quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

São Paulo no Clima Baudelairiano

Caros leitores do Sacrário das Plangências, transcreverei um texto presente no livro Ilusão e outros Poemas, de Emiliano Perneta (coleção "Farol do Saber", Curitiba, 1996), escrito por Cassiana Lacerda Carollo, e que é bem interessante no que se refere a uma percepção maior de como a obra-prima de Charles Baudelaire - As Flores do Mal - influenciaram uma juventude que não estava de acordo com as tendências de uma literatura Naturalista, Realista e Parnasianista. Após a transcrição, tecerei alguns comentários acerca do texto.

SÃO PAULO NO CLIMA BAUDELAIRIANO

Por Cassiana Lacerda Carollo

"Tratar da poesia de Baudelaire e de sua influência considerando a pluralidade de ângulos da produção do poeta da Flores do Mal, não esquecendo a convivência de um Baudelaire romântico, parnasiano, decadista e simbolista, além de sua produção conter vertentes que podem ser consideradas as raízes da poesia moderna.

Nesse sentido, Machado de Assis foi perspicaz em seu ensaio A Nova Geração, datado em 1879, quando já detecta entre as várias correntes da poesia brasileira, uma manifestação inovadora formada por alguns poetas influenciados pelo autor das Flores do Mal, como Teófilo Dias e Carvalho Júnior, que com infelicidade alguns chamaram de "poesia científica".

(Na foto: Emiliano Perneta, líder do movimento simbolista em São Paulo)

Esta referência nos leva a retomar a questão da penetração do decadismo e do simbolismo no Brasil a partir de um foco anterior de renovação, marcado pela influência pela poesia de Baudelaire.

É evidente que o movimento baudelairiano ocorrido no oitocentos em São Paulo não poderia ter a repercussão dada a condição da cidade em relação ao Rio de Janeiro e o mesmo porque não teve o sentido de ruptura que marcou a batalha entre novos/velhos ocorrida na Capital Federal, a partir da década de 90.

Ainda assim, os principais simbolistas que desencadearam o movimento, participaram da vaga baudelairiana ocorrida na capital paulista, principalmente em torno da Faculdade de Direito.

O artigo de Nestor Victor "Como nasceu o simbolismo no Brasil", publicado em O Globo, em 1928, é um depoimento fundamental para a compreensão dessa trajetória:

"Quando eu vim para o Rio, em 1888, o parnasianismo, no verso, e o naturalismo, na prosa, dominavam aqui sem contraste. Em São Paulo, entre alguns moços acadêmicos, começava-se a ler Baudelaire. Emiliano Perneta que lá estudava, foi um dos primeiros a manusear, numa atmosfera de mistério, entre os companheiros íntimos quase como quem lê páginas proibidas, as Flores do Mal. Levou nas férias consigo o estranho volume para Curitiba. Teve a grande gentileza de confiar-me aquela raridade por alguns dias. Eu já conhecera, pois, o "perigoso mestre", como lhe chamou Gautier, quando vim conviver com os parnasianos aqui. (...)

Decididamente: o terra-a-terra do naturalismo, a excessiva exterioridade dos parnasianos não estava nas minhas cordas. (...) Influência, acaso, de Baudelaire, que pouco a pouco se viesse acentuando? Talvez. De combinação com o pendor natural que eu trazia. Não tardou muito, Emiliano Perneta veio para o Rio. (...) De Emiliano se foram acercando Gonzaga Duque, Oscar Rosas, Lima Campos e outros que, antes de o conhecerem, já representavam aqui um grupo de tendências pouco simpáticas aos naturalistas e parnasianos."

Assim, mesmo sem ter vivido o movimento de ideias ocorrido em São Paulo, Nestor Victor registrou que Emiliano Perneta já viera de São Paulo com um novo conceito de poesia.

