, vou ministrar-te um rápido e curioso exemplo - síntese preciosa de que o Sentimento está metalizado em ouro, de que a alma anda em cheques universais, no câmbio feroz do egoísmo humano:

- Meu filho, ouvi perguntar um dia a uma criança de sete para oito anos que chegara desse rude e corrupto mundo europeu a tentar fortuna nestas novas terras azuis; - meu filho, você, com certeza, deixou lá fora família, sua mãe, seu pai, não?!

- Deixei - respondeu ele.

- E não tem vontade de voltar, não tem saudades deles?

- Eu! saudades, replicou a inocente criança de sete para oito anos; eu não vim cá para ter saudades, vim para ganhar dinheiro!

- Aí tens tu, branco e iluminado Lusbel, a boca dessa esquisita criança, na qual deveria desabrochar a flor tépida de um afeto cândido, instintivamente gangrenada já por tamanhas abjeções de palavras duras!

Nesse ingênuo bandidosinho aí tens tu a imagem simbólica, a mais que exata medida da alma humana universal que tu desoladamente observas com tão desesperada melancolia, cuja psicologia secreta tu penetras tanto nos requintes de toda a tua inquieta Indignação!"

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Cruz e Sousa, segundo Nestor Vítor, não via como poetas aqueles que não encaravam a Arte como uma "profissão de fé", que não "fossem como monges que se retirassem em uma ermida a cada vez que fossem escrever". Esse grande culto ao abandono do materialismo que Cruz e Sousa tanto prezava no "ser que é ser", aos olhos de um poeta contemporâneo, pode parecer como um exagero, mas não um absurdo, já que a Arte que é feita por um artista de ofício é feita por alguém que dedica todo o seu tempo a ela. Mas mesmo àquela época as exigências de Cruz e Sousa soavam sonhadoras "para uma república que se formava", dignas de quem "queria fugir dos deveres cívicos" - ao contrário do símbolo da Poesia Nacional - Olavo Bilac, que avivava as discussões acerca do obrigatório Alistamento no Exército e da defesa à República.  

De certa forma, toda essa percepção de frieza do mundo diagnosticada pelo Poeta Negro (percepção que, diga-se, discorre-se com muito fervor tanto em Evocações quanto em Faróis Últimos Sonetos) é uma consequência da vida que Cruz e Sousa experimentava, pois, sendo negro, nos derradeiros anos do Século XIX, em um país cuja escravatura fora abolida em Lei, mas não na mente do povo, é natural que o que o poeta visse fosse terrível.

E, até hoje, ora, não se discute até onde vai a função cívica da Arte e do Artista? O artista deve se privar em prol do social e até mesmo de um governo? Ou praticar uma "torre-de-marfim", acima dos outros humanos, em plena observação do que ocorre, mas não colocando a mão no que não o convém - pois o que está em seu caminho bom é somente a Arte da alma?

Outro poeta, que teve a sua produção poética um pouco posterior à de Cruz e Sousa, o carioca Raul de Leoni (1895-1926) já reclamava do ritmo moderno e declarava como danosa a consequência desse mundo sobre a Arte:

"Futurismos, dadaísmos, traísmos, simultaneísmos, cubismos, etc, etc, etc, não são afinal mais do que sinais vagos, parciais, turvos, imprecisos, confusos, inquietos, ansiados, delirantes, pitorescos, talvez ridículos, mas extremamente expressivos todos, de uma só e mesma coisa, perfeitamente legítima, que é essa formidável agitação do espírito contemporâneo." (em Luz Mediterrânea, Raul de Leoni. Topbooks; 2000)

Lembro que "formidável", no sentido da época, significa colossal, que inspira grande temor, pavoroso (e daí que deságua o formidando tão comum ao Simbolismo). O grande fato é que, assim como hoje, o ritmo das cidades começou a atrair, de forma inexorável, um mundo de "ismos", mas que se foram perdendo em um mesmo movimento - já que provém da mesma fonte de inspiração todos, indefinidamente -, sendo a Arte, no caso - a Poesia - uma simples, quase rústica e brumosa "Poesia Contemporânea".

Diante do movimento de 22 - que foi a vanguarda anti-vanguarda, o juntar para desunir, como definiu Mário Chamie - e das consequências já sabidas, as mesmas dúvidas perduram. O que limita, afinal, o desenvolvimento pleno da poesia contemporânea - como grupo, como arte respeitada, como estética respeitada? A sociedade de cidade, da cultura de massa, negando os "artistas de fé", por conseguinte? Ou um excesso de materialismo - já que todo o movimento vem de uma mesma fonte locacional e temporal?

