quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte XI

Caros leitores do Sacrário das Plangências, cá seguimos o estudo sobre os Simbolistas brasileiros, aproximando-nos de alguns nomes desconhecidos, mas sobre os quais, na época do movimento, teciam-se os mais louváveis comentários, seja pela forma ou pelo conteúdo, que, muitas vezes, tinham ares de novidade e de renovação.

POETAS SIMBOLISTAS:

Adalberto Guerra Durval (1872 - Porto Alegre - 1947 - Petrópolis - RJ):

Poeta introdutor do verso livre em nossa terra com o seu Palavras que o Vento Leva..., de 1900, cuja edição fora limitadíssima, tem grande parte de sua obra dispersa em jornais e revistas da época. É mais um caso de um poeta que entrou em carreira diplomática (2º Secretário em Roma, transferindo-se depois para Assunção e, posteriormente, Buenos Aires; após ser efetivado como 1º Secretário, perambulou pela Europa). Segundo Andrade Muricy, a sua poesia é precursora do estilo do grupo neo-simbolista do qual participaria Filipe d'Oliveira, Álvaro Moreyra e Eduardo Guimarães, muito por ser um "livre-atirador" na estética simbolista e ter um estilo essencialmente europeu, ligado, principalmente, a Maeterlinck.

SONETO D'OUTONO

Grandes panos grisalhos... Folhas mortas
Nos esqueletos d'árvores d'outono...
A Morte e o Frio andam batendo às portas,
E o Vento ulula como um cão sem dono.

(Pelos outonos, minha Primavera,
Padeço as agonias ambientes,
E há no meu peito alguém que desespera...
- Porque há de haver outonos e poentes!)

Nesta paisagem lívida de esplim
A Alegria expirou dentro de mim;
E o Sol, o loiro Sol do meu país!

Morreu de tédio pelo outono gris...
- Como a nódoa d'azeite que s'espalma,
A Tristeza manchou toda a minh'alma!

(Em Palavras que o Vento Leva...)

GLOSSÁRIO:
Esplim: Spleen, portanto, melancolia, tédio.
Gris: Cinzento corado em azul.
Espalmar: Espalhado, dilatado, distendido.

GRISALHA

Manto griséu de chuvas,
Mantos griséus...
Andam chorando centos de viúvas
Sob estes céus.

Os fios de lágrimas pelos ares
São fios de pérolas em colares.

Gases de névoa brumando os mares...
Névoa, Saudade que s'evapora...

Chove nest'alma, como lá fora.

Dias de cinzas do meu inverno,
Dias agrestes;
Todas as árvores são ciprestes,
E o dia d'hoje é um dia eterno.

Que chuva parda! que gente triste!
Neste crepúsculo ao meio-dia,
Ando penando na nostalgia
Dalguma terra que não existe...

(Em Palavras que o Vento Leva...)

GLOSSÁRIO:
Griséu: Acinzentado

PORQUE O MEU BRAÇO É ENCORDOADO EM MÚSCULOS...

Porque o meu braço é encordoado em músculos
E pareço talhado para a lida,
Ninguém crê nos meus íntimos crepúsculos...
- Vocês não sabem que eu nasci suicida?

E levantei-me cedo e fui viajar...
Por mais que andasse não saí do mundo,
Por mais que andasse, ia comigo, a andar,
A sombra de um desgosto vagamundo.

E para que viajar? O esforço é inútil.
A desventura é a túnica inconsútil.
A carne é dolorosa, a carne é triste.

Uma viagem só, para o Nirvana,
Que nesta longa travessia humana
Vi o avesso de tudo quanto existe!

(Reconstituído de memória por Corintho da Fonseca, que mencionava a publicação em Rua do Olvidor)

GLOSSÁRIO:
Lida: Trabalho
Vagamundo: Vagabundo, portanto, aquele que vaga.
Inconsútil: Feito só de uma peça, sem costuras.


Xavier de Carvalho (1872 - Maranhão (sem informação da cidade de berço) - 1944 - Rio de Janeiro):

Membro das Academias Maranhense e Paraense de Letras, formou-se em Direito em Recife, tornando-se juiz em sua terra natal, preferindo, porém, o magistério de Literatura. Foi chamado ao Amazonas para exercer o cargo de procurador-geral do Estado, ficando ali até 1917, quando transferiu-se para o Pará, eleito juiz substituto. Participou do movimento Simbolista liderando a "Oficina dos Novos", em sua terra natal, tendo como principal livro de seu simbolismo as suas Missas Negras, de 1902, desagradando àqueles que acreditavam que a sua poética iria se encaminhar ao Parnasianismo. Grande parte de sua produção está esparsa em jornais do Maranhão, Pará e Amazonas, para as quais contribuía com seu estro.