Liderando a criação de revistas, promovendo inúmeras atividades literárias e destacando-se na vida boêmia está Emiliano Perneta. Mas outros nomes de destaque também influenciados pelo poeta francês, e portadores de uma nova dicção também figuravam nas páginas de O Mercantil e agitavam os meios culturais: Alphonsus de Guimaraens, Severiano de Rezende, Wenceslau de Queirós, Teófilo Dias, Raul Pompeia e, mais tarde, Virgílio Várzea e, finalmente, Cruz e Sousa, que publicou naquele jornal uma série de textos esparsos.

Esta passagem dos poetas por São Paulo foi fundamental. Uma vez omitida, desconheceria-se as raízes dos "novos", que no Rio de Janeiro resolveram romper com os parnasianos e demais representantes da literatura dominante."

***

O simbolismo em São Paulo, após a formatura de Emiliano Perneta na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, teve como grande imagem e representante Venceslau de Queirós - 1865-1921 - (no texto de Carollo, escreve-se "Wenceslau"). Chamado de "Baudelaire paulistano", foi um poeta habilidoso, de clara feição satanista. A sua "Nevrose", talvez, seja o destaque de sua poética:

NEVROSE

(A Teófilo Dias)

I

Na voragem da infinita
Loucura que me suplanta
Há uma serpente maldita
Que me constringe a garganta.

A noite do agro remorso,
- Remorso que me fragoa,
(Noite em que choro e me estorço...)
De pranto e sangue gerou-a.

Corrompem-se-me os sentidos
Entre mórbidos miasmas:
- Ouço na treva gemidos,
- Na sombra vejo fantasmas.

Tomam corpo e forma hedionda
Os sonhos meus mais secretos,
Como frenética ronda
De uma porção de esqueletos.

A fantasia nas garras
Leva-me a um páramo torvo,
Abrindo as asas bizarras
Nos céus azuis como um corvo...

N'alma roeu-me a apatia
As rosas do seu conforto,
Como a larva úmida e fria
Rói a carcaça de um morto.

E o olvido (ai! corre-me o pranto...)
Vai sepultar-me os despojos,
Como farrapos de um manto
Que se espedaçou nos tojos.

Neste incessante destroço,
A razão mais se me afunda,
Como a luz dentro de um poço,
Numa inconsciência profunda.

Como nas noites polares,
De úmida treva retintas,
Farejam ursos nos ares
Abrindo as bocas famintas.

Surgi, visões do passado,
Nesta mudez que me cinge:
Eis o meu seio golpeado,
Sugai-o, lábios de esfinge...

(...)

(Em Versos, publicado em 1890)


O caso da poetisa Francisca Júlia (1871-1920) pode ser citado, mas ela, ao contrário do grupo de Emiliano Perneta, ou Alphonsus de Guimaraens (em sua época de estudante de Direito), não fazia questão de participar de um grupo literário que lhe desse uma rígida base de apoio e regras, visto que perambulou pelo Parnasianismo, Simbolismo e poesia infantil e, quando enfadada do grande movimento paulistano, mudou-se para a cidade de Cabreúva, mas só encontrou o procurado isolamento e calmaria no matrimônio, em 1909.

Apesar do Simbolismo defender certa postura de "Torre-de-Marfim", um isolamento à prática mundana em prol do aprimoramento das feições espirituais por meio de um isolamento voluntário, foi uma grande característica dos simbolistas paulistanos a postura pública em favor da República e da Abolição da Escravatura. Como dado de curiosidade, na ocasião de formatura da turma de Emiliano Perneta, ocorrida em 15 de novembro de 1889, o poeta de Ilusão constituiu "o seu discurso de orador da turma numa propaganda republicana... em instante poucas horas posterior à Proclamação da República, no Rio, ocorrência então ainda não sabida em São Paulo..." (em Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, Andrade Muricy) 

Acerca do que disse Nestor Victor sobre o conhecimento oculto, mas crescente, de Baudelaire, foi por meio de Medeiros e Albuquerque (1867-1934) que os primeiros livros decadentistas franceses chegaram às mãos de nossos poetas e críticos. Aliás, as suas Canções de Decadência, publicado em 1887, pode-se dizer, foi o primeiro livro simbolista, do início ao fim, escrito no Brasil. Mas o próprio autor revoltar-se-ia com o estilo, tornando-se um dos mais ativos combatentes do símbolo na Literatura Brasileira.

