quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um Retrato dos Estudantes Paulistanos na Época do Romantismo

Esta postagem não tem como intenção ser longa e criar uma tese, pois se baseará em análises já feitas, Sonetos e fotos de época. É uma postagem para curiosidade daqueles que se interessam pela metade do Século XIX no Brasil, no caso, em São Paulo.

Comecemos com um Soneto de tom irônico, jocoso, de um quintanista da Academia de Direito de São Paulo, chamado João de Azevedo Carneiro Maia, escrito em 1843:

"Raro aborto de horrenda catadura!
Magriço, macambúzio e derengado,
Olhar sombrio, rosto descarnado,
Nojento corpo, exótica figura.

Enchafurdado em larga vestidura,
Longo jaleco sujo, entabacado,
Farfalhudo casaco esverdinhado
C'oa enorme gola podre de gordura.

Tremendo beque em jorros destilando
O vil fermento de fétido esturro,
E o porco mel à boca escorregando.

Aí tens Burromeu, esse casmurro,
Filosofando só, só ruminando
Em Kant, em Jouffroy, mas sempre burro".


Como foi notado em Arcadas - Largo de São Francisco (Melhoramentos/Alternativa), escrito por Ana Luiza Martins e Heloísa Barbuy (que será usado neste post junto com o célebre Formação Histórica de São Paulo, de Richard Morse) os nomes de Kant e Jouffroy dão a noção de como a Filosofia Moderna estava palpitando nos cérebros dos estudantes das arcadas, contudo, sem surtir menor efeito para um crescimento da intelectualidade dos estudantes.

Se formos pegar fotos contemporâneas aos desse Soneto e fotos até o início da década de 1870 - quando iniciou-se o relativo glamour dos estudantes influenciados pelo estilo Dândi (não necessariamente nobre, contudo, elegante e extremamente culto) -, a vestimenta dos estudantes era realmente como demarcada no soneto (mesmo que esse seja irônico).

Como sabemos pelas cartas de Castro Alves e de Álvares de Azevedo, mesmo sendo os dois não contemporâneos de São Francisco, São Paulo era cidade brumosa e obscura, dando a sensação de ser uma cidade fria, principalmente em períodos noturnos.
Não obstante, tendo os estudantes aulas em épocas quentes, o traje tipicamente Europeu não condizia com a realidade Brasileira.

Toda imagem dos estudantes era de ostentação. Inclusive a questão que o Soneto citou sobre os
Filósofos deixa clara essas coisas. Tudo que os estudantes paulistanos faziam eram à lá Europeus,
contudo, era uma tentativa falaz, pois além de continuarem burros e ostentarem inteligência, ostentavam trajes da Europa esquecendo que o clima daqui não condizia com tais roupas.
A foto ao lado é de Fagundes Varela, poeta Romântico que nunca terminou a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, datada de 1863 e demonstra as vestimentas da época.

Infelizmente, o clima de ostentação pelos pedantes continua nas Universidades de Humanas até hoje. Somente os filósofos que foram trocados, contudo, apóio o nome "Burromeu" para grande parte dos alunos das ostentações, birras e farrapos.

Abraços, Cardoso Tardelli

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Justiça Histórica II - Cruz e Sousa e o Dia da Consciência Negra

Esquecer é andar entre destroços

Que além se multiplicam...

Sem reparar na lividez dos ossos

Nem nas cinzas que ficam...


Cruz e Sousa - Esquecimento



Esta postagem não tem como função discutir a real amplitude que o feriado do dia 20 de Novembro atinge no significado de sua comemoração - Dia da Consciência Negra -, mas tem o objetivo de apontar uma falha imperdoável dentre as considerações aos grandes mestres da nossa literatura que eram negros.

Com a aproximação do dia 20 de Novembro, vemos movimentações em escolas, universidades - algumas delas reportadas em jornais e programas televisionados - celebrando os grandes negros de nossa nação. Dois mulatos de suma importância para a nossa Literatura são redundantemente citados, com a razão do laurel: Machado de Assis e Mário de Andrade. Porém, não há sequer uma citação ao poeta Simbolista Cruz e Sousa, que, filho de escravos e de sangue sem mistura, sofreu em um Brasil em processo de abolição da escravidão (anterior aos lançamentos de Missal e Broqueis, que datam de 1893) e em um país, quando a escravatura já havia sido abolida, cuja mentalidade era totalmente escravocrata, ao mesmo tempo que sua obra ganhava o contorno mais maduro.


A inquestionável posição que Machado de Assis tomou na Literatura de Prosa brasileira dá a ele uma coroa no dia 20 de Novembro, numa palavra exata, injusta. Machado e Cruz e Sousa viviam situações diferentes em relação à Crítica às suas obras, consequente valorização popular e maior respeito - leia-se com atenção, maior, não total -, com o fato de ambos serem descendentes de negros.


Segundo Luiz Felipe d'Avila, em seu livro Os Virtuosos - Os estadistas que fundaram a República Brasileira (Ed. A Girafa, 2006), no ano de 1869, Machado de Assis tinha um emprego público estável - de onde tirava sua renda - e já era um conhecido escritor das terras cariocas, mesmo que sua grande obra não houvesse sido criada ainda. Neste mesmo ano, casou-se com a irmã do poeta português Faustino Xavier de Novaes: Carolina. O fato de Machado ser mulato causou desaprovação da família de Carolina e Faustino, que por sua parte, aprovava a união dos dois.

O período do casamento entre Assis e Carolina foi o período cujas obras clássicas foram compostas.
Mesmo Memórias Póstumas de Brás Cubas (lançado em 1881) não obteve uma grande resposta dos críticos, pois conseguia, ao mesmo tempo, quebrar com a estética Romântica e com a Naturalista. Realçar-se-á que o estilo de Machado, finalmente classificado de Realista, foi defendido por Cruz e Sousa em 1882 na publicação Tribuna Popular, quando este tinha 21 anos e Machado 43 anos.

Na época da fundação da Academia Brasileira de Letras, no ano de 1897, cujos principais nomes fundadores, como sabemos, eram Machado de Assis, o crítico e escritor José Veríssimo, o estadista Joaquim Nabuco e o poeta Parnasiano Olavo Bilac, entre vários outros importantes acadêmicos, o nome de Cruz e Sousa sequer foi cogitado para pertencer a tal instituição (Ivone Daré Rabello; Um Canto à Margem - Uma Leitura da Poética de Cruz e Sousa; Edusp, 2006).
Tendo em vista que o Simbolismo já era um movimento formado no Brasil, e o nome de Cruz e Sousa fosse, inegavelmente, o mais representativo do estilo, apesar das vorazes opiniões dos críticos, a ausência do poeta do Desterro pode ser analisada de algumas formas.

Alguns dos Acadêmicos que fundaram a ABL faziam parte da Crítica à poética Cruziana, como José Veríssimo e Araripe Junior (este, porém, reconhecia a qualidade na poesia da Cruz e Sousa, mas deixando claro que ele não negava a África de seus ascendentes, dada às imagens que dava em suas linhas de prosa poética em Missal, chamando-o de um "impressionado" com a civilização). Além do mais, a presença de Olavo Bilac, um Parnasiano, como um dos representantes maiores da ABL pode explicar a falta da cogitação do nome de Cruz e Sousa a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (não nos esqueçamos que o Simbolismo - também conhecido como o "Grupo dos Novos" - travava uma batalha contra o Parnasianismo, mesmo que esteticamente trouxesse algumas características dos Parnasianos).

Mas alguns nomes que não se podem excluir, evidentemente, são o de Joaquim Nabuco, conhecido pela sua luta pela abolição (luta que Cruz e Sousa participou durante a década de 1880, viajando por vários lugares do Brasil em defesa do fim da Escravidão) e do próprio Machado de Assis. Qual terá sido o motivo, afinal, de um estadista que defendeu a abolição e de um escritor mulato que não participava do conflito Simbolista/Parnasiano para não cogitarem o nome de Cruz e Sousa, que naquela altura já tinha seu nome conhecido por todos, mesmo que as suas grandes obras ainda não houvessem sido lançadas? A saber, Evocações, Faróis e Últimos Sonetos foram lançadas todas post-morten, em 1898, 1900 e 1905, respectivamente.

Claramente, a poesia Cruziana era desdenhada, independentemente da evidência de sua qualidade, entre os defensores dos negros e entre os próprios negros. O Simbolismo, mesmo sendo difícil classificar Cruz e Sousa somente como um poeta Simbolista, era um estilo que não condizia com as tentativas de forçar uma ideia de República Brasileira Forte, função que a ABL também teve em seu início (d'Ávila, Os Virtuosos - Os estadistas que fundaram a República Brasileira). Os nomes que ocupariam as cadeiras da ABL, inicialmente, não vinham por méritos Literários somente, mas por questões políticas também, então pouco importava a nomeação de Cruz e Sousa, um poeta perscrutador das dores humanas, naquele momento.

