sábado, 18 de fevereiro de 2012

Sonetos - As suas Várias Formas


Caros leitores do Sacrário das Plangências, não venho com esta postagem com o intuito de apresentar a história dos Sonetos de uma forma longa e prolixa, mas somente mostrar a vocês alguns exemplos de que, apesar da forma convencional ser o Soneto Italiano (dois quartetos e dois tercetos, portanto, duas estrofes de quatro versos e duas de três versos), essa parte tão singela da Arte Poética pode ser utilizada de outras formas. A totalidade de versos, em forma básica, chega a quatorze, podendo passar somente nos Sonetos Estrambóticos, chegando, comumente, a dezessete versos.

Somente há de se fazer o esclarecimento acerca de um ponto: o Soneto sempre tem de ser encarado como uma Sonata transfeita em palavras, pois é por meio dessa estrutura que se pode atingir uma musicalidade quase inigualável, unida esta à ligeireza de apresentação de temas, ambas, por padrão, sempre tendo um início, meio e fim esquematizados, portanto, sendo muito semelhante à Sonata Clássica.

SONETO ITALIANO OU PETRÁRQUICO:

Contém dois quartetos (duas estrofes com quatro versos) e dois tercetos (duas estrofes com três versos), sendo a métrica amplamente variada, apesar de muitas vezes Alexandrina Clássica (doze sílabas) ou Arcaica (quatorze versos). No último caso, durante muito tempo, e principalmente no Parnasianismo, usou-se o acento na sexta-sílaba, com o intuito de dar um ritmo a versos tão longos, mas logo percebeu-se que aquela percepção de musicalidade era amplamente falaz, sendo ironicamente apelidado este acento por Cruz e Sousa de "acento escravagista". A rima pode ter várias ordens, podendo apresentar repetição de sílabas em todas as estrofes, para mais que cinco de variações de terminações silábicas, ou até mesmo a ausência total das rimas - que seriam os hoje tão utilizados "Sonetos em Versos Brancos". Como já disse no blog, os versos brancos em Sonetos existem desde Edmund Spenser, no Século XVI, também sendo muito utilizados por Keats, sendo uma falácia total o argumento dos modernistas de que "era uma revolução escrever sonetos em versos brancos no Brasil", mesmo porque o Simbolismo já o fazia.

Exemplo:

ASSIM SEJA! - Cruz e Sousa

Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Dever cumprido!
Nem o mais leve, nem um só gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.

Morre com a alma leal, clarividente,
Da Crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus brandido
Como um gládio soberbo e refulgente.

Vai abrindo sacrário por sacrário
Do teu Sonho no templo imaginário,
Na hora glacial da negra Morte imensa...

Morre com o teu Dever! Na alta confiança
De quem triunfou e sabe que descansa,
Desdenhando de toda a Recompensa!

(Em Últimos Sonetos)

SONETO INGLÊS (OU SHAKESPEARIANO):
Formado por três quartetos e um dístico (estrofe com dois versos), é um estilo de soneto que não é foi tão utilizado na língua Portuguesa, sendo muitos célebres as séries de "Sonetos Ingleses" de Manuel Bandeira. Assim como em qualquer Soneto, o padrão de rimas pode variar - chegando a ser anulado, de quando em quando -, mas, sendo o dístico a finalização da ideia, clarividentemente separada do resto do poema, as rimas da última estrofe são normalmente dísticas (Keats seguiria em seus Sonetos Italianos esse esquema de rima, algo semelhante a ABAB//CDCD//EFE//FGG, variando, não obstante, de acordo com a conveniência que vinha à mente do autor, principalmente nos tercetos e numa provável ligação de rimas com o quarteto). Fernando Pessoa, em suas obras em Inglês, seria um fiel seguidor desse estilo de Soneto.

SONETO INGLÊS Nº2 - MANUEL BANDEIRA

Aceitar o castigo imerecido,
Não por fraqueza, mas por altivez.
No tormento mais fundo o teu gemido
Trocar um grito de ódio a quem o fez.
As delicias da carne e pensamento
Com que o instinto da espécie nos engana
Sobpor ao gênero sentimento
De uma afeição mais simplesmente humana.
Não tremer de esperança nem de espanto,
Nada pedir, nem desejar, senão
A coragem de ser um novo santo
Sem fé num mundo além do mundo. E então,
Morrer sem uma lágrima que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.



SONETO ESTRAMBÓTICO:
Estrambote, por definição, é acrescentamento e também extravagância. Nos Sonetos Estrambóticos, há um acréscimo de um até três versos, normalmente, aos quatorze versos naturais da estrutura de um Soneto. Assim como no caso do Soneto Inglês, os versos finais têm função de terminação de ideia, às vezes de revelação (a Chave-de-Ouro, muitas vezes, pode ser entendida por Sonetos que nada revelam em seus quartetos e só o fazem na última linha; o Simbolismo aperfeiçoou essa técnica, embebendo-se do estilo Romântico, tornando os Sonetos mais "reveladores" do que uma bruma que se desfaz somente nas últimas palavras). Desenvolvido na época de Cervantes, e por este muito utilizado, é uma estrutura muito mais rebelada perante os concernes clássicos do Soneto Italiano do que os Sonetos em verso branco que os Modernistas preferiram no Brasil. Esse tipo de Soneto fez-se muito raro em língua Portuguesa e, infelizmente, pouco pude fugir do clichê de Cervantes para dar o exemplo.


AO TÚMULO DE REI FELIPE EM SEVILHA - MIGUEL DE CERVANTES

Voto a Deus que me espante esta grandeza
e que desse um dobrão por descrevê-la,
por que a quem não surpreende e maravilha
esta máquina insigne e esta riqueza?

Por Jesus Cristo vivo, cada peça
vale mais de um milhão! É uma mancha
que isto não dure em um século, oh grande Sevilha,
Roma triunfante em ânimo e nobreza!

Apostarei que o anima do morto,
por gozar este lugar hoje, tem deixado
a glória onde vive eternamente.

Fora este um valentão e dissera: "É verdadeiro
O que diz você, senhor soldado,
E o se disser o contrário, mente."

E posteriormente, incontinente,
calou o chapéu, requereu a espada,
olhou ao soslaio, foi-se e não teve nada.


Caros leitores do Sacrário das Plangências, se alguns de vocês pesquisarem mais sobre os estilos de Sonetos que existem, encontrarão também uma forma chamada Monostrófica. Em si, a apresentação do Soneto Italiano, em muitos casos da editoração contemporânea, ocorre qual uma única estrofe de quatorze versos, o que é um erro. O Soneto Monostrófico não se difere muito ritmicamente, mas nunca teve, em seu germinar, o intento de ser dividido nas estruturas de quartetos e tercetos. Mas, enfim, creio que mostrei as estruturas diversas dos sonetos, sem muito explorar métrica e envolvimento desta com a rima - esta parte é bem mais singela, longa e complexa, necessitando de um tópico somente para ela.

Abraços,
Cardoso Tardelli

Nenhum comentário:

Postar um comentário