Abraços,
Cardoso Tardelli 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Raul de Leoni, o Poeta Pagão

Caros leitores do Sacrário das Plangências, eis um texto do jornalista e crítico Franklin de Oliveira (1916-2000), célebre crítico do Movimento Modernista Brasileiro (autor do ensaio A Semana da Arte Moderna na Contramão da História), acerca do poeta Raul de Leoni (1895-1926), autor do livro Luz Mediterrânea, lançado exatamente em 1922, sobre o qual brilha um reconhecimento do estro, mas não uma devida leitura do público, que prefere ler os Modernos da época. Raul de Leoni, lembrando, foi um poeta que reuniu, com um engenho impressionante, os méritos estéticos dos parnasianos (apesar de ser, de quando em quando, um poeta sem métrica, mas com uma musicalidade e com um dom do discurso impressionantes) e o misticismo altivo do Simbolismo. O texto a seguir encontra-se na edição da Topbooks da Luz Mediterrânea, lançada em 2000.

O POETA PAGÃO

Franklin de Oliveira

( Na foto: Raul de Leoni)
"Com Joaquim Cardozo e Dante Milano, poetas do pensamento emocionado, Raul de Leoni forma o trio, em língua portuguesa, dos líricos nos quais a sensibilidade e a inteligência se acasalam numa harmonia indissolúvel. De formação rigorosamente clássica, da qual a clareza do seu verso é alto testemunho, Raul de Leoni não caiu nas armadilhas do tradicionalismo. Quem o salvou das formas estáticas?

Salvou-o o frêmito da herança simbolista. A esse clássico o simbolismo concedeu o friso da modernidade. Esse poeta das ideologias, como o classificou Rodrigo Melo Franco de Andrade no belo prefácio que escreveu para a edição de Luz Mediterrânea feita pelo Anuário do Brasil, em 1928.

Poeta das ideologias, sim, mas convém salientar que ideologias, para Raul de Leoni, não eram abstrações. Elas tinham a sua carnalidade, quer dizer: estavam atadas ao concreto. Eram seres - eram carne e espírito, - traziam a palpitação do sensualismo e do sonho. Celebrando Florença, ele o fazia como o poeta canta a mulher amada. O amor o prendia à vida. Esse poeta, para o qual as ideias eram encarnações ontológicas, não aboliu a mulher do seu cântico. Na única composição em que a mulher aparece como uma concha em que ressoam todos os motivos helenizantes da poesia de Raul de Leoni. É recordar:


Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras.
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila.

Às belezas heroicas te comparas
E, em mim, a luz olímpica cintila.
Gritam, em nós, todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila.

É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Elêusis),

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E, do teu ventre, nasceriam deuses...

Raul de Leoni, poeta pagão. Esta, sim, é a definição que lhe cabe. E esse paganismo é a fonte de sua modernidade. Num mundo como o nosso, corroído pelas éticas que negam a felicidade, a poesia que restaura a glória de amar - amar belamente, amar guiado pela beleza - torna a Terra a residência da alegria. E esta era a poesia de Raul de Leoni.

O leitor brasileiro dos nossos dias, principalmente os jovens, não têm sequer notícia da poesia de Raul de Leoni. Esta reedição de Luz Mediterrânea oferece sobretudo à juventude uma visão do mundo que a História não lhes pode dar. Sendo a apologia dos sentidos, Luz Mediterrânea é a poética da glorificação da vida.

