quarta-feira, 2 de maio de 2012

Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte XIII

Caros leitores do Sacrário das Plangências, dando continuidade ao estudo que visa descobrir os Simbolistas brasileiros, eis a décima terceira parte, após uma breve pausa para o foco em outros temas. Sempre é bom lembrar que grande parte dos poemas, além das informações, são retirados do "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro", de Andrade Muricy.

POETAS SIMBOLISTAS:

Tibúrcio de Freitas (? - Baturité - CE - 1918 - Rio de Janeiro):

Membro da primeira leva Simbolista, mesmo não sendo escritor ou poeta, foi participante do grupo mais próximo a Cruz e Sousa - que sempre se reuniam num local chamado O Antro. Amigo de amizade rara do Poeta Negro, junto a Nestor Vítor, Maurício Jubim, e o próprio Cruz e Sousa, realizaram reuniões Simbolistas de decisivo ímpeto para o rumo do estilo. A importância da figura do Simbolista cearense está evidenciada na passagem descrita por N. Vítor, cujo mérito no movimento é mais que inegável e trabalhado: "Todos ouviam o Cruz sem pestanejar, e só louvores manifestavam aos frutos do seu fecundo engenho, cada vez mais fértil, não obstante a insidiosa astenia, que minava em segredo aquela compleição delicada. Apenas o Tibúrcio se permitia a liberdade de sugerir substituições e emendas no emaranhado daqueles louvores. Tendo em grande conta e maior estima a sutileza crítica do seu confidencial amigo, Cruz aceitava e cumpria os reparos, com a mais agradecida naturalidade."
Extremamente ligado à figura de Cruz e Sousa, Tibúrcio, segundo os relatos dos contemporâneos, sentiu a morte do poeta negro como um fim de mundo, um findar da razão de existência. Muito curioso, não obstante a tragédia, o relato do poeta Carlos D. Fernandes, num texto que relatava a chegada do corpo do Cisne Negro em um horse-box, vindo da Estação de Sítio - MG -, morto pouco tempo depois de diagnosticado com tuberculose: "Tibúrcio ficou taciturno por vários dias, como se procurasse neste lapso de tempo um novo rumo para o seu destino. Quando menos se esperou, o decifrador de Corbièrie, o exegeta de Rimbaud, desapareceu do Rio, sem que se soubesse o seu paradeiro."
Sabe-se que ele havia ido para Santa Catarina - terra de seu ídolo -, mas logo voltando para o Rio, onde faleceu em 1918. Segundo Andrade Muricy, "ninguém o conhecia como Cruz e Sousa; e entretanto, este, criador nato de Expressão, não sabia como conciliar a certeza que tinha da superioridade do instinto literário de Tibúrcio de Freitas com a incapacidade deste de realização escrita."

Colatino Barroso (1873 -Vitória - ES - 1931 - Rio de Janeiro):

Simbolista ardoroso, teve os seus estudos em Ciência Jurídicas interrompidos por motivos de enfermidade, levando-o ao funcionalismo público e, consequentemente, à transferência para o Rio de Janeiro. Participou das revistas Tebaida e a Revista de Arte e Filosofia. Foi, segundo Andrade Muricy, um conferencista brilhante, principalmente após um longo período de convivência com artistas plásticos na Escola Nacional de Belas-Artes. Sempre escreveu em prosa poética ou prosa poemática, sendo mais um dos casos, assim como o de Raul Pompeia, a ter o seu Símbolo alicerçado em imagens esparsas não em versos, mas numa obra de cunho "visualista invulgar".

O SOL TEM A TRÁGICA BELEZA...

