sábado, 3 de julho de 2010

O Poeta, o Homem e a Lenda - Parte I

Caros leitores do Sacrário das Plangências, não estranhem o título deste post. Não falarei de um poeta, somente, nem só sobre de poetas de um estilo. Mas falarei de alguns poetas idealizados pelos seus leitores, que veem, em sua poesia, um reflexo do homem que a escrevia.

Soa muito natural, inclusive para mim, falar: "Uma poesia reflete a pessoa que a escreve e suas ânsias". Porém, todos sabemos que, durante anos, muitos escreviam baseados em estilos prefixados por uma escola literária, não somente estruturalmente, mas temáticamente. Naturalmente inclinados, então, ficavam os poetas aos temas trabalhados pelas Escolas Literárias.
Obviamente, por exemplo, o Romantismo Brasileiro foi diferente do Europeu, mesmo na Segunda Geração - que por mais influência de Byron, tinha em Álvares de Azevedo um Irônico e Sarcástico, na segunda parte da Lira dos Vinte Anos; tinha em Fagundes Varella um defensor da tão nova nação, com uma poesia já despontando para o condoreirismo de Castro Alves, e também com uma poética religiosa; tinha em Casimiro de Abreu um cantor da pátria, da infância e, poucas vezes, da morte.

Na segunda geração do Romantismo, criou-se mitos sobre os poetas, principalmente sobre um, o único Romântico que se iguala a Castro Alves em qualidade lírica - nas obras que julgadas ótimas são -, porém não tão reconhecido por ter o estériotipo de um Romântico Byrioniano: Álvares de Azevedo.

Utilizando como fonte e bibliografia cartas de Azevedo, o livro Formação Histórica de São Paulo, de Richard Morse (Difusão Europeia do Livro, 1970), e a própria obra de Maneco - como era conhecido por alguns o poeta - podemos nos desprender da imagem que por muito tempo foi moldada.
Analisar-se-á, em primeiro lugar, a cidade de São Paulo da metáde do Século XIX e a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco. Para tal, o livro de Richard Morse é de serventia sublime.

São Paulo tudo deve a Academia de Direito do Largo do São Francisco. Segundo Morse, "O período de 1830 a 1845 representa esquematicamente uma época de indecisão, de irrealização, de mal-estar, de possíveis promessas futuras. Continuavam ativos os catalisadores da década de 1820. A Academia de Direito se firmava, embora declinassem as matrículas (...)". O fato, segundo ele, é que estava havendo um "mal-estar pós-colonial" na cidade de São Paulo. Com a chegada da Academia de Direito, jornais começaram a circular na cidade, assim como um número de estudantes de várias regiões do Brasil migravam à São Paulo em busca do estudo de Direito. Com isso, a antes Colonial São Paulo, tornou-se, pouco a pouco, uma cidade com a fremência concentrada no "triângulo do centro": Sé, Largo do São Francisco, Largo São Bento. (MORSE, 1970). O que era antes uma cidade meramente tediosa, colonial, tornou-se uma cidade estudantil.

Para dados meramente biográficos, Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em 12 de Setembro de 1831, filho de um aluno do terceiro ano da Academia de Direito do Largo do São Francisco.
Sabe-se que Maneco perdeu prematuramente a sua irmã, cuja ligação afetiva do poeta era grande, o que lhe inspirou, provavelmente, o poema "Anjinho", da primeira parte da Lira dos Vinte Anos.


Começa-se, então, a partir de leituras de cartas, a construção do homem Mito que Azevedo tornaria-se. Uma das clássicas cartas é a do diretor da Escola que Maneco estudava, nela, o mandatário da escola diz que: "Ele reúne... a maior inocência de costumes à mais vasta capacidade intelectual que já encontrei na América em um menino da sua idade." (MORSE, 1970).

Inegavelmente, Álvares de Azevedo era culto e de capacidade extraordinária. Com menos de 10 anos, segundo Morse, já redigia cartas em Inglês e Frances com facilidade. E quando estudou no Rio de Janeiro, no ano de 1844, - na impossibilidade de cursar Direito em São Paulo pela sua pouca idade -, onde sua família morava, estudou filosofia com Domingos Gonçalves de Magalhães, que foi o percursor do Romantismo no Brasil - com seus Suspiros Poéticos, de 1836.
Em 1848, Azevedo, finalmente, matriculou-se na Academia de Direito de São Paulo. E é nessa época, que foi a época de sua produção poética, em que criou-se a imagem do casto Álvares de Azevedo, tão passada na primeira e segunda partes da Lira dos Vinte Anos.

Lendo suas cartas, porém, vemos um Manuel Antônio, e não somente o poeta. Utilizar-se-á o ótimo artigo encontrado no site: http://www.filologia.org.br/anais/anais%20III%20CNLF%2026.html#_ftnref - como fonte de algumas cartas (e também de dados), que são somente encontradas em Obras Completas de Álvares de Azevedo, muito raras, porém.