***

Protegido por Nilo Peçanha, que o fez deputado estadual pelo Rio de Janeiro e lhe abriu as portas da diplomacia, Raul de Leoni não se interessou pelas duas carreiras. Preferiu viver isolado em Itaipava - espécie de exílio que ele só suspendeu para a visitação dos deuses gregos e a presença permanente de Florença. Considerava-se irmão de Epicuro e de Renan, mas creio que a aproximação maior era com o materialista grego. Poeta do pensamento que se volatiliza, o seu verso tinha a palpitação das asas feridas. E nele se oculta a um subterrâneo panteísmo: seres e coisas, estas, "seres incompletos", teciam a malha do Universo composto de realidades itinerantes:

E a vida passa... efêmera e vazia:
Um adiamento eterno do que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...

Na sua poemática paira a sombra de uma saudade que é quase uma forma de esperança:

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube porque foi... um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe porque era... Não sabia...

Desde então, transformou-se, de repente,
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente...

Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,

E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer coisa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...


Não foi só a formação clássica que levou Raul de Leoni a não participar da "patacoada paulista", como à Semana de 22 chamava com justa ironia Dante Milano. Contra o que se apregoa, aquele não foi um movimento de renovação literária, mas um convescote, financiado pela plutocracia do café e apoiado politicamente pelo que havia de mais reacionário no Brasil daquele tempo - o PR, jornal oficial desse partido, foi o jornal dos modernistas.

A "insurreição literária" dois dois Andrades - Mário e Oswald - foi antes de tudo um movimento contra Coelho Neto. Tanto assim, que tudo que tenha sido validamente escrito naquele tempo sobre o Brasil - Os Sertões, de Euclides da Cunha, a radiografia da sociedade do Segundo Reinado feita pela ficção de Machado de Assis, a obra de Hugo de Carvalho Ramos, de Lima Barreto e de Monteiro Lobato - foi solenemente ignorado pelos alegres rapazes de 22. Muitos anos depois, o papa do modernismo, Oswald de Andrade confessou: "Sou um palhaço da burguesia". E acrescentou que para ele o oposto do burguês não era o operário, mas o boêmio. Esta confissão é o seu melhor retrato intelectual.

Lima Barreto, no Rio, e Afonso Schmidt, em São Paulo, foram os únicos autores que trataram do povo como tema literário - por isso mesmo ficaram fora do pagode modernista. Quando se pensa que Marinetti, o caixeiro viajante de Mussolini, foi o reitor da Semana, não se precisa dizer mais nada sobre essa jornada de otários.

Tendo preservado a sua dignidade literária, passando ao largo da mistificação de 22, Raul de Leoni realizou uma obra integrada na literatura viva e não na história literária, cemitério de tantos autores insignificantes."

***

Apesar de discordar do tom iracundo de Oliveira acerca do Movimento Modernista, não posso negar que o foco dado aos autores da Semana é injusto - artisticamente, principalmente - e beira uma ode à suntuosidade de uma data, não à arte, em si. É inegável a importância histórica do movimento dos Andrades, mas questionável é a sua característica de, como pontuou Mário Chamie "ser uma vanguarda anti-vanguarda", pois juntou autores de várias vertentes para separá-los depois, esparsos em um nada chamado "liberdade" (que, na verdade, sabemos que é falaciosa, já que sempre haverá um gosto e um momento imperativo).
Não somente no período de 1922 até atualmente, mas também um pouco antes da Semana, tivemos tantos bons escritores e poetas, mas todos perdidos em um limbo, já que acima há, na tentativa de temporalizar algo que não deve ser temporal, a eterna baliza, certamente um espectro, do modernismo indicando o que fazer ou não em nossa literatura.

Abraços,
Cardoso Tardelli


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Influência dos Portugueses no Simbolismo Brasileiro - Um depoimento

Caros leitores do Sacrário das Plangências, transcrevo-lhes um breve texto do autor simbolista Antônio Austragésilo (1876-1960), no qual se dá uma descrição das influências dos autores estrangeiros no movimento Simbolista Brasileiro - com um interessante foco nos autores portugueses que fizeram moda à época. É bom lembrar que alguns, como Camilo Pessanha - autor da genial Clepsidra - sequer foi lido pela mais aguda camada simbolista, já que fora publicado tardiamente (1920). Outro caso que seria interessante citar é da poetisa Florbela Espanca, já que a sua produção de maior qualidade é claramente simbolista - mas que só ganhou destaque quando findado o movimento - caracterizado como tal.