O sol tem a trágica beleza de um martírio, a luzir por entre laivos de sangue.
O poente fulge como uma maravilhosa e sagrada cidade de Sonho; nuvens formam-lhe colunatas e pórfiros e d'ouro, acidentadas cúpulas e torres alvacentas; abrem-se largas perspectivas de terraços e escadarias sobre fortes muros graníticos de montanhas. Aprumado, hirto, ergue-se um escalvado monte. O sol agoniza sobre esse Calvário.
Parece que a rocha iluminada sangra. Dir-se-ia que a pedra, humanizada, geme, à luz divina de uma transfiguração. Águas que se derivam são como prantos, redimindo a terra, negra como o pecado. Como a dor angustiosa do sol faz sofrer todas as mil almas dispersas da Natureza!
Desce, qual espesso velário, a sombra da noite. Como que o fumo de mil turíbulos se adensa no ar cinéreo. Vão-se acendendo os esplêndidos ciriais do céu.
A água tem falas mansas de lábios múrmuros numa prece.
Senti como aquele tronco fléxil que sobre a água se debruça é agora dolente, chopiniano! Parece que ele acorda na água do rio, como num maravilhoso teclado, uma sonata soluçante de mágoas! Dir-se-ia que a água, espiritualizada, chora! Toda ela bibra, sentindo o contato dos ramos dessa árvore, como sob a pressão de inquietas mãos nervosas. Passam pela voz das águas soluços, estrangulamentos de gemidos. O rio flui suspiroso, numa música de ais, como uma indefinida saudade.
Súbito um raio de sol incide sobre a flecha de um campanário.
Há como uma explosão de claridades. A luz, acesa em brilho intenso, parece metálica: clangorante, tem a fulguração vibrante de um hino.

(Em A Beleza e as Suas Formas de Expressão, 1918)

GLOSSÁRIO:
Laivo: Mancha, nódoa.
Pórfiro: Qualquer mármore que apresenta cristais muito brancos.
Campanário: Parte aberta da torre de uma igreja, onde estão os sinos.
Clangorar: Soar de forma estridente, proclamatória. 

Gonçalo Jacomé (1874 - Barreiros - PE - 1943 - Rio de Janeiro):

Poeta sem estudos completos, tendo abandonado a Escola Militar e, tão somente, obtido um cargo nos Correios, foi um dos vários casos de discípulos do verso de Cruz e Sousa, poeta para o qual dedicou o seu primeiro livro - Felix Culpa -, de 1903. De inspiração católica, perambulou, estéticamente, tanto nos versos ortodoxos quanto nos versos livres, evidenciado pelo seu derradeiro livro Inanis Labor, de 1928. "Vivia modestamente, mas enebriado de poesia", segundo A. Muricy. Em 10 de Novembro de 1943, foi encontrado morto, quando já estava aposentado.

MAGNIFICAT

Aquela a quem relato o meu segredo,
Que de lauréis a fronte me entretece,
Impalpável visão que no rochedo
Dos Prometeus do sonho comparece.

Aquela a quem nas dores intercedo,
Que é toda amor, toda desinteresse,
Dos céus azuis desceu ao meu degredo,
Nas invisíveis asas de uma prece.

Aquela... morrerei serenamente,
Afogado na linfa do meu pranto,
Repetindo o seu nome resplendente.

Aquela... surgirei diante dos seus braços,
Osculando as estrelas do seu manto,
Fora do tempo e fora dos espaços.

(Em Inanis Labor)

FLORES NOTURNAS

Na eterna paz das noites silenciosas
E por onde estrelas glaciais florescem,
Pelas excelsas aras luminosas
Dos céus azuis, brancas neblinas descem.

Cristalinas hosanas langorosas
Na boca dos arcanjos desfalecem.
E num concerto de harpas misteriosas
Lótus de amor pela amplidão fenecem.

Todo o paul da terra se perfuma
E desabrocha no éter e na bruma
A gestação das flores imortais.

E, do mar das angústias e das ânsias,
As nossas almas boiam nas distâncias
Das remotas paragens siderais.

(Em Inanis Labor)

GLOSSÁRIO:
Excelsa: Alto, elevado, sublime.
Ara: Altar.
Paul: Pântano.
Éter: P. extensão: O espaço celeste.
Paragem: Parte do mar acessível à navegação. Local onde alguém pode encontrar-se.

Caros leitores do Sacrário das Plangências, finda está aqui a décima terceira parte, chegando à metade dos poetas ou participantes da primeira geração Simbolista (44 autores). Cada vez mais é evidenciado o quanto foi rico o movimento e também o quanto para além dos inquestionáveis e já internacionais Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Sousa ele caminhou.

Abraços,
Cardoso Tardelli

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