quarta-feira, 9 de maio de 2012

Sobre a Necessidade de uma Vanguarda

Caros leitores do Sacrário das Plangências, vejo esta postagem como uma das essenciais desse mês. Todos nós sabemos que, atualmente, vivemos numa época em que não há nenhum estilo artístico, principalmente literário, para o qual define-se um adjetivo vanguardista. Os prováveis motivos desse panorama podem ser encontrados nos acontecimentos posteriores à Vanguarda Modernista (no foco somente artístico) até na cientificação de nossa sociedade (no foco social).
Mas como, afinal, uma vanguarda serviria para volver aos artistas, principalmente literários, o tal de "direito de cidade", tão citado por Nestor Vítor, quando se referia aos direitos de opinião na Sociedade dos Parnasianos? Como um artista, diante da valorização de sua obra, teria de se posicionar ante a própria arte?

Nos dias atuais, a Poesia Contemporânea vive dias de pobre valorização, talvez por, de fato, ter pouco de conciso e bom para mostrar. Não obstante a maior produção de poesia - mesmo que não seja tratando-a como Ofício -, muitos poetas ficam esparsos, sem conhecimento um dos outros, e sem realizar o que eu creio que seja o essencial para uma obra artística - desenvolvê-la antes de mostrá-la ao público. Quando há a ideia de uma vanguarda, há, evidentemente, a ideia de uma linha estética parecida, mas também de um desenvolvimento temático pessoal (poucos souberam fazer essa divisão como o Simbolismo, utilizando-se, em muitas vezes, de uma estética clássica, mas, tematicamente, sendo personalíssimo, apesar de hermético). Enumerarei os pontos que justificam o desenvolvimento de uma vanguarda nos contemporâneos dias, mesmo que muitos creiam mais em coisas excludentes das Vanguardas, e não do desenvolvimento que a variação de estilos traz à arte.

I - Valorização do Artista para com o próprio Artista e a Valorização Consequente para com o Leitor:

Para ocorrer quaisquer que sejam os objetivos de uma vanguarda, é impossível que não ocorram dois tipos de valorização: a do artista valorizando-se e, por consequência, a do leitor valorizando a posição de artista do referido. Nos dias atuais, com a figura empobrecida, de mero rebelde juvenil, que o artista tem, nem sequer o artista se valoriza nem sequer consegue a valorização do público. Em outras postagens neste blog discorri sobre o assunto da erudição que um autor necessita para ter uma boa obra - e também para obter o respeito do público. Creio que vivemos numa época em que a grande parte da leitura das pessoas limita-se do Século XX para os recentes mais-vendidos. Gêneros, como a Poesia, passam quase despercebidos - com a exceção de autores como Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, que, se não têm realmente os seus livros lidos, têm os seus nomes lembrados por serem extremamente citados em situações do cotidiano estudantil, como provas e vestibular -, e mesmo aquelas pessoas que julgam-se leitoras, cada vez mais, leem menos, muito pelo tempo limitado, muito pela utopia de leitura que a internet nos concede. Um Artista com porte de Artista - e que valoriza-se como tal e é valorizado em seu meio, meio que também é valorizado - é, por consequência, mais cedo ou mais tarde lido e reconhecido.

II - Reunião dos Artistas num mesmo Meio de Comunicação:

Se lembrarmos dos movimentos artísticos do passado, lembraremos dos veículos por meio dos quais era-se possível fazer a divulgação dos Ideais de cada vanguarda, apesar do comum caráter efêmero desses veículos. Hoje, com raríssimas exceções, não temos sequer jornais divulgadores de cultura e que também contenham uma crítica (nem sequer um site realmente compartilhado e divulgado). Por intermédio de um veículo impresso - ou até por um site maior na internet - os artistas que comungam de um mesmo Ideal de arte publicariam algumas de suas obras num mesmo veículo, além de também publicar novas ideias, estéticas e análises. Se é para existir uma vanguarda, é óbvio que num meio de comunicação essa vanguarda tem de ser entendida e lida, pois é muita ingenuidade crer num movimento sem uma divulgação.