OS PORTUGUESES

"Les Fleurs du Mal eram-nos a bíblia literária; 'L'albatros", 'Une Charogne', 'Les Litanies de Satan' viviam decorados em nossos pensamentos, especialmente o estribilho que dominava o sabor dos Novos

Ó Satan, prends pitié de ma longue misère!

Inegavelmente, Baudelaire continuava a ser o maior poeta francês. (...) Mallarmé também nos viveu dentro do coração, porque abandonara o Parnasianismo para tornar-se um dos mais fervorosos sectários do Simbolismo.

Não poderemos negar que a maior influência nos veios de Portugal, como João Barreira, Eugênio de Castro, e Antônio Nobre. João Barreira havia publicado um livrinho de prosa, Gouaches, que impressionou vivamente os simbolistas brasileiros. Cruz e Sousa quedou-se encantado com o escritor lusitano. 'Diálogo Outonal', 'Monólogo de um Crânio', 'A Rosácea da Capela Gótica' eram repetidos como salmos da nova orientação literária. Grande impressão deixara em todos nós as poesias de Antônio Nobre, do livro . Repetíamos frequentemente os lindos versos do infeliz poeta lusíada, como expressões bíblicas do nosso ritual: 'Males de Anto', sonetos, elegias, brotavam-nos da alma como as águas das fontes. Antônio Nobre foi inegavelmente um dos maiores líricos, verdadeiro messias, como lhe chamou Alberto d'Oliveira. Tivemos sempre conosco Eugênio de Castro, poderoso poeta: Oaristos, Belkiss, Sagramor, Salomé, contêm o mesmo ousio literário do mestre português. (...) Também ganhamos na preciosa colheita o gênio de Guerra Junqueiro, que com Os Simples nos deu força e propulsão para o canto das nossas tendências espirituais. Arrebanhamos mais poetas e escritores lusitanos. Cesário Verde, que não foi simbolista; Teixeira de Pascoais, criador do Saudosismo; Raul de Brandão, que publicara a História de um Palhaço e a Farsa."

(In: Panorama do Movimento Simbolista. Vol. 2. Andrade Muricy, Páginas 686-687) 
  
Somente como curiosidade, o verso citado por Austragésilo é do poema "Litanias de Satã" - um dos mais célebres das Flores do Mal, de Baudelaire. A tradução de Ivan Junqueira para tal trecho é:

Tem piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!

Aliás, a tradução de Ivan Junqueira para a obra de Baudelaire é, na opinião do blogueiro, a melhor disponível. Encontra-se em edição bi-lingue pela "Nova Fronteira", contando com um estudo muito interessante acerca de vários pontos da obra e da vida do francês.

Abraços,
Cardoso Tardelli



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Sugestões de Leitura - Parte IX

Caros leitores do Sacrário das Plangências, dando continuidade às tradicionais postagens deste blog, faço a nona parte das sugestões de leitura, que, desta vez, trará também um livro de ciências sociais e antropologia, mas que engloba muito do contexto histórico do clima do fim do Século XIX, no qual o Decadentismo e o Simbolismo surgiram.

