quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma Análise do Prefácio de "As Primaveras", de Casimiro de Abreu

Neste post tentarei fazer algo para além do que normalmente faço aqui. A análise de um prefácio de um livro como As Primaveras do poeta Casimiro de Abreu requer cuidado com livros da análise da Poesia Brasileira e conhecimento da biografia do autor.

Como, evidentemente, a obra faz parte já do Domínio Público, dou-lhes o link em PDF da obra completa, incluindo o prefácio que aqui será estudado. Porém, fica a sugestão da compra do livro pela edição da Martins Fontes - que mesmo tendo um preço maior - é a melhor edição disponível, incluindo análises preludiares, fotos do autor e de lugares de sua vida.
Segue o link: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=2173&co_midia=2

Casimiro de Abreu é conhecido por muitos pelo célebre "Meus Oito Anos", de fácil leitura pela linguagem que parecia espelhar a época representada na poesia e também pela musicalidade característica de sua poética. Porém, o desdém pela métrica a favor da musicalidade e a simplicidade de temas e vocabulário fez que gerações posteriores o colocassem como um poeta de baixa qualidade, mesmo tendo grande popularidade.
De Parnasianos a respeitados especialistas em Literatura, muitos o classificavam como o poeta do po
vo ou de quem "não exigia muito da literatura" (Alfredo Bosi, em seu História Concisa da Literatura Brasileira fez tal classificação).

E é dentro dessa classificação de desqualificação acadêmica e literata de Casimiro de Abreu, faço uma análise do Prefácio do único livro do autor, cujo objetivo é buscar nas palavras do poeta uma resposta para essas críticas, seja biográfica ou num futuro ceifado pela morte prematura de Casimiro (21 anos).

Abreu já começa seu Prefácio citando a cidade de Nova Friburgo, onde realizou seus estudos primários no Instituto Freeze, dos onze aos treze anos. Citando que ali, longe de seus companheiros de estudo e, depois de uma descrição belíssima sobre o crepúsculo da cidade, cita a criação de seu primeiro poema, de nome Às Ave-Marias, inspirado na Saudade, principalmente de sua irmã, figura, tal como sua mãe, muito representativa em sua Poética.
Logo cita sua estadia em Portugal, época que escreveu muito, inclusive "Meus Oito Anos", e teve contato com a cena literária de lá. Sobre isso, disse: "(...) era um entusiasta então e escrevia muito, porque me embalava à sombra de uma esperança que nunca pude ver realizada. (...)".

Depois de relatado o fato da destruição, por ele mesmo, de grande parte de suas originais poesias em Portugal escritas, e depois de reiterar a imagem da Virgem, comum aos Românticos, e dar sua explicação a isso, escreve dois parágrafos essenciais a esse tópico. A questão da Contradição ou de ser "Rico ou Pobre" os cantos.
Segundo Casimiro de Abreu, "(As Primaveras) fez-se por si, naturalmente, sem esforço (...)" e que ele entregava aquele livro "(...) sem receios e sem pretensões". Logo após tal parágrafo, emenda dois que têm tom altamente resignados e com conotação biográfica.

Sem cortar uma palavra, aqui vão os dois parágrafos que lhes disse:

"Todos aí acharão cantigas de criança, trovas de mancebo, e raríssimos lampejos de reflexão e de estudo: é o coração que se espraia sobre o eterno tema do amor e que soletra o seu poema misterioso ao luar melancólico das nossas noites.
Meu Deus! Que se há de escrever aos vinte anos, quando a alma conserva ainda um pouco da crença e da virgindade do berço? Eu creio que sempre há tempo de sermos homem sério, e de preferirmos uma moeda de cobre a uma página de Lamartine".

Nos trechos citados, vê-se claramente que Casimiro pouco se importava com a comoção pública que o seu livro iria causar, por isso, o publicou sem pretensão alguma (alguns autores fazem questão de colocar em seus prefácios que há pretensões grandes, como, por exemplo, Frederico Garcia Lorca, em sua primeira publicação, "Livro de Poemas", lançado em 1921). E faz questão de dizer que cantava o Amor, independentemente se moldado em "cantigas de criança, trovas de mancebo" ou "lampejos de reflexão e de estudo". De fato, a poesia de Casimiro de Abreu, dentre os as poéticas da Segunda Geração, é uma das que tem menor conotação trágica (apesar de tê-la ainda em alguns cantos) e de ter muita inspiração em Candura, pura e simplesmente.

O grifo em "homem sério" foi feito pelo próprio autor, e deixa clara a sua dúvida perante o porvir. Sabe-se que seu pai, que recusava as investidas literárias do filho, colocou-o para trabalhar no comércio, e diante da obra que Abreu nos apresentava, ele não se sentia um homem que preferia uma "moeda de cobre" a "uma página de Lamartine", poeta francês que influenciou grandes nomes do Romantismo. Vem a lume, então, a insatisfação de Casimiro diante da obrigatoriedade do trabalho que o pai lhe fez cumprir, tendo em vista que, naquela época, aos vinte anos muitos já eram considerados "homens sérios".

No consequente parágrafo, Abreu discorre sobre a evidente ingenuidade de sua obra, talvez como um broquel a algumas possíveis críticas, mesmo que já tivesse dito que publicava tais coisas sem pretensão. Dizendo que "(...) tudo isso são ensaios, a mocidade palpita (...), concluindo, com a imagem de um instrumento relativamente desafinado, que somente poderia ter o tom corrigido com "a madureza da idade e o trato dos mestres (...)".

Evidentemente o próprio autor sabia que, diante do próprio movimento a que pertencia, a sua linguagem e os seus temas eram tratados de maneira muito mais simples e ingênuas. Porém, em sua própria poesia havia trechos de revolta contra os tirados "lauréis de estudo" ("Última Folha", em O Livro Negro), que, consequentemente, fazia dele um Poeta entre a obrigação familiar e o florescente engenho poético que deveria ser desenvolvido sozinho, mesmo que Abreu tivesse contato com alguns nomes da cena literária Carioca. Isso não impediu que Casimiro de Abreu tivesse uma cultura e uma base Erudita para escrever suas poesias, sendo influência para gerações posteriores de Românticos. Ele próprio esperava desenvolver a sua poesia melhor, porém com sua morte, restou apenas o pequeno volume de As Primaveras e uma peça, que mesmo encenada em Portugal, caiu em esquecimento (Carolina).

Criticá-lo pela simplicidade e dar a glória aos Modernistas, como Bosi faz, é de uma contradição que somente traz a ideia do desgosto do crítico ao Romantismo Brasileiro, cujo "único autor que merece atenção" é Álvares de Azevedo. Os Parnasianos baseavam-se também na simplicidade e no desdém da métrica, regras às quais Casimiro sempre esteve fiel - pelo bem do conteúdo - o que poderia ser considerado uma infidelidade à poesia dentro do que defendiam os poetas da "Forma" e da "Arte pela Arte", porém amplamente injusto considerando o conteúdo de poemas e a popularidade que a obra teve no Século XIX; popularidade esta, aliás que, apesar da derrocada da Poesia para a Prosa de má qualidade no Século XX e XXI, mantém-se num nível bom entre os apreciadores de boa poesia.

Abraços, Cardoso Tardelli