Quanto a Mário de Andrade, citado no início deste post, há uma relação da poesia dele com a poesia de Cruz e Sousa que não podemos esquecer, pois a glória é dada toda ao poeta de Pauliceia Desvairada injustamente. Como bem notou Ivan Teixeira no Prefácio de Missal/Broqueis, da Editora Martins Fontes, a questão do Verso Harmônico, cuja esquematização é creditada a Andrade, já era evidente em Broqueis. De Cruz e Sousa era tamanha a musicalidade dentro das estrofes, não apegada aos verbos e substantivos, não somente nas rimas ao final do verso, que já é claro a Ivan Teixeira que o poeta do Desterro esquematizou no ofício de sua poesia o Verso Harmônico, muitos anos antes de Mário de Andrade, que no seu "Prefácio Interessantíssimo" dizia que os antigos faziam a musicalidade interna inconscientemente, sem o Método que ele estava declarando ser seu no Prefácio citado. Um aprofundamento neste tema necessita de outra postagem, pois ele, por si somente, já termina em uma discussão longa, o que tornaria este post muito maior.

Cruz e Sousa é um dos gênios negros que tivemos, porém não goza de quase nenhum prestígio dos que reivindicam a Memória aos negros do Brasil. Negros estes que lutaram contra as ordens sociais, econômicas e literárias para mostrar sua obra antes de mostrar sua pele. E os que são colocados em pedestais dourados, inquebráveis, não sofreram metade do que o poeta do Desterro teve como provação. O Esquecimento do Poeta Cruz e Sousa, tal como de sua poesia pelos que defendem a conscientização da importância dos negros para a formação intelectual e política do Brasil, soa-me como uma absência de conhecimento do próprio passado histórico e literário brasileiro, não somente o negro, e uma letargia para conhecê-lo. A reivindicação é justa, mas excluir Cruz e Sousa é simplesmente inaceitável. Manuel Bandeira escreveu em sua Apresentação da Poesia Brasileira (1946), em relação a Cruz e Sousa: "(...) Não há nesta (literatura brasileira) gritos mais dilacerantes, suspiros mais profundos que os seus". Sem mais.

Abraços, Cardoso Tardelli

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Negra Sina - Cardoso Tardelli

Caros leitores do Sacrário das Plangências, posto-lhes um poema presente na Poética das Quimeras (Selo FuturarteEd. Multifoco, 2012). 

A obra está disponível na Livraria Cultura (clique aqui para o link) e no site da editora (clique aqui para o link).  Há agora também o e-book da Poética das Quimeras (clique aqui para comprá-lo na Amazon.)


NEGRA SINA - Cardoso Tardelli

Vejo-te. Teus olhos encantam-me como
Um voar divino de um arcanjo;
Vejo-te e não tardo, delirante e
De joelhos, a dizer: - Anjo! Anjo!

Os risos que dou são somente por ti;
Meu peito sem ti – não vibra, nem canta;
E cantando, fitando os teus olhos,
Não tardo a entoar: - Santa! Santa!

É tanta tristeza que meu espírito
Chora desolado e ainda vela;
Mas te vejo e a fúnebre cantoria
Se encerra – e sorrindo, digo: - Bela! Bela!

Vejo-te. Não tardo a esquecer da
Minha triste cisma pela sepultura;
Vejo-te e minha alma somente
Vê puros sonhos – então digo: - Pura! Pura!

Mas a desolação não tardará!... Se a
Sina que ao meu martirizado peito corta
Mostrar a pálida face – eu bem sei -
Chorando bradarei: - Morta! Morta!...

Abraços, Cardoso Tardelli

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma Análise do Prefácio de "As Primaveras", de Casimiro de Abreu

Neste post tentarei fazer algo para além do que normalmente faço aqui. A análise de um prefácio de um livro como As Primaveras do poeta Casimiro de Abreu requer cuidado com livros da análise da Poesia Brasileira e conhecimento da biografia do autor.

Como, evidentemente, a obra faz parte já do Domínio Público, dou-lhes o link em PDF da obra completa, incluindo o prefácio que aqui será estudado. Porém, fica a sugestão da compra do livro pela edição da Martins Fontes - que mesmo tendo um preço maior - é a melhor edição disponível, incluindo análises preludiares, fotos do autor e de lugares de sua vida.
Segue o link: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=2173&co_midia=2

Casimiro de Abreu é conhecido por muitos pelo célebre "Meus Oito Anos", de fácil leitura pela linguagem que parecia espelhar a época representada na poesia e também pela musicalidade característica de sua poética. Porém, o desdém pela métrica a favor da musicalidade e a simplicidade de temas e vocabulário fez que gerações posteriores o colocassem como um poeta de baixa qualidade, mesmo tendo grande popularidade.
De Parnasianos a respeitados especialistas em Literatura, muitos o classificavam como o poeta do po
vo ou de quem "não exigia muito da literatura" (Alfredo Bosi, em seu História Concisa da Literatura Brasileira fez tal classificação).

E é dentro dessa classificação de desqualificação acadêmica e literata de Casimiro de Abreu, faço uma análise do Prefácio do único livro do autor, cujo objetivo é buscar nas palavras do poeta uma resposta para essas críticas, seja biográfica ou num futuro ceifado pela morte prematura de Casimiro (21 anos).

Abreu já começa seu Prefácio citando a cidade de Nova Friburgo, onde realizou seus estudos primários no Instituto Freeze, dos onze aos treze anos. Citando que ali, longe de seus companheiros de estudo e, depois de uma descrição belíssima sobre o crepúsculo da cidade, cita a criação de seu primeiro poema, de nome Às Ave-Marias, inspirado na Saudade, principalmente de sua irmã, figura, tal como sua mãe, muito representativa em sua Poética.
Logo cita sua estadia em Portugal, época que escreveu muito, inclusive "Meus Oito Anos", e teve contato com a cena literária de lá. Sobre isso, disse: "(...) era um entusiasta então e escrevia muito, porque me embalava à sombra de uma esperança que nunca pude ver realizada. (...)".

Depois de relatado o fato da destruição, por ele mesmo, de grande parte de suas originais poesias em Portugal escritas, e depois de reiterar a imagem da Virgem, comum aos Românticos, e dar sua explicação a isso, escreve dois parágrafos essenciais a esse tópico. A questão da Contradição ou de ser "Rico ou Pobre" os cantos.
Segundo Casimiro de Abreu, "(As Primaveras) fez-se por si, naturalmente, sem esforço (...)" e que ele entregava aquele livro "(...) sem receios e sem pretensões". Logo após tal parágrafo, emenda dois que têm tom altamente resignados e com conotação biográfica.

Sem cortar uma palavra, aqui vão os dois parágrafos que lhes disse:

"Todos aí acharão cantigas de criança, trovas de mancebo, e raríssimos lampejos de reflexão e de estudo: é o coração que se espraia sobre o eterno tema do amor e que soletra o seu poema misterioso ao luar melancólico das nossas noites.
Meu Deus! Que se há de escrever aos vinte anos, quando a alma conserva ainda um pouco da crença e da virgindade do berço? Eu creio que sempre há tempo de sermos homem sério, e de preferirmos uma moeda de cobre a uma página de Lamartine".

Nos trechos citados, vê-se claramente que Casimiro pouco se importava com a comoção pública que o seu livro iria causar, por isso, o publicou sem pretensão alguma (alguns autores fazem questão de colocar em seus prefácios que há pretensões grandes, como, por exemplo, Frederico Garcia Lorca, em sua primeira publicação, "Livro de Poemas", lançado em 1921). E faz questão de dizer que cantava o Amor, independentemente se moldado em "cantigas de criança, trovas de mancebo" ou "lampejos de reflexão e de estudo". De fato, a poesia de Casimiro de Abreu, dentre os as poéticas da Segunda Geração, é uma das que tem menor conotação trágica (apesar de tê-la ainda em alguns cantos) e de ter muita inspiração em Candura, pura e simplesmente.

O grifo em "homem sério" foi feito pelo próprio autor, e deixa clara a sua dúvida perante o porvir. Sabe-se que seu pai, que recusava as investidas literárias do filho, colocou-o para trabalhar no comércio, e diante da obra que Abreu nos apresentava, ele não se sentia um homem que preferia uma "moeda de cobre" a "uma página de Lamartine", poeta francês que influenciou grandes nomes do Romantismo. Vem a lume, então, a insatisfação de Casimiro diante da obrigatoriedade do trabalho que o pai lhe fez cumprir, tendo em vista que, naquela época, aos vinte anos muitos já eram considerados "homens sérios".