SUGESTÕES:
JOÃO DA CRUZ E SOUSA Últimos Sonetos. Coleção Repertório. Editora UFSC, 1ª Edição: Florianópolis, 2011

É um grande alento que se tenha lançado uma nova, e boa, edição de um dos clássicos da poesia brasileira. "Últimos Sonetos", um dos livros lançados do simbolista Cruz e Sousa postumamente lançados por Nestor Vítor, é talvez um dos grandes tesouros do engenho poético que o estilo simbolista produziu na poesia mundial (assim como o "Faróis" e o "Evocações", absolutamente os seus melhores livros). Contendo poemas que, para alguns críticos, poderiam ser "dos mais belos de todo o idioma", apresenta a sofridão e a esperança de um poeta negro renegado por uma sociedade que, apesar de liberta da escravidão, continha na mentalidade a mais vil escravatura. E não somente isso: a opção por um simbolismo de transcendência causou a Cruz e Sousa uma incompreensão, visto que à sua época o determinismo, o cientificismo e o niilismo eram leis absolutas, sem variáveis ou argumentos contrários. Os 96 sonetos apresentam uma musicalidade que marcou época, e uma visão de mundo única, e sobre a qual os contemporâneos movimentos negros não se debruçaram de maneira satisfatória ainda.

LILIA MORITZ SCHWARCZ - O Espetáculo das Raças - Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil (1870-1930). Companhia das Letras. 1ª Edição, 9ª Reimpressão: São Paulo, 2010. 288 páginas. 
  
Recomendar um livro de Cruz e Sousa ao mesmo tempo que o "Espetáculo das Raças" não é por acaso. Nesta fabulosa obra, vemos o que o cientificismo e o determinismo podem (e não devem) constituir como lei natural, Schwarcz mostra-nos um período de eferverscência intelectual na Europa e no Brasil, seja por meio da criação dos vários Museus, seja por meio das várias teses deterministas, evolucionistas (eis que surge, pois, Darwin)... o que se percebe é que, apesar das Letras ainda estarem em plena atuação, as ciências biológicas e a antropologia (que, na época, se referia à frenologia - ou seja, à medição do crânio e, por conseguinte, das virtudes e defeitos das pessoas, derivando  personagens célebres, como o criminologista italiano Lombroso - e aos estudos do ambiente e impendimentos que ele traz a um povo - além de, claro, às teses racistas) eram maioria até mesmo nas Faculdades de Direito. Os grandes pensadores da época eram os "homens de sciencia", e os primitivos, inferiores, de maneira irrevogável, vejam só, eram os não adaptados aos modos da civilização europeia. Àquela época se discutia desde o risco da miscigenação (com argumentos dos mais absurdos, como, por exemplo, o de que uma mula é estéril, portanto, os mulatos também seriam, causando risco à humanidade). E, acerca de Cruz e Sousa, o que convém dizer? Para os pensadores da época, negros estavam, por inferioridade intelectual, destinados ao trabalho rude, braçal. E eis que a figura do intelectualíssimo Cruz e Sousa fulge como um dardo no âmago dessa sociedade de mesquinharia científica.

GEORGE GORDON BYRON - As Trevas e Outros Poemas. Clássicos Saraiva. Vários Tradutores. Editora Saraiva. 1ª Edição, 2007. 112 páginas.

Lorde Byron, como sabido, é um dos mais influentes autores de todos os tempos. Talvez não o melhor Romântico, tendo em vista que o seu movimento continha Goethe, Keats, Victor Hugo, entre outros, mas, com certeza, foi o autor que instituiu uma era - a era byroniana, da qual derivou-se, por exemplo, grande parte dos autores do brasiliano Romantismo. À sombra de seus clássicos "Versos Escritos sobre uma Taça de Crânio Humano" surgem vários grandiosos poemas, entre os quais "As Trevas", poema de versos livres que muito fez fama no Brasil. A edição da "Clássicos Saraiva" traz uma comparação entre algumas das várias traduções disponíveis de Byron para o Português, trabalhando na linguagem eternizada pelo autor. Sendo uma edição mais focada ao perfil didático,  não só é de absoluta serventia àqueles que pretendem trabalhar o Romantismo Inglês nas escolas - mas também àqueles que têm como curiosidade encontrar algumas outras traduções do Don Juan britânico.



Boa Leitura!

Abraços,
Cardoso Tardelli