quarta-feira, 16 de maio de 2012

Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte XIV

Caros leitores do Sacrário das Plangências, dando continuidade ao estudo "Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros", mostrarei mais três "desconhecidos" do movimento, apesar de gozarem de certo prestígio à época em que compuseram grande parte de sua obra.

POETAS SIMBOLISTAS:

Cunha Mendes (1874 - Maranguape - CE - 1934 - São Paulo):

Bacharel pela Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo, advogou no Rio de Janeiro. Pertencente à segunda camada do Simbolismo (menos ortodoxa), colaborou em jornais como O País, Pallium (Curitiba) e o Vera-Cruz (Rio de Janeiro). Dirigiu, na cidade paulistana, a Revista do Brasil.

NOUTE, ABRIGO DOS MAUS...

A Samuel Porto

Noute, abrigo dos maus! Trevas, calmos ensombros
Do covarde, do nu, do triste e do cansado;
Enche d'alma arruinada os sórdidos escombros
Com a mudez funeral de túmulo fechado!

Há muito tempo, arrasto, aflito, sobre os ombros
O castelo fatal  dum sonho delicado:
Sem ser desesperado, eu sinto esses assombros
Do que o peito apunhala e tomba ensanguentado.

Noute sem claro luar! noute sem clara estrela!
O teu vasto pavor de trevas repelentes
D'alma exausta amortalha a soturna procela!

Abriga-me na paz das cerrações noturnas,
Para qu'eu solte, ansiado, os meus vícios frementes:
- À noute, os animais fogem das negras furnas...

(Em Poemas da Carne, de1896)

GLOSSÁRIO:
Ensombro: Coisa que da sombra; Fig: Proteção, abrigo, amparo.
Procela: Tempestade marítima. Por extensão: Agitação extraordinária, tumulto.
Furna: Caverna, antro, cova.

NUMA RARA EXPRESSÃO...

Numa rara expressão de fúnebre martírio,
Com o palor cirial d'imaculado lírio,
Ela - seu doce olhar cismava longamente! -
Dava aos olhos ideais uns vagos tons de poente.

Sob a cruel palidez de funerário círio,
Fermentava o seu triste e soturno delírio!
A dor alto falava, a negra dor ardente
Como que palpitava em seu perfil dolente!

Lentamente, cansado e aflito, aflito e ansioso,
Cravei meu longo olhar nas fúnebres retinas,
Turvas das trevas más d'abismo proceloso...

Nunca mais m'esqueci desse olhar moribundo:
A transbordar de mágoa entre montões de ruínas,
Como aclarando o horror d'esfacelado mundo!

(Em Poemas da Carne, de1896)


Henrique Castriciano (1874 - Macaíba - Rio Grande do Norte - 1947 - Natal):

Iniciou o curso de Direito no Ceará, tendo o terminado no Rio de Janeiro, em 1904. Exerceu cargos públicos no Rio Grande do Norte e na Paraíba. Atingido pela tuberculose precocemente, aos 18 anos, buscou ares que favorecessem a sua saúde, encontrando por fim a Suíça. Retornando ao Brasil, foi fundador da Escola Doméstica, em Natal, com fins de aperfeiçoamento das donas de casa - a primeira criada no Brasil. Além disso, fora o primeiro presidente da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.
Dedicou-lhe Luís da Câmara Cascudo o livro Nosso Amigo Castriciano (1965), que segundo Andrade Muricy, "é de surpreendente riqueza de subsídios biográficos, mas também grandemente revelador da versatilidade excepcional desse intelectual de trato tranquilo e digno".

MONÓLOGO DE UM BISTURI

A Papi Júnior

"Primeiro, o coração. Rasguemo-lo. Suponho
Que esta mulher amou: tudo está indicando
Que morreu por alguém este ser miserando,
Misto de Treva e Sol, de Maldade e de Sonho.

Isso me não comove: adiante! Risonho
Fere, nevado gume! e, ferindo e cortando,
Aço, mostra que tudo é lama e nada, quando
Sobre os homens desaba o Destino medonho...

Fere este braço grego! E as pomas cor de neve!
E as linhas senhoris que a pena não descreve!
E as delicadas mãos que o pó vai dissolver!

Mas poupa o ventre nu, onde repousa um feto:
Por que hás de macular o sono fundo e quieto
Desse verme feliz que morreu sem nascer?"

1902

(Em Vibrações, 1903)

GLOSSÁRIO:.
Pomas: Seios.

NA SOLIDÃO*

A lágrima sem fim, a lágrima pesada,
Que eternamente cai do cimo desta gruta,
Representa algum'alma estranha e desolada,
Que mora a soluçar dentro da rocha bruta...

Esta alma quem será? Não sei! Mistério fundo...
Entretanto eu pressinto alguém, que se debruça,
E baixinho me diz, num gemido profundo:
- Existe um coração na pedra que soluça...

(Em Ruínas, 1895.)