No consequente parágrafo, Abreu discorre sobre a evidente ingenuidade de sua obra, talvez como um broquel a algumas possíveis críticas, mesmo que já tivesse dito que publicava tais coisas sem pretensão. Dizendo que "(...) tudo isso são ensaios, a mocidade palpita (...), concluindo, com a imagem de um instrumento relativamente desafinado, que somente poderia ter o tom corrigido com "a madureza da idade e o trato dos mestres (...)".

Evidentemente o próprio autor sabia que, diante do próprio movimento a que pertencia, a sua linguagem e os seus temas eram tratados de maneira muito mais simples e ingênuas. Porém, em sua própria poesia havia trechos de revolta contra os tirados "lauréis de estudo" ("Última Folha", em O Livro Negro), que, consequentemente, fazia dele um Poeta entre a obrigação familiar e o florescente engenho poético que deveria ser desenvolvido sozinho, mesmo que Abreu tivesse contato com alguns nomes da cena literária Carioca. Isso não impediu que Casimiro de Abreu tivesse uma cultura e uma base Erudita para escrever suas poesias, sendo influência para gerações posteriores de Românticos. Ele próprio esperava desenvolver a sua poesia melhor, porém com sua morte, restou apenas o pequeno volume de As Primaveras e uma peça, que mesmo encenada em Portugal, caiu em esquecimento (Carolina).

Criticá-lo pela simplicidade e dar a glória aos Modernistas, como Bosi faz, é de uma contradição que somente traz a ideia do desgosto do crítico ao Romantismo Brasileiro, cujo "único autor que merece atenção" é Álvares de Azevedo. Os Parnasianos baseavam-se também na simplicidade e no desdém da métrica, regras às quais Casimiro sempre esteve fiel - pelo bem do conteúdo - o que poderia ser considerado uma infidelidade à poesia dentro do que defendiam os poetas da "Forma" e da "Arte pela Arte", porém amplamente injusto considerando o conteúdo de poemas e a popularidade que a obra teve no Século XIX; popularidade esta, aliás que, apesar da derrocada da Poesia para a Prosa de má qualidade no Século XX e XXI, mantém-se num nível bom entre os apreciadores de boa poesia.

Abraços, Cardoso Tardelli

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A Independência do Brasil e a Segunda Geração Romântica

Não há momento mais oportuno para publicar tal postagem do que este que vivemos. Além de ser um ano de Eleição - mesmo eu, pessoalmente, sendo portador da alergia moral à política -, estamos a um dia da data na qual o Brasil tornou-se independente.

Não ficarei contando ou desfolhando histórias sobre a Independência brasileira. Isso para mim pouco importa. Se o farei, será durante a postagem - cujo tema soa curioso aos que da Didática Clássica não fogem: A Segunda Geração do Romantismo Brasileiro e a Independência.

Como já em outros posts defendi, discordo da simplificação, até mesmo didática, de chamar a Segunda Geração de Byroniana. Por mais influência do bardo Inglês - que é evidente - soa extremamente limítrofe a definição de tal geração como Byroniana, pois a dar tal denominação, não esconde que a trilha que a Geração percorreu em seus versos foi moldada pelo Poeta Inglês, mas houve singularidades tamanhas, tal como influências, que parece-me difícil dizer isso.

Enfim, sabe-se que na época em que os Românticos escreviam (época em torno de 1845 a 1870), independentemente da geração, havia dentro dos círculos acadêmicos, cultos e políticos uma tentativa de firmar e afirmar a Nação Brasileira. Muitos dão o crédito de tais tentativas à Primeira Geração, e seu indianismo - mesmo que o maior poeta de tal geração, Gonçalves Dias, não se limitasse a essa temática -, porém uma leitura atenta da Segunda Geração nos dá uma grande noção da preocupação de certos autores com tal temática.

Em As Primaveras, único livro de Casimiro de Abreu, mais conhecido pelos primeiros versos de "Meus Oito Anos", vê-se referências, não somente quando ele estava em Portugal e com saudades de sua terra, o que o fez fazer uma "Canção do Exílio" (inclusive com semelhanças de imagens e símbolos da célebre de Gonçalves Dias, como o Sabiá), ao dia da Independência Brasileira.

No Livro Primeiro, ainda em Lisboa, escreveu em "Minha Terra" uma estrofe sobre o tema:

"(...)

Foi ali, no Ipiranga,
Que com toda a majestade
Rompeu de lábios augustos
O brado da liberdade;
Aquela voz soberana
Voou na plaga indiana
Desde o palácio à choupana,
Desde a floresta à cidade!"

Ainda no Livro Primeiro, mas já em "Brasilianas" - poesias escritas no Brasil -, escreveu um poema em dois cantos - cujo nome é "Sete de Setembro", dedicado a D. Pedro II. Não postarei a poesia inteira aqui, mas somente uma estrofe do primeiro canto:

(...)

Lá no Ipiranga do Brasil o Marte
Enrolado nas dobras do estandarte
Erguia o augusto porte;
Cercada a fronte dos lauréis da glória
Soltou tremendo brado da vitória:
- Independência ou morte!

Sabendo-se que o escrito em Lisboa foi feito em 1856, e o Sete de Setembro em 1858, parece-me não uma repetição de tema, mas sim um desenvolvimento necessário para o Autor e para as ânsias que transpareciam na época pelo país.

Casimiro de Abreu é um caso singelo na Segunda Geração - não por cantar a terra - mas pela linguagem simples, saudosa, e musicalidade para além de Quartetos e Sonetos. As suas quebras, inclusive, de estruturas em busca de musicalidade e sua linguagem simples fez que os Parnasianos atacassem seu estilo durante muito tempo. Outro ponto interessante a ser citado em sua poética é a sua relação com o Capitalismo, no poema A Estrada. A crítica social é atribuída toda à Terceira Geração, mas a Segunda Geração não se cegava a pontos críticos da sociedade.

Voltando à questão da Independência e a Geração Segunda Romântica, temos Fagundes Varela. Conhecido pelo poema em versos brancos escrito pelo falecimento de seu filho - O Cântico do Calvário - Varela não se absteve de perambular em várias temáticas, indo desde Platonismo até Panteísmo.

O que nos importa agora é a série de poemas lançados em 1863 - O Estandarte Auriverde. Dentro dos cantos presentes nessa série, há um chamado "A Dom Pedro II". Mesmo não tendo citado claramente o episódio do Ipiranga, como fez Casimiro de Abreu, a figura de Dom Pedro é mostrada para além de um Imperador, mas sim de um libertador. Tal como em "À São Paulo", também dessa série de poemas, a cidade é mostrada como a "Terra da liberdade!/Pátria de heróis e berço de guerreiros (...)", Dom Pedro é mostrado como "(...) o gênio benfazejo e grato" que poupou "as vidas no calor das fráguas (...)".

Fagundes Varela referia-se, muitas vezes, em seus poemas a "brasilianos céus e montes", reforçando a ideia já de um Céu de uma nação Brasileira, assim como seus Montes que somente eram presentes nestas plagas.

Diferentemente da análise parcial de Alfredo Bosi, em seu História Concisa da Literatura Brasileira, que o chamou de "o maior dentre os menores" que saíram das Arcadas do Largo do São Francisco, Varela teve grande importância para a poesia naquela época e foi um dos poucos Românticos da Segunda Geração que, em seus livros, tinha uma variação de temática ampla - e no decorrer de sua carreira literária tal variação, mesmo com certos pontos-comuns, foi continuando.
De contra-ponto ao que Bosi diz, o livro de Ana Luiza Martins e Heloisa Barbuy, Arcadas - Largo de São Francico: História da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Melhoramentos, Alternativa, 1999), dá importância há três essenciais alunos que perambulavam pelas Arcadas da época: Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varela, dando a informação que os três têm uma placa para cada na entrada do reformado convento que era a Faculdade.

Os três grandes nomes de nossa poesia da Segunda Geração, inegavelmente, são Álvares de Azevedo - Maneco, porém, em sua poesia não tocava no assunto. Em sua segunda parte de a Lira dos Vinte Anos, contudo, faz defesa ao Capitalismo da época, indo de encontro ao padrão que se estabelecia na poesia Romântica (Bernardo Ricupero, em seu O Romantismo e a idéia de nação no Brasil, 1830-1870, faz uma pequena análise sobre a questão do Romântismo Brasileiro e Europeu e suas relações com o Capitalismo) -, Casimiro de Abreu e Fagundes Varela. Outros como Junqueira Freire (cuja poética é marcada pelo claustro que viveu no monastério e suas ânsias), José Bonifácio, o Moço (este em sua poesia defendia a abolição da escravidão. É um dos casos de um poeta que caminhou entre as duas últimas gerações do nosso Romantismo. Deu aula, inclusive, a Castro Alves no Largo de São Francisco), mesmo com qualidade inegável, tal como Aureliano Lessa, não tiveram tanta importância Poética para a Geração.