Vamos a uma parte duma carta do poeta:


"No dia 11 aqui houve o baile Acadêmico[...]. Fui ao baile - porém não dancei nem conversei com Madama nenhuma, porém achei e vi.
A Condessa de Iguaçu e a Belisária eram as rainhas do Baile. [...] A Bella tinha o vestido cinzento que lhe fazia uma cinturinha de Sílfide. No colo numa volta só lhe corria o colar de finíssimas, digo grossíssimas pérolas. Não havia dizer as pérolas aí eram o enfeite ou o enfeitado. A Belisária não vão lá entender que estava mal vestida [...]. O seu vestido era de finíssima fazenda branca toda bordada de flores de seda verde era ela a rainha indiscutível , a senhora soberana, a sultana soberba ante a qual as outras todas eram múmias, odaliscas, sombras de uma beleza sem par, era a rosa sobressaindo entre os lírios e violetas. (...)."


A Ironia e Sarcasmo tão latentes na segunda parte da Lira dos Vinte Anos, aqui ficam evidentes. No trocadílho "finíssimas pérolas" por "grossíssimas", nota-se, inclusive, uma rejeição de Maneco ao vestuário acadêmico e típico da época. O fato é que, em várias cartas, Azevedo deixava claro que São Paulo era a terra do tédio, não do furor acadêmico e juvenil.

Numa das cartas - já em suas férias no Rio de Janeiro - moldou-se uma das imagens mais românticas de Maneco: "Há uma única coisa que me pudesse dar hoje o alento que me morre. Que me morre... - disse eu; não creias que minto. Todos aqui me estranham este ano o taciturno da vida e o peso da distração que me assombra. O meu viver solitário, só no meu quarto, o mais das vezes lendo sem ler, escrevendo sem ver o que escrevo, cismando sem saber o que cismo... (1 de Março de 1850)" (MORSE, 1970).


Contudo, em cartas à sua mãe, Azevedo ironizava as jovens que diziam o português errado, como um irritante "'prôque' ". A sua irmã e mãe, tão afagadas nas poesias, não poupadas foram das cartas de Álvares de Azevedo. Reclamava ele em algumas da preguiça de sua irmã para os estudos.

Soa estranho, com certeza, aos ouvidos das pessoas acostumadas a ouvir os versos de amor e endeusamento aos arcanjos, serafins e musas pálidas, com um tom de ingenuidade jamais atingido por outro poeta nesta terra (note-se que a questão aqui não é inocência, infância e certa dose de lascividade, pois nesse quesito no Romantismo, o poeta fluminense Casimiro de Abreu foi insuperável - mesmo com os escândalos dos críticos e parnasianos), ler ironias, sarcasmos dum poeta por tantos anos julgado como casto.

Se ele participou da Sociedade Epicureia, é um mistério, mesmo por sua debilitada condição física. (A Sociedade Epicureia, resumidamente, reunia alunos da Academia de Direito do Largo do São Francisco, cujo lema era seguir a Filosofia de Epicuro, filósofo grego do período helenístico, que defendia a ausência de dor na vida e a aproximação ao prazer. Poucas informações dessa Sociedade, porém, existem. Sabe-se que os participantes auto-proclamavam-se personagens de Byron em reuniões. Muitas lendas, inclusive de necrofilia e roubos de corpos, foram encorpadas a essa sociedade. A prudência e discernimento são os maiores aliados do leitor quando o assunto é o Romantismo e Poesia Brasileira).

Uma conclusão a este post: Álvares de Azevedo foi o maior representante da Segunda Geração do Romantismo, na qual eu não gosto de chamar de Byroniana - que, por mais influência que tenha tido do bardo Inglês, não o imitava e tinha temáticas singelas em certos pontos de sua poética. Foi um dos maiores poetas brasileiros. Esses são fatos inegáveis e inexoráveis.

Porém, a imagem que se criou em cima de uma Cultura Gótica (um post que eu farei em breve), em cima de um endeusamento Romântico de nosso Manuel Antônio Álvares de Azevedo, além de não ser correta, não é necessária.

Uma leitura necessária é o próprio reconhecimento de Álvares de Azevedo sobre a diferença do Poeta e o Homem. Essa leitura encontra-se no prefácio da segunda parte da Lira dos Vinte Anos, facilmente encontrada na internet, por ser domínio público.

Mais nobre para um poeta saber que seus defeitos de homem foram relatados, do que seus méritos de poeta foram pelas gerações, tão-somente, confundidos com a sua pessoa. Dividir-se-á, o Poeta e o Homem. Podemos excluir a Lenda.

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