*Estes versos foram escritos, segundo o autor, "numa pedra da gruta da Trincheira, da qual jorra eterno fio de água".

MADRIGAL

Como um cisne ideal que, num lago flutua,
Ia boiando a lua...

Seu ebúrneo clarão, doce como um sorriso,
Lembrava o Paraíso.

As estrelas do Azul e as espumas do Mar
Pareciam sonhar.

Enquanto o coração, sem espinhos e abrolhos,
Apenas vagamente irradiar sentia
Esse etéreo fulgor!
Matava-o de alegria
Não o luar do céu, mas a luz dos teus olhos!

1902

(Em Nosso Amigo Castriciano)

GLOSSÁRIO:
Ebúrneo: De marfim ou da cor de tal.

Orlando Teixeira (1874 - São João da Boa Vista - SP - 1902 - Estação de Sítio, MG):

Morador, principalmente, da cidade do Rio de Janeiro, onde se relacionou nos meios literários, "conquistados pela sua vivacidade e verve, desajudadas por 'sua voz roufenha e um 'físico infeliz'", segundo depoimento de Andrade Muricy, foi jornalista, escritor teatral e poeta. Tinha como musa Violeta (Bebê) Lima e Castro, cantora lírica e declamadora, de grande fama em sua época, mas para quem nunca exigiu a reciprocidade de seu amor. Tuberculoso, escreveu "O Sapo e a Estrela", peça de confissão à sua inspiradora, e partiu para Estação de Sítio, em Minas Gerais, onde já havia morrido Cruz e Sousa. Violeta Lima e Castro havia passado alguns momentos fraternos ao lado de Orlando Teixeira naquela cidade mineira, e, estando ela em turnê europeia, nada restava a ele senão a saudade desses momentos, numa remota esperança de recuperação. Mas veio-lhe a morte, em 25 de Fevereiro de 1902. Orlando escreveu numa época em que o Simbolismo estava no auge de sua vitalidade intelectual, sofrendo grande influência, inclusive de "modismos" como os Satanismos de Baudelaire (como em sua "Oração ao Diabo").

HORAS MORTAS

Oiço uma estranha voz, lá fora... Engano, certo.
Quem, numa noite assim, andará pela rua?
Cada vez mais estranha escuto-a... Já mais perto,
Nítida agora, na minha alma se insinua...

Houve alguém que, ao morrer me deixou num deserto,
Falar-me-á esse alguém?... Essa voz será sua?...
Tu, que o meu coração deixaste em chaga aberto,
Vem de ti essa voz que sobre mim atua?...

E a voz que escuto, a voz que permanece calada;
Abro a porta a pensar como Poe: - Talvez seja
Alguém... Fria e cortante, entre o quarto a rajada.

Lembro-a ainda outra vez. Fora, o silêncio adeja,
E lá fora, até lá, na larga noite, ansiada,
Esta grande saudade intérmina boceja.

(Em Magnificat, 1901, cópia cedida por Violeta Lima de Castro para Andrade Muricy)

ORAÇÃO AO DIABO

A Rafael Pinheiro

Grande deus Satanás, vermelho deus maldito,
Rei do inferno, senhor absoluto da treva;
Espírito que o mal domina e que o ódio leva,
Arrastado após si, pelo eterno infinito.

Grande deus Satanás, minha alma de precito,
Branca de misticismo, à tua alma se eleva,
E reza esta oração cheia de fé, coeva
Da antiga crença azul do boi Ápis, no Egito.

Dizem que se a alma tens de qualquer desgraçado
Em troca tu lhe dás das fortunas o açoite,
E de outros não sei eu que a teu eleito vençam.

Se tanto for mister para que seja amado
Pelos risos bons, a dos olhos da noite,
Grande deus Satanás, lança-me tua bênção.

(Em Magnificat, 1901, cópia cedida por Violeta Lima de Castro para Andrade Muricy)

GLOSSÁRIO:
Coeva: Contemporânea
Ápis: Personificação, em forma singela de animal, de Osíris e Ptah. Representação de divindades numa forma fincada à rústica Terra, portanto, à agricultura, meio essencial de cultivo para a sobrevivência para o Egito.
Mister: Ofício.


Caros leitores do Sacrário das Plangências, finda está aqui a décima quarta parte deste estudo. Lembrando que a fonte é o "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro", de Andrade Muricy, eis-nos na transição da primeira para a segunda fase do Simbolismo no Brasil, já sendo muito mais comum a visualização de versos livres, palavras não tão raras, e hermetismos sutis. A transição para o Modernismo começa a se evidenciar a partir daí, como vemos nesse gráfico, presente no livro citado (lembrando que o Simbolismo era um movimento concomitante ao Parnasianismo, não havendo nesta plaga a transição entre essas duas escolas - mas uma aglutinação por parte dos Simbolistas e rejeição por parte dos Parnasianos): 


Abraços,
Cardoso Tardelli

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