O motivo desta postagem foi, mais uma vez, tentar mostrar que dar o nome de Byronista é, além de errado didáticamente, muito exagerado (as didáticas tem de serem corretas, não exageradas). Além de tudo, ultra-byronizam o próprio Byron - que, mesmo com a presença de mortes, cemitérios e etc, ia para muito além disso. Entrava nas questões políticas da época (não somente Napoleão), e desenvolveu, acima de tudo, a poesia sarcástica de um modo muito interessante em Don Juan, inacabado, porém.

O Romantismo é um estilo vulgarizado, inclusive nos locais acadêmicos. Vulgarizado não por não ser bom - pelo contrário, é essencial para a construção do pensamento contemporâneo -, mas porque a vulgarização é o bálsamo para aqueles que não compreendem a essência.

Abraços, Cardoso Tardelli

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A Nova-Poesia (ou Poesia Contemporânea) - Uma Crítica

Este é um post sem pretensão, porém que visa uma análise séria sobre o que podemos chamar de Nova-Poesia ou Poesia Contemporânea.

No lançamento do livro Ecos da Alma, pela Andross Editora, houve uma palestra discutindo o espaço para novos autores. Alguns falaram que a poesia está vivendo um momento ótimo, fulgente, pois temos lugares como este - os blogs - para divulgarmos o nosso trabalho. Não nego a importante função do meio eletrônico para a auto-divulgação, pois eu mesmo me rendi a ela, mas nem tudo são rosas orvalhadas.

Se procurarmos em qualquer site de busca por blogs de Poesia, vemos centenas, se brincar, milhares. Isso mostra, por um lado muito positivo, um interesse das pessoas para com a Poesia que antes não havia - além do mais, um interesse para com a leitura e a escrita. Por outro lado, abrindo tais blogs, vemos baixa qualidade de vocabulário, de temática e de poética. Não estou dizendo que escrever em vocabulários complexos, com métricas e rimas, somente, fazem uma poesia boa - Fernando Pessoa provou que nem sempre é preciso disso para uma boa poesia -, mas, em muitos casos, falta erudição poética. Qualquer tentativa de escrever, de desabafar sobre determinado momento, é válida e amplamente compreensível, mas inexoravelmente as pessoas julgarão tal texto pobre de conteúdo ou cheio dos tão temidos "lugares-comuns".
Sobre os tais "lugares-comuns", tenho uma opinião: é difícil escrever algo totalmente novo sendo que há 4000 anos os seres humanos utilizam da escrita como um meio de comunicação. E julgar-se totalmente novo soa tenebrosamente pretensioso, como foram os Modernistas - que de novos pouco tinham, mas somente fizeram oposição ao estilo vigente no Brasil, que era o Parnasianismo.

Mas, mesmo que não haja algo totalmente novo, tem de haver erudição, palavras a serem ditas. Talvez esse seja um dos problemas da Poesia Contemporânea - contentar-se com a leitura de um ou outro poeta e dar-se por influenciado em totalidade por eles.

Outro erro, em minha franca opinião, é confundir poesia com letras de música. Para colocar uma letra numa música, tem de haver uma adaptação de palavras, de frases, para que na melodia e no ritmo tais sílabas e métricas caibam exatamente. Por esse motivo, o processo poético fica extremamente prejudicado - muito mais do que ficaria em qualquer métrica trissílaba. Não se pode esquecer, de modo algum, que uma letra de música não pode ser analisada separadamente de sua melodia - pois uma condiz com a outra. E em muitos casos de novos poetas da Nova Geração, vemos que a inspiração deles são letristas de músicas. Quanto a isso - sem problema algum. A grande questão é a limitação poética que os Novos imitam, e sem a melodia para preencher o vazio das palavras ausentes.

Acho extremamente válido, como já disse, escrever e divulgar, ainda mais com a internet como opção para tal. Mas para a Nova Poesia ser valorizada, uma nova postura tem de ser tomada. A partir da hora que há uma maior facilidade de acesso aos clássicos, ao mercado e etc, temos de - não retornar ao passado - mas olhar o porvir com um olhar mais eloquente e questionador do que vemos nessa geração.

Ao meu ver, parece minimamente estranho não ter despontado nenhum grande poeta ou escritor nos últimos anos. E não me digam de Paulo Coelho ou Augusto Cury - exemplo do culto da necessidade de um ombro utópico e amigo que logo desaparece: as auto-ajudas.

O destino dessa nova geração - se ela quer ser levada a sério como eu quero que seja - depende de suas atitudes contra a vulgarização da poesia e da literatura, e da valorização dos que, no presente e no futuro, hão de surgir com as possibilidades que nos são dadas.

Abraços, Cardoso Tardelli

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A Cultura Gótica, a Literatura e as Confusões

Caros leitores do Sacrário das Plangências, este post parece-me extremamente importante, tendo em vista que o termo "Gótico" tornou-se corriqueiro nos dias atuais. Pergunto-me, porém, faz-se justiça ao real sentido do termo "Gótico"?

Em qualquer busca em dicionários, o termo "Gótico" é definido como "Relativo aos Godos", ou "bárbaro". Resumindo-se, e sem muita ênfase em tal parte, o povo Godo, de origem Germânica, foi conhecido por atacar o Império Romano por volta do Século IV, sendo muito conhecido pela crueldade de seus ataques. Daí a derivação "bárbara" do termo "Gótico".

Continuando com a análise, por enquanto, bem longe dos tempos atuais, na Idade Média, têm-se a construção das magníficas catedrais Góticas. Sabe-e que, diante das Românicas, elas eram

extremamente iluminadas e amplas. Mesmo que muitos analisem o sentido do nome "Gótico" em tal contexto como um sentido de fuga da arquitetura regente, ganha-se um significado também de, não somente bárbaro, mas "que traz mais luz", pois isso é que visavam os arquitetos das Góticas Catedrais, tal como moldarem suas torres em altíssimas e esplêndidas formas, para que "mais próximos de Deus" estivessem.

Dadas tais informações, volto-me a mente ao presente, ainda garimpando algumas coisas consideradas da "Cultura Gótica" por muitos que no passado foram escritas. Em jornais, revistas, TVs, enfim, em qualquer veículo de mídia vemos pessoas julgando obras como a saga "Crepúsculo", "Diários do Vampiro", "True Blood" (convenhamos, os livros pouco tem de atrativo comparados à série), entre outras, como a nova geração da Literatura e da Cultura Gótica. E tais veículos de mídia fazem propaganda à castidade de Edward, o vampiro-protagonista de Crepúsculo, como a nova geração de Românticos. Confundiu-se tudo, porém, nessas teorias da mídia.

Como já disse, o termo Gótico tem um sentido ambíguo, pois, inegavelmente, ganhou sentido de taciturno com o passar do tempo. Porém, não deixou de ter o sentido que tinha pelos tempos das Catedrais Góticas. Ao mesmo tempo do enegrecer, há a fulgência.

Quando a Cultura Gótica se tornou uma cultura de massa - já em seus primórdios como grupo-social - começou-se a fazer a confusão de que tudo "obscuro" envolvia o Gótico, e tal "Sociedade sub-urbana", acabou por incorporar autores, pintores, compositores, enfim, para o seu "repertório do movimento", que acabou se tornando grande. Tal osmose pelos góticos só aumentaria com a chegada dos controversos "neo-góticos".
Continuando nesse ponto, nem tudo que tem de temática vampiros, paixões e morte é gótico. Principalmente quando tais temas são tratados de formas simplórias e comerciais como tem sido por tais livros que foram citados aqui anteriormente.

Então vamos dividir em três subtítulos para eu ter a possibilidade de exemplificar o que seria, no meu conceito, e de especialistas que citarei no final o que seria, ou não, uma literatura gótica de fato. Soará estranha essa divisão, mas no final se encaixará perfeitamente:

Literatura Gótica de Amor: Falar de uma literatura gótica sem tratar de amor parece absurdo, e, de fato, é. E não necessariamente precisa-se misturar Morte e Amor, Sadismo e Amor, quando tratamos do Gótico. Mas, naturalmente, pelo estilo trágico de muitos autores, tais temas encontravam-se. Poemas de Amor por grandes Românticos, como Goethe, tal como sua obra inesquecível Os Sofrimentos do Jovem Werther (e, por favor, sem devaneios que várias pessoas se mataram por causa dele. Como já disse em outro post, discernimento é essencial para analisar poetas, escritores e o que envolve as suas obras). Porém, é só escapar um pouco da temática de amor e partir para a Clássica, que Goethe já foge do que poderíamos chamar duma literatura Gótica.
Outros, como Byron, Shelley, Keats, os brasileiros Álvares de Azevedo e Fagundes Varela, poderiam, tal como Goethe, ter grande parte de sua obra classificada como dentro dos parâmetros da Cultura Gótica. Mas, em TODOS esses poetas há obras que fogem totalmente da cultura gótica. Justo seria julgá-los como "Góticos"?