III - O Renascimento da Crítica:


À época do movimento Romântico, havia um grande incômodo pairando em cartas dos escritores, totalmente justificado, aliás, diante dos autores que apareciam: não havia uma crítica realmente séria, avaliativa, que pudesse separar os futuros grandes escritores dos famosos "Poetas de um Poema Só" (lembrem que muitas obras eram publicaras em folhetins, pouco a pouco, fazendo com que alguns poetas atingissem fama repentina - e esquecimento também). Quase todos os artistas daquela época, de Álvares de Azevedo a Bernardo Guimarães, passando por um jovial Machado de Assis, esboçavam tentativas de críticas, ainda muito pessoais, chegando a serem plenamente vingativas, como as de Bernardo Guimarães, que, sendo um poeta menor que Junqueira Freire, destilou uma série de críticas sarcásticas ao enclausurado poeta baiano. A situação só iria realmente normalizar-se quando o Realismo já era estilo vigente na Prosa (apesar de também ter seus poetas)- e o Parnasianismo o regente dos versos brasileiros, tendo o Brasil como grandes nomes José Veríssimo ("um inimigo do símbolo", como era chamado pelos Simbolistas, pela sua crítica feroz à obra de Cruz e Sousa, mas um dos maiores críticos de sua época), e Araripe Júnior.
Os tempos contemporâneos recebem as águas de uma época de ouro da crítica, em cujo principal nome, Antônio Cândido. "Os outros", como Alfredo Bosi, sempre formam uma corrente forte, respeitada no meio, apesar de terem obras fixas como meio de exposição de opinião, raramente aparecendo em jornais. Essa crítica um dia se vai e até deixará como herança um certo desdém à arte contemporânea, atitude evidenciada pelo Antônio Cândido na FLIP do ano passado, quando confessou que não lê autores novos.
Faz-se necessária, portanto, uma renovação da crítica - um renascimento -, de preferência, com a obtenção de espaços em jornais, já que a crítica cinematográfica e também acerca de outras artes têm espaço nesses veículos. O reinício de uma crítica viria não somente para acrescer ao pensamento humano - mas à própria arte, que inegavelmente tem seus envolvimentos com esse gênero.

IV - Se há Oposição Artística, há Desenvolvimento Artístico:

Grande parte do desenvolvimento artístico da humanidade baseou-se no pressuposto de evolução do que já fora escrito e de evolução do que estava vigente na época. Os manifestos artísticos (e até mesmo obras  artísticas "inaugurais"), esbanjando argumentos contra imposições de um ou outro estilo, formaram grande parte das revoluções temáticas e estéticas, históricamente representativas para um homem que se transfigurava pelos tempos. Após a Vanguarda do Modernismo - genialmente chamada por Mário Chamie de "a vanguarda anti-vanguarda", pela sua característica de grupo unido lutando pela ruptura total e  pelo esquecimento de nomenclaturas -, além de termos entrado num século em que a técnica (ciências, a matemática, os números, etc) imperou, desumanizando o ser humano (quanto mais técnica, menos homem, como defendia Weber).
Tudo isso, aliado à queda do nível da educação no país - e do foco em matérias não referentes às Humanidades -, contribui ao desinteresse pela poesia, pela arte e pela produção e melhoria destas. Inegavelmente, porém, as pessoas que são interessadas por arte não muito hesitariam em lutar por uma arte melhor e representativa do ser humano de nosso tempo - não necessariamente cruamente de nosso tempo, alheia ao ser humano. Ou seja, pessoas para trabalharem sobre a possibilidade de vanguardas existem, sejam de posições diferentes ou não, falta acreditarem na utilidade pós-moderna de tal.

V - Por que Vanguardas, se supostamente pouco há para se dizer de Novo?


Entre os vários argumentos utilizados contra a possibilidade uma vanguarda no contemporâneo é o fato de que não há um Novo e nem a possibilidade de criá-lo. O grande ponto, no caso, é que a maioria dos movimentos artísticos foram recriações de pensamentos antigos, desenvolvimentos pessoais sobre alicerces culturais do ocidente, ou seja, uma eterna revisão do que o ser humano sempre ansiou. Essa repaginação, se pudermos assim chamar, é, em parte, modificada pelo Tempo em que é feita. Noutra parte - pelo sujeito que a pratica. Se formos analisar algumas tendências de arte - não necessariamente definidas - que estão sendo expostas nos nossos dias, poderemos ver que há uma ânsia pelo Novo, mas não, certamente, um sucesso para encontrá-lo. O atingimento da Novidade tem de ser atingido por uma comunhão da Estética e da Temática, sendo a última a essencialidade do que há de ser procurado. O que vemos hoje é um abuso de tentativas de "impressionar" pela primeira-impressão, mas uma fraca tentativa de impressionar pela Arte em lacto-sensu, ou seja, por meio do desenvolvimento da Arte no visualizador.
Há, sim, muito de novo para se falar - caso contrário sequer haveria a continuidade das Artes e o seu nexo de existência, que é necessário por si somente. A busca pelo Novo - e a negação posterior dessa visualização feita por um outro grupo -, talvez, alavancaria minimamente algumas questões culturais que estão estagnadas no Brasil - e que teimam em dormir moribundamente diante da paralisação da alma do próprio ser humano diante de si.

Abraços,
Cardoso Tardelli

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