É uma discussão a ser lembrada não somente no dia mundial da Poesia, mas em todo debate acerca da Arte Poética, principalmente em tempos em que a prosa - não necessariamente de qualidade - é definitivamente o gênero predileto de grande parte dos leitores, mas que, ao mesmo tempo, vê a Poesia ganhar espaço em grandes editoras e em editoras médias, mas de ótimo alcance ao público - interessado, no final das contas, na arte, nos versos e em sua importância representativa no viver.

Que tenham todos uma boa leitura de poesia hoje e nos vindouros dias. E dia da poesia é todo dia em que o coração nos chama.

Abraços,
Cardoso Tardelli

terça-feira, 5 de março de 2013

Sugestões de Leitura - Parte X

Caros leitores do Sacrário das Plangências, dando continuidade às postagens tradicionais deste blog, realizo a parte décima das sugestões de leitura, abrindo espaço para um poeta brasileiro contemporâneo, para um clássico da literatura mundial e para um livro de história que cinge os temas trabalhados neste espaço.

ALEXEI BUENO - Poesia Reunida . Editora Nova Fronteira, 1ª Edição: Rio de Janeiro, 2003. 448 páginas.


Alexei Bueno, poeta de valorizada carreira e numerosos prêmios, se destaca entre o meio poético contemporâneo por ter, em sua poesia, características clássicas, musicais e, principalmente, uma influência notável dos Simbolistas e de poetas como Cesário Verde e Augusto dos Anjos. Dir-se-ia um polemista, quando a referência é o poeta perante uma sociedade cheia de hipocrisias e conservadorismos vãos; quando a referência é o poeta perante a arte, antes de mais nada temos um cultor da arte, um tradutor de Edgar Allan Poe a Gérard Nerval. A obra, que acompanha cronologicamente a evolução da poética de Alexei, tem uma qualidade raramente vista nos livros do gênero, hoje em dia. Variando também entre um estilo estético mais sóbrio e formais mais livres, Alexei soa superior aos que chegam aos nossos ouvidos em quase todos os momentos da obra.



EDGAR ALLAN POE - Poemas e Ensaios: Tradução: Oscar Mendes e Milton Amado. Série Clássicos Globo; Editora Globo: Rio de Janeiro, 2009. 350 páginas.


Pouco há de se acrescentar a uma sugestão de um livro de Edgar Allan Poe a não ser fatos importantes como, por exemplo, que a tradução é de boa qualidade, mantendo os textos fidelíssimos, e que o posfácio, de Charles Baudelaire, configura-se em um dos textos mais importantes para a contemporânea literatura ocidental, já que, após o poeta de "As Flores do Mal", condicionado juntamente com as revoluções feitas pelo Impressionismo,  todo o rumo da Arte foi mudado para uma representação do mundo como ele não é, ou como um fugidio momento do que ele foi, dando às palavras um poder de relembramento, evocação  e correspondência ao que mesmo a mente pode supor imperceptível. Não à toa, a tese das correspondências de Poe e de Baudelaire são congruentes, dando ao poeta a função da percepção entre as correspondências que existem entre a terra e o céu, o abismo e o mundo. Um livro essencial para quem quer uma obra de alta qualidade editorial com textos esmerados, por um preço surpreendentemente baixo.

JEAN-YVES MOLLIER - A Leitura e seu Público no Mundo Contemporâneo: Ensaios sobre a História Cultural. Autêntica Editorial: 1ª Edição, São Paulo, 2008. 208 páginas. 


O fenômeno da leitura, sempre em constante transfiguração (veja pelos tempos mais recentes), passou, no período pós Revoluções Industrial e Francesa por uma grande modificação em sua história. Com a ascensão da burguesia - mais rica, porém menos interessada em cultura, ou, ao menos, na profundíssima cultura -, a cultura de massa, os romances-folhetins, os dicionários, tudo isso foi circundando o povo letrado, ansioso por cultura, por heróis que lhe dessem uma fantasia que cingisse a tamanha transição pela qual passava a Europa. O livro de Jean-Yves Mollier trata exatamente sobre essas várias transfigurações da leitura e de seu público, dando, certamente, uma ênfase ao grande baque que foi a vulgarização da leitura por meio dos jornais, fazendo com que escritores declarassem que o "livro era, àquele momento, um moribundo" (frase de Machado de Assis), afinal, não se necessitava mais do que de um jornal para se chegar ao leitor - foco de qualquer escritor. Certamente, um livro que agradará aos curiosos pelo assunto - e que, inclusive, nutrirá simpatia dos que têm certeza que livros digitais, entre outras formas - tal qual fora o jornal no Século XIX -, não será o fim do livro impresso.

Boa leitura!

Abraços,
Cardoso Tardelli