Literatura Gótica de Morte: Tal como os já citados acima, Castro Alves escreveu sobre amor, sobre morte - que lhe afligia tão prematuramente -, porém, ganhou fama por ser o "Poeta dos Cativos", em seus poemas a favor da abolição da escravatura. Em seu primeiro livro, e único publicado em vida, Espumas Flutuantes, há temáticas mórbidas tratadas de maneiras tão aflitivas quanto Álvares de Azevedo o fez. Tal como Cruz e Sousa, que a morte, abismos, infernos, o fatal destino da matéria humana cantava. Alphonsus de Guimaraens era sublime em seus cantos de Morte. Ele próprio julgava ser o "trovador do amor e da morte". Mas todos eles tinham grande parte de sua obra alheia à cultura.

Literatura Gótica Vampírica e de Terror: Agora sim parece que não há maneiras de se escapar de julgar a obra de determinado autor totalmente gótica. Tenhamos calma, porém. O livro em que há o maior número de elementos góticos, mesmo que tal "cultura" não existisse, é Drácula, de Bram Stoker. Lá há o terror, o suspense, a morte, os cemitérios, o amor (que Copolla pisou na bola ao exagerar e inventar praticamente uma nova história em sua versão cinematográfica do livro) e há sangue, que, pasmem, é inevitável a um filme de vampiro. Carmilla, de Le Fannu, uma das obras que, acredita-se, tenha servido de grande influência a Stoker para o seu Drácula, há o medonho, o lesbianismo e a primeira aparição na literatura de horror do símbolo "gato preto" (que sugava, no caso, o sangue de suas vítimas). Isso tudo, tenha-se em vista, no século XIX e XX. No caso de Frankenstein, de Mary Shelley, o horror causado foi por ele ter sido escrito por uma mulher.
O genial Edgar Allan Poe, com seus contos de terror e com suas poesias rebuscadas e lúgubres, sempre foi considerado um expoente da literatura gótica. Mesmo com sua vida repleta de polêmicas, muitas delas lendas criadas post-morten, não foi o túmulo em pessoa que muitos o julgam ter sido. Aliás, com o conto O gato preto, popularizou-se definitivamente tal símbolo na literatura de terror.
Vejam que estou analisando, somente, literatura não-contemporânea. Há, nos ventos atuais, a ótima Anne Rice, com suas Crônicas Vampirescas - já finalizadas, inclusive.

Em todos os livros que eu citei, há os elementos Gótico do horror, do amor, da morte - seja ela mortal ou não. Mas em todas esses livros, tais questões são dadas com pungência e profundidade que não vemos nos livros julgados góticos atuais.

Com exceção, talvez, no Vampirismo (mesmo assim, todos sabemos que lendas de seres que se alimentam de sangue humano existem há milhares de anos), os temas de Amor e Morte - e Horror, dado pelo suspense -, são tratados há tantos anos que julgá-los como exclusividade da Cultura Gótica é praticamente dar um conceito há obras que foram constituídas numa época cujo conceito sequer existia.
A pergunta feita em itálico na "literatura gótica de amor" não foi ao acaso. Dando o exemplo de Álvares de Azevedo, como pudemos ver na postagem "O Poeta, o Homem e a Lenda - Parte I". Maneco foi extremamente moldado para ser o Arquétipo dos Românticos. Mas ele não o foi em vida, mesmo com o seu destino trágico (algo comum para a sua época, quando não havia antibióticos para tratar qualquer infecção, muito menos tuberculose). Grande parte de "tal culpa", pode ser atribuída à Cultura Gótica, que dedica sua leitura de Azevedo aos poemas de Amor e Morte da primeira e terceira parte (que, com certeza, são geniais) da Lira dos Vinte Anos e aos contos de Noite na Taverna. Estereotipados estão Álvares de Azevedo e seus leitores, por infortúnio de opinião.
E pior: a partir da hora que julgam Edward, de Crepúsculo, um Romântico à la Álvares de Azevedo, cometem dois erros: o primeiro comparar um personagem fictício criado por uma autora Mórmon, que tão-somente retrata o culto pela castidade até o casamento dessa comunidade religiosa; o segundo erro é o total anacronismo de tal comparação.

Ou seja, de fato, há obras que tem uma atmosfera sombria, com requintes góticos. Mas julgar autores como símbolos góticos é uma tremenda confusão do Homem e da Obra.
O fato é que a Cultura Gótica foi moldada no sentido ambíguo da palavra. Mas hoje, infelizmente, vemos que, talvez por uma questão comercial, tem se dado um significado único ao Gótico -e às obras erradas.
Utilizou-se neste post: Gavin Baddelley - Goth Chic - Um guia para a Cultura Dark (Rio de Janeiro, Rocco. 2005) - este livro dados muito interessantes, principalmente quando analisa os filmes considerados góticos. É uma bibliografia considerável quando se quer conhecer a cultura gótica para além de músicas e mídia. Mas comete alguns erros dos quais eu comentei aqui, como "é de terror, dark, é gótico".
Livros didáticos de Literatura, como os clássicos tão usados no Ensino Médio, por Willian Roberto Cereja, cujos alguns capítulos são dedicádos à "Literatura Gótica".
Os livros dos autores citados, enfim.
Abraços, Cardoso Tardelli

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Justiça Histórica

Não é minha intenção aqui travar discussões políticas envolvendo literatos da nossa nação. Mas num ponto eu, tanto como aluno de história quanto como fã de Literatura, tinha de tocar, pois tal ponto não poderia ficar pelos ventos da História e Literatura soturnamente uivando.

E digo-lhes de quem estou comentando: Gregório de Matos. O maior poeta satírico da época do Brasil Colonial foi tenebrosamente analisado por Leandro Narloch, em seu livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil (Leya, 2009). Em mais uma tentativa frustrada de se fazer um livro de "Jornalismo Histórico" - algo já corriqueiro entre muitos jornalistas, que tentam facilitar a linguagem acadêmica dos Historiadores, mas acabam cometendo erros de Contexto Histórico, acabando num resultado terrível, tanto jornalístico, quanto histórico -, Narloch chama Gregório de Matos de dedo-duro da Inquisição, quando esta veio para o Brasil, e defendeu a tese que não havia somente um poeta Gregório de Matos, mas sim vários, que incorporavam este nome. Um dado que não pode ser escondido, neste livro nada que o Brasil teve foi bom, correto, justo ou verdadeiro. Não que tudo que aprendemos em Escolas e Cursinhos sejam fatos inegáveis, mas a história do Brasil, tal como seus grandes nomes, não é a escória que é mostrada neste livro.

Voltando ao assunto do post, sabe-se que não se assinavam as poesias e obras naquela época. Darcy Damasceno, em uma pequena análise na antologia de poemas de Gregório de Matos da editora Global, deixa claro em várias partes que, de fato, algumas partes da obra de Gregório de Matos podem sim ter sido modificadas por diversos autores, e admitir a total legitimidade de sua obra é algo difícil. Mas, independentemente disso, o fato é que, quando tratamos da sátira Gregoriana, tal como seus poemas de amor, é tão singelo o autor em seu modo de escrita e palavreado que se diferencia de todos os outros satíricos de sua época.

Narloch cita poemas com supostos palavrões que Gregório de Matos, acusando-o de linguagem chula. Esqueceu-se, porém, de pegar um dicionário que tenha os significados de tais palavras quando a língua geral - uma mistura de Português, Espanhol e Tupi - ainda era a regente nas terras coloniais. Muitas das palavras que hoje são de baixo calão, mesmo tendo sentido não muito elogioso naquela época, dava o ar da sátira.

Outro ponto da crítica absurda de Narloch é que ele, enfáticamente, diz que Matos escrevia contra negros, cristãos-novos e pobres - e dá exemplos de poesias com tal conotação. Nota-se duas linhas em que Narloch diz que é natural para alguém da época isso, porém, a ênfase dada anteriormente deixa tamanha nódoa que somente uma análise profunda da sociedade colonial da segunda metade do século XVII poderia retirá-la, com esforço ainda. O curioso desta passagem citada, aliás, é que as obras que ele sempre cita, timidamente, como "atribuídas" a Gregório de Matos são dadas num teor que nos leva a entendê-las como somente de um homem. E, de fato, devem ser. Mas o teor dado no texto de Narloch praticamente coloca Gregório de Matos como um opositor dos bons costumes, dando a ele uma posição de vilão na literatura brasileira. Falta aqui, como quase em todo livro de "Jornalismo Histórico" (principalmente os "by redatores da Veja"), além de bom senso, um Guia Prático - se é que isso existe - de Contexto Histórico ao autor.

Vamos à derradeira parte, e a mais um erro tenebroso de uso de bibliografia de história - que, neste caso, foi usada, tão-somente, no sentido de escrachar o poeta baiano do século XVII. O "carro-chefe", digamos, da parte em que Narloch analisa é evidenciado pelo título de tal fragmento do capítulo destinado da "desmascarar os autores brasileiros": "Gregórios de Matos era um dedo-duro", secamente avisa o título. Dedo-duro, no caso, da inquisição, como já dito, que ao Brasil veio duas vezes. Vendo a bibliografia de Narloch usada nesta parte, somente faltou a essencial para qualquer pessoa que quer tratar de Inquisição no Brasil: Ronaldo Vainfas, Bruno Feitler (que já publicaram conjuntamente o livro A Inquisição em Xeque: temas, debates, estudos de caso (Ed. da Universidade Estadual do Rio de Janeiro), entre outros autores historiadores, cuja missão é desvendar as duas vindas da Inquisição Portuguesa ao Brasil. E aqui não se faz corporativismo, algo que repudio, somente é defendido o pressuposto que, se a análise, por menor que seja o teor acadêmico dela, propõe determinado assunto - que se use as melhores bibliografias para que ela fique de qualidade majestosa.

Porém, não foi o que vimos em o Guia politicamente Incorreto da História do Brasil, que poderia, muito bem, se chamar de Guia Prático dos Portadores da Síndrome de Vira-lata do Brasil. Tal como a Revista em que o autor deste livro escreveu durante um bom tempo.

domingo, 4 de julho de 2010

Saudades - Cardoso Tardelli

Caros leitores do Sacrário das Plangências, posto-lhes um poema presente na Poética das Quimeras (Selo FuturarteEd. Multifoco, 2012).

A obra está disponível na Livraria Cultura (clique aqui para o link) e no site da editora (clique aqui para  link).  Há agora também o e-book da Poética das Quimeras (clique aqui para comprá-lo na Amazon.)

SAUDADES - Cardoso Tardelli

Sozinho, numa lúgubre noite de luar
Pálido, como mortas esperanças da vida,
Vi-me na negra solidão a clamar
Pela luz na minh'alma esquecida.

Pois no Sacrário do fulgente sonhar,
Que meu coração tornou em enegrecida
E lânguida ruína, restou seco prantear
Que uma vez bálsamo foi à ferida.

E na noite tão taciturna - absorto -
Hesitei em abrir minh'alma, mas o fiz;
E um fulgor causou-me atroz desconforto.

Disse eu: “Alegre sou quando tu sorris!”
Minh'alma respondeu: “Teu presente é morto...
Tens saudades da quimera de ser Feliz?”

10/06/2010

Abraços,
Cardoso Tardelli

sábado, 3 de julho de 2010

O Poeta, o Homem e a Lenda - Parte I

Caros leitores do Sacrário das Plangências, não estranhem o título deste post. Não falarei de um poeta, somente, nem só sobre de poetas de um estilo. Mas falarei de alguns poetas idealizados pelos seus leitores, que veem, em sua poesia, um reflexo do homem que a escrevia.

Soa muito natural, inclusive para mim, falar: "Uma poesia reflete a pessoa que a escreve e suas ânsias". Porém, todos sabemos que, durante anos, muitos escreviam baseados em estilos prefixados por uma escola literária, não somente estruturalmente, mas temáticamente. Naturalmente inclinados, então, ficavam os poetas aos temas trabalhados pelas Escolas Literárias.
Obviamente, por exemplo, o Romantismo Brasileiro foi diferente do Europeu, mesmo na Segunda Geração - que por mais influência de Byron, tinha em Álvares de Azevedo um Irônico e Sarcástico, na segunda parte da Lira dos Vinte Anos; tinha em Fagundes Varella um defensor da tão nova nação, com uma poesia já despontando para o condoreirismo de Castro Alves, e também com uma poética religiosa; tinha em Casimiro de Abreu um cantor da pátria, da infância e, poucas vezes, da morte.

Na segunda geração do Romantismo, criou-se mitos sobre os poetas, principalmente sobre um, o único Romântico que se iguala a Castro Alves em qualidade lírica - nas obras que julgadas ótimas são -, porém não tão reconhecido por ter o estériotipo de um Romântico Byrioniano: Álvares de Azevedo.

Utilizando como fonte e bibliografia cartas de Azevedo, o livro Formação Histórica de São Paulo, de Richard Morse (Difusão Europeia do Livro, 1970), e a própria obra de Maneco - como era conhecido por alguns o poeta - podemos nos desprender da imagem que por muito tempo foi moldada.
Analisar-se-á, em primeiro lugar, a cidade de São Paulo da metáde do Século XIX e a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco. Para tal, o livro de Richard Morse é de serventia sublime.

São Paulo tudo deve a Academia de Direito do Largo do São Francisco. Segundo Morse, "O período de 1830 a 1845 representa esquematicamente uma época de indecisão, de irrealização, de mal-estar, de possíveis promessas futuras. Continuavam ativos os catalisadores da década de 1820. A Academia de Direito se firmava, embora declinassem as matrículas (...)". O fato, segundo ele, é que estava havendo um "mal-estar pós-colonial" na cidade de São Paulo. Com a chegada da Academia de Direito, jornais começaram a circular na cidade, assim como um número de estudantes de várias regiões do Brasil migravam à São Paulo em busca do estudo de Direito. Com isso, a antes Colonial São Paulo, tornou-se, pouco a pouco, uma cidade com a fremência concentrada no "triângulo do centro": Sé, Largo do São Francisco, Largo São Bento. (MORSE, 1970). O que era antes uma cidade meramente tediosa, colonial, tornou-se uma cidade estudantil.

Para dados meramente biográficos, Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em 12 de Setembro de 1831, filho de um aluno do terceiro ano da Academia de Direito do Largo do São Francisco.
Sabe-se que Maneco perdeu prematuramente a sua irmã, cuja ligação afetiva do poeta era grande, o que lhe inspirou, provavelmente, o poema "Anjinho", da primeira parte da Lira dos Vinte Anos.


Começa-se, então, a partir de leituras de cartas, a construção do homem Mito que Azevedo tornaria-se. Uma das clássicas cartas é a do diretor da Escola que Maneco estudava, nela, o mandatário da escola diz que: "Ele reúne... a maior inocência de costumes à mais vasta capacidade intelectual que já encontrei na América em um menino da sua idade." (MORSE, 1970).

Inegavelmente, Álvares de Azevedo era culto e de capacidade extraordinária. Com menos de 10 anos, segundo Morse, já redigia cartas em Inglês e Frances com facilidade. E quando estudou no Rio de Janeiro, no ano de 1844, - na impossibilidade de cursar Direito em São Paulo pela sua pouca idade -, onde sua família morava, estudou filosofia com Domingos Gonçalves de Magalhães, que foi o percursor do Romantismo no Brasil - com seus Suspiros Poéticos, de 1836.
Em 1848, Azevedo, finalmente, matriculou-se na Academia de Direito de São Paulo. E é nessa época, que foi a época de sua produção poética, em que criou-se a imagem do casto Álvares de Azevedo, tão passada na primeira e segunda partes da Lira dos Vinte Anos.

Lendo suas cartas, porém, vemos um Manuel Antônio, e não somente o poeta. Utilizar-se-á o ótimo artigo encontrado no site: http://www.filologia.org.br/anais/anais%20III%20CNLF%2026.html#_ftnref - como fonte de algumas cartas (e também de dados), que são somente encontradas em Obras Completas de Álvares de Azevedo, muito raras, porém.

Vamos a uma parte duma carta do poeta:


"No dia 11 aqui houve o baile Acadêmico[...]. Fui ao baile - porém não dancei nem conversei com Madama nenhuma, porém achei e vi.
A Condessa de Iguaçu e a Belisária eram as rainhas do Baile. [...] A Bella tinha o vestido cinzento que lhe fazia uma cinturinha de Sílfide. No colo numa volta só lhe corria o colar de finíssimas, digo grossíssimas pérolas. Não havia dizer as pérolas aí eram o enfeite ou o enfeitado. A Belisária não vão lá entender que estava mal vestida [...]. O seu vestido era de finíssima fazenda branca toda bordada de flores de seda verde era ela a rainha indiscutível , a senhora soberana, a sultana soberba ante a qual as outras todas eram múmias, odaliscas, sombras de uma beleza sem par, era a rosa sobressaindo entre os lírios e violetas. (...)."


A Ironia e Sarcasmo tão latentes na segunda parte da Lira dos Vinte Anos, aqui ficam evidentes. No trocadílho "finíssimas pérolas" por "grossíssimas", nota-se, inclusive, uma rejeição de Maneco ao vestuário acadêmico e típico da época. O fato é que, em várias cartas, Azevedo deixava claro que São Paulo era a terra do tédio, não do furor acadêmico e juvenil.

Numa das cartas - já em suas férias no Rio de Janeiro - moldou-se uma das imagens mais românticas de Maneco: "Há uma única coisa que me pudesse dar hoje o alento que me morre. Que me morre... - disse eu; não creias que minto. Todos aqui me estranham este ano o taciturno da vida e o peso da distração que me assombra. O meu viver solitário, só no meu quarto, o mais das vezes lendo sem ler, escrevendo sem ver o que escrevo, cismando sem saber o que cismo... (1 de Março de 1850)" (MORSE, 1970).


Contudo, em cartas à sua mãe, Azevedo ironizava as jovens que diziam o português errado, como um irritante "'prôque' ". A sua irmã e mãe, tão afagadas nas poesias, não poupadas foram das cartas de Álvares de Azevedo. Reclamava ele em algumas da preguiça de sua irmã para os estudos.

Soa estranho, com certeza, aos ouvidos das pessoas acostumadas a ouvir os versos de amor e endeusamento aos arcanjos, serafins e musas pálidas, com um tom de ingenuidade jamais atingido por outro poeta nesta terra (note-se que a questão aqui não é inocência, infância e certa dose de lascividade, pois nesse quesito no Romantismo, o poeta fluminense Casimiro de Abreu foi insuperável - mesmo com os escândalos dos críticos e parnasianos), ler ironias, sarcasmos dum poeta por tantos anos julgado como casto.

Se ele participou da Sociedade Epicureia, é um mistério, mesmo por sua debilitada condição física. (A Sociedade Epicureia, resumidamente, reunia alunos da Academia de Direito do Largo do São Francisco, cujo lema era seguir a Filosofia de Epicuro, filósofo grego do período helenístico, que defendia a ausência de dor na vida e a aproximação ao prazer. Poucas informações dessa Sociedade, porém, existem. Sabe-se que os participantes auto-proclamavam-se personagens de Byron em reuniões. Muitas lendas, inclusive de necrofilia e roubos de corpos, foram encorpadas a essa sociedade. A prudência e discernimento são os maiores aliados do leitor quando o assunto é o Romantismo e Poesia Brasileira).

Uma conclusão a este post: Álvares de Azevedo foi o maior representante da Segunda Geração do Romantismo, na qual eu não gosto de chamar de Byroniana - que, por mais influência que tenha tido do bardo Inglês, não o imitava e tinha temáticas singelas em certos pontos de sua poética. Foi um dos maiores poetas brasileiros. Esses são fatos inegáveis e inexoráveis.

Porém, a imagem que se criou em cima de uma Cultura Gótica (um post que eu farei em breve), em cima de um endeusamento Romântico de nosso Manuel Antônio Álvares de Azevedo, além de não ser correta, não é necessária.

Uma leitura necessária é o próprio reconhecimento de Álvares de Azevedo sobre a diferença do Poeta e o Homem. Essa leitura encontra-se no prefácio da segunda parte da Lira dos Vinte Anos, facilmente encontrada na internet, por ser domínio público.

Mais nobre para um poeta saber que seus defeitos de homem foram relatados, do que seus méritos de poeta foram pelas gerações, tão-somente, confundidos com a sua pessoa. Dividir-se-á, o Poeta e o Homem. Podemos excluir a Lenda.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Estâncias

Posto agora uma das poucas poesias minhas em versos brancos, estilo que quase já não mais escrevo. Publicado em Ecos da Alma, da Andross Editora.

ESTÂNCIAS - Por Cardoso Tardelli
Quando, na palidez de uma tarde,
Aproximas a face bela,
Faço dos meus olhos a minha mão;
Não te toco,
Eu sonho.

Quando escuto a tua voz divina
Romper os sineiros fúnebres do meu coração,
Não ouso sequer interromper-te
Por um suspirar;
Eu sonho.

Quando me fitas com teus olhos
Cor de relva,
Minh'alma ensaia um brilhar
E meu coração um pulsar:
Eu sonho.

E quando anjos murmuram no meu ouvido:
- Para que esperanças sonhadoras,
Se delas só tiras lágrimas dos teus olhos?
- Pois eu choro de esperança - Digo a eles -,
Eu sonho.

Quando o sol se deita no horizonte
E o anjo se deita em seu leito abençoado,
Penso nos teus olhos cor de relva;
E num fechar de olhos,
Eu sonho.

Sobre os Sonetos

Na poesia contemporânea - leia-se, de novos autores -, muito tem-se discutido a real função e praticidade da célebre estrutura denominada de Soneto.
O Soneto Italiano, muito utilizado no Simbolismo e Parnasianismo, contém 14 versos, sendo distribuídos em dois quartetos e em dois tercetos, com a ordem das rimas já prefixadas. A métrica no Soneto Italiano, em geral, era Decassílaba (dez sílabas) ou Alexandrina (doze sílabas).

Um exemplo desse tipo de Soneto:




Cruz e Sousa - Post Morten ( de Bróqueis)


Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos troféus da fama.

Quando as níveas Estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.

terás para os báratros descido,
Nos cilícios da Morte revestido,
Pés e faces e mãos e olhos gelados...
Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!




No Romantismo brasileiro, predominou a forma de soneto de métrica Alexandrina, com tercetos em rimas cruzadas.

Inegavelmente, seguindo-se a métrica - independentemente se for decassílaba ou não - e um esquema de rimas predeterminado, a criação de um soneto torna-se difícil, mesmo que muitos poetas fossem tão sublimes em tal forma de poema que parecesse que fosse um engenho simples(poetas como Camões, Florbela Espanca).



Um dos grandes poetas brasileiros, mesmo com controvérsias sobre o que é, de fato, a sua obra, discorreu sobre a dificuldade de um Soneto. Gregório de Matos, certa vez, num soneto, escreveu no último terceto:
(...)


Nesta vida um soneto já ditei,
Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.


Pegando-se sonetos contemporâneos, vemos que foram-se as métricas, as rimas - e somente ficou a estrutura essencial de 14 versos. Sem problema algum com isso, pois um poema não depende essencialmente de uma métrica, mas depende das palavras que são ali colocadas. Mas, obviamente, a músicalidade dos Sonetos, que sempre atrativo foi, acababou se perdendo com essa investida Modernista no Brasil. Neste ponto que eu queria tocar.



Um dos grandes pecados dos Modernos Artistas Brasileiros, julgavam-se assim ao menos, foi que julgavam-se novos, numa arte essencialmente brasileira. E em termos estruturais, algumas das revoluções creditádas aos modernos, muito antes, porém, já tinham sido feitas por Românticos Ingleses.

De quem digo? Percy Shelley e John Keats. Ambos, em suas curtas vidas, experimentavam esquemas de rimas em Sonetos nunca antes vistos, como, por exemplo, manter as rimas dos Quartetos nos Tercertos e, inclusive, produzir sonetos em versos brancos, cujo primeiro indício na Inglaterra foi de Edward Spenser (1552-1599). (Péricles Eugênio da Silva Ramos nos brindou de traduções fabulosas de poemas de Keats, Shelley e Byron, lançados pela editora Hedra. Os dados deste parágrafo foram tirados da análise de Péricles em "Keats - Ode sobre a Melancolia e Outros Poemas, Hedra, São Paulo, 2010").

(A imagem é um manuscrito do soneto "Brightstar", de Keats)


A ousadia Modernista na estrutura dos Sonetos não foi nada mais que uma reprodução de coisas que já haviam sido feitas na Europa tempos antes. Ousadia, talvez, soasse para quem tinha o enfadonho Parnasianismo como regente das letras brasileiras. Mas soa falaz tal ousadia quando bem sabemos que a proposta era a criação de uma poesia tipicamente brasileira, temática e estruturalmente.




Vemos exemplos interessantes de sonetos na poesia modernista, como os Sonetos do primeiro livro de Mário Quintana, A Rua dos Cataventos, que mesmo sem métrica rígida, mantém uma estrutura de rimas interessante, dando uma musicalidade à poesia. Nota-se que no ano em que foi lançado, 1940, o Soneto já havia caído em desuso.



Não escrevi aqui uma desnecessária crítica ao movimento modernista, pois inegavelmente ele obteve sucesso em sua tentativa de mudar as letras brasileiras. Porém, juntamente a isso - por vezes, inconscientemente, pois sempre viamos grandes poetas modernistas louvando alguns antigos (como Drummond elogiou Baudaleire, como Péricles Eugénio resgatou em traduções memoráveis poesias antigas, entre outros exemplos) -, levou ao limbo certas estruturas, temáticas, que, de modo algum, podem ser consideradas ultrapassadas ou incompatíveis com a época ou com o país que o poeta escreve. A nobre estrutura do Soneto não deve ser repudiada como já vi em alguns lugares, chamando-a de "limitante" e outros termos. Shakespeare é um exemplo clássico de como essa forma de poesia, quando bem usada, não é limitante, e torna o engenho poético sublime e fúlgido.
Abraços, Cardoso Tardelli - 02/07/2010

Cruz e Sousa - Parte I




Provavelmente, qualquer pessoa que já tenha passado pelo Ensino Médio e por boas aulas de literatura já deve ter, ao menos, lido algo de Cruz e Souza. E, evidentemente, confrontado-se com algumas das dificuldades enfrentadas pelo principal representante da poesia simbolista no Brasil.
Fugiremos, porém, das didáticas -às vezes falhas - e partiremos para análises com base em algumas obras de Cruz e Sousa, e de análises feitas por especialistas na poética Cruziana, como Ivone Daré Rabello (o livro em questão utilizado é Um Canto à Margem - Uma Leitura da Poética de Cruz e Sousa; São Paulo, Nankin/Edusp. 2006). Utilizar-se-á a introdução de Ivan Teixeira à edição Fac-similar de Faróis (Ateliê Editorial/FCC Edições, São Paulo. 1998), e também a Introdução de Ivone Daré Rabello à Antologia Poética - Cruz e Sousa (Ática, São Paulo. 2006).


João da Cruz e Sousa, filho de escravos - sendo que a mãe já havia sido alforriada -, teve grande sorte em sua infância de ter tido a educação tutelada dos senhores de seus pais, que não tinham filhos, e decidiram educar o então garoto João da Cruz com os moldes duma educação branca clássica. Acredita-se que o "Sousa" do nome de Cruz e Sousa foi incluído naturalmente, pois tal sobrenome pertencia aos senhores brancos que o educaram.

Durante a educação de Cruz e Sousa, surgiu uma lenda sobre o então jovem negro (como quase é inevitável no mundo poético a criação de ilusões, como, por exemplo, no Romantismo Brasileiro, da não sabida, porém ,não desmentida, castidade de Álvares de Azevedo). Perambulavam naquela época as taciturnas ideias deterministas das raças, que defendiam inexoravelmente que os negros eram inferiores intelectualmente - e para eles restavam o trabalho braçal. Um emérito professor alemão, Fritz Müller, que estava no Brasil em estudos, lecionou no colégio Ateneu Provincial Catarinense. Em uma de suas cartas, citou um brilhante aluno negro, que ia de encontro com as ideias deterministas das raças. Por muito tempo, acreditou-se, ou somente se deu crédito, de que Cruz e Sousa era o tal aluno citado. Sabe-se, porém, que Müller não foi professor do futuro poeta. (RABELLO, Ática, 2006).

Cruz e Sousa, já em sua fase de maturidade poética, enfrentou oposições da crítica e da própria sociedade. O crítico implacável, e por vezes injusto, José Veríssimo de modo algum concordava com a temática Simbolista. A questão de Veríssimo não parece transcender o gosto poético, visto que ele, após o falecimento de Cruz e Sousa, e dos esforços de Nestor Vítor para que a obra Cruziana fosse revista, reconheceu a questão do "negro bom e sofrido", porém com falhas culturais. (RABELLO, Edusp, 2006). A sociedade alfabetizada sentia-se incomodada com um negro puro, por mais eloquência e boa cultura que tivesse, exercendo, ou tentando, papéis culturais na alta sociedade. Simples datas nos ajudarão para compreender o porquê.

Como bem sabemos, a escravidão foi abolida no Brasil pela Lei Áurea no ano de 1888. Porém, sabe-se que a sociedade vivia em torno duma mentalidade escravocrata, cujo cárcere social, como bem vemos nas demonstrações de racismo hoje em dia, ainda não foi totalmente destruído. Exemplos claros de como a sociedade vivia em torno da escravidão, e que libertar-se da mentalidade escravista - que no contexto brasileiro continha predominantemente negros - não era simples, são, por exemplo, A Revolta dos Malês - que mesmo sendo feita por escravos - tinha caráter escravista. Não havia, para muitas pessoas na época, outro modo de trabalho senão o do regime escravocrata.

Os únicos livros de Cruz e Sousa publicados em vida, ambos em 1893, Missais (poemas em prosa), e Broquéis. Ambos os livros com uma marca de influência latente de Baudeleire (o poema de abertura de Broquéis - "Antífona" - tem como epígrafe versos do francês), que sendo um poeta decadista, defensor do artista na ambiguidade da palavra bizarro (digno de admiração, na forma culta; excêntrico, estranho, no informal), causava certo descorforto aos requintes da sociedade da época.

Note-se que os livros foram editados 5 anos depois de abolida a escravidão. Obviamente, além das dificuldades que o próprio estilo Simbolista encontrou no país, a poesia Cruziana sofreu, e o seu autor, inevitavelmente sofreram com a questão da mentalidade determinista e com os tenebrosos rastros, muito vivos ainda, da escravidão.

O Simbolismo, como movimento literário, demorou a ser compreendido - e até hoje não é, de modo algum, um estilo popular, nem entre as rodas literárias de novos poetas. A poética Cruziana, segundo Ivan Teixeira, não poderia ser somente ligada à temática Simbolista, pois tinha um teor metafísico. Em Faróis, nota-se esse aspecto, numa tentativa de "investigação existencial do indivíduo". (TEIXEIRA, Ateliê,1998). Entender-se-ia tais coisas... uma análise da alma, em versos de dores, de símbolos abismosos, taciturnos, lascivos, e, por vezes, satânicos, quando a República, proclamada em 1889, dava sinais de prematura fragilidade? O próprio movimento Parnasiano, que tinha maior destaque e prestígio, tinha certa função na fixação duma República. Olavo Bilac, o maior Parnasiano brasileiro, foi um dos apoiadores e propagadores da ideia do exército obrigatório.

A poética Cruziana foi redescoberta na década de 1940, pelo francês Roger Bastide, que no intento de buscar uma poesia afro-brasileira, foi ao encontro da poesia de Cruz e Sousa. A sua análise, em Quatro Estudos sobre Cruz e Sousa, talvez foi a primeira que deu valor ao simbolismo Cruziano e, principalmente, colocou a poesia acima do homem-poeta. Ou seja, deixou a dolência do viver de João da Cruz e Sousa em segundo plano, e analisou-se, finalmente, a poesia, tão-somente.

O itálico em poesia afro-brasileira não foi à toa. Encerro esta longa primeira parte de uma despretensiosa análise sobre Cruz e Sousa e sua época com o mesmo trecho que Ivan Teixeira, na apresentação do fac-similar de Faróis, usou para demonstrar o que Cruz e Sousa considerava o fado de um poeta afro-brasileiro. Tal trecho é de "Emparedado", em Evocações.

“Artista! Pode lá isso ser se tu és d'África, tórrida e bárbara, devorada insaciavelmente pelo deserto, tumultuando de matas bravias, arrastada sangrando no lodo das Civilizações despóticas, torvamente amamentada com o leite amargo e venoso da Angústia!”.

Encerrada está aqui a primeira parte.

Abraços, Cardoso Tardelli. 02/07/2010

Agradecimento

Agradeço à Thainá, do blog Gavetas Reviradas (http://gavetasreviradas.blogspot.com/), por ter me ajudado com o banner do Blog - pois em Photoshop, o que sabia, não o sei mais.
Ajudou-me também a moldar o layout no blog - o que, inevitavelmente, é importante para a reação do leitor no impacto texto/visual.

Enfim,

Abraços, Cardoso Tardelli.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Lágrimas - Cardoso Tardelli


LÁGRIMAS - por Cardoso Tardelli
Que me resta, meu Deus? Aos meus suspiros
Não geme a viração...
E dentro, no deserto do meu peito,
Não dorme o coração!

Álvares de Azevedo
A aurora mostrou seu último brilho
Na vida do pobre poeta sonhador;
Que via na luz da manhã, o lume
Ausente n'alma do cantador.

Resta agora um rosto orvalhado
Pelas lágrimas de uma noite eterna;
Uma noite sem fulgor e sem uma estrela
A indicar qual a direção mais terna.

Resta um coração que mal bate,
Que pulsava em um sonhar demente;
Mas que ao deparar com uma noite
Sem estrelas – nem o amor sente.

Um coração que pulsava pelo anjo
Da aurora eterna – o anjo do sonhar;
Mas que na escuridão, nem a imagem
Do anjo consegue formar para o amar.

A aurora mostrou seu último brilho
Na vida do pobre poeta sonhador;
Que via na luz da manhã, o lume
Ausente n'alma do cantador.

As lágrimas que choro podem
A minha face orvalhar;
Que adianta? O meu coração seco
As lágrimas nunca irão molhar...

A alma queria crer no sonhar,
O coração queria pulsar pelo amor;
Queria, somente, ver-te nos sonhos
E neles, finalmente, entregar-te uma flor.

Resta um'alma desalentada,
Que tenta, junto ao coração,
Viver um novo fulgor na vida
De suplício: amar e solidão.

A aurora mostrou seu último brilho
Na vida do pobre poeta sonhador;
Que via na luz da manhã, a esperança,
De sonhos, viver o amor.