PARA TRÁS

Quando um dia eu parti de alegre Ermida
Das minhas puras ilusões da Infância,
Essa alma toda a transpirar fragrância
Nem pressentiu os transes da partida...

Andei... Um dia, a estremecer com ânsia,
Pondo os olhos na estrada percorrida,
Vi meus Sonhos caindo na vencida,
Apagados nas brumas da distância...

E eu quis ir para trás, num doudo assomo...
Oh! mas toda a extensão da estrada incalma
Vi-a entulhada por montões de escombros...

- Queres voltar, meu coração, mas como?
Se tens tantos Vesúvios dentro d'alma
E um minhão de Termópilas nos ombros?

(Em Missas Negras)

GLOSSÁRIO:

Assomo: Estimulação, revelação.
Termópilas: Desfiladeiro da Grécia onde ocorreu o confronto conhecido como "Batalha das Termópilas", que envolvia as forças persas, comandadas por Xerxes, e as forças gregas de várias cidades-estado, comandadas por Leônidas, de Esparta. O contingente grego - cerca de 300 - era inevitavelmente menor, levando à iminente derrota.

NOIVAS MORTAS

Essas que assim se vão, fugindo prestes,
De ao pé dos noivos, carregando-os n'alma,
Amortalhadas de capela e palma
Em demanda dos páramos celestes;

Essas que, sob o horror que a morte espalma,
Vão dormitar à sombra dos ciprestes
Em demanda dos páramos celestes
Amortalhadas de capela e palma;

Essas irão aos céus, de olhos risonhos,
Por entre os Anjos, pelas mãos dos Sonhos,
De asas flaflando em trêmulos arrancos,

De Alvas Grinaldas pelas tranças frouxas,
De olhos pisados e de olheiras roxas,
Todas cobertas de Pecados Brancos.

(Em Missas Negras)

GLOSSÁRIO:
Palma: Figurado: Vitória, glória, triunfo.
Páramo: Planície deserta. Por extensão: a abóboda celeste; o firmamento.
Flaflar: Agitar, soprar brandamente.

Lima Campos (1872 - Rio de Janeiro - 1929 - Rio de Janeiro):

Presente tanto em publicações de suma importância para o movimento (como a Galáxia), também manteve-se presente nos círculos literários do estilo, sendo grande amigo de Gonzaga Duque e Mário Pederneiras. Apesar de ter começado a estudar na Escola Militar, não a completou, abandonando-a no terceiro ano. Escrevia essencialmente em prosa.

A EXPRESSÃO MAIS EXATA...

A expressão mais exata de uma intensa saudade é uma velha casa em ruínas, deserda e muda...
Há na sua quietude e no seu aspecto reminiscente um como que eco, a extinguir-se, do passado...
Dir-se-á  que aquele silêncio, aquele abandono, fala, dali, para a tranquilidade de sepulturas, já cobertas de ervas, em algum recanto longínquo de cemitério...
A lágrima tenta umedecer a pupila e baixa, então, sobre nós, todo um poente triste de apreensões...

(Em Confessor Supremo, 1904)

MATER REGINA!

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Bocas amigas trouxeram a palavra do conforto. Ouvindo-as, Ela olhava, através das janelas, a guache tristonha da tarde, ensombrando os campos e tingindo, suave, as montanhas...
A Cleofás viera - uma que era do Seu sangue - e vendo-A assim, da lividez de um luar nevoento, disse-Lhe conselhos de esperança.
Ela quedou-se olhando-a - as mãos caídas sobre o regaço e a cabeça exposta, brilhando à luz agônica do sol morrente os fios loiros e os fios brancos que eram o oiro que Deus Lhe dera e a prata que o tempo trouxe - absorta, com o aturdimento no olhar e a boca entreaberta; olhando-a sempre, sem ouvi-la, olhando-a, muda, fixa...

(Em Confessor Supremo)

GLOSSÁRIO:
Cleofás: Considerada a tia de Jesus cristo, irmã de Maria (uma que era do Seu sangue)


Caros leitores do Sacrário das Plangências, finda está a décima primeira parte do estudo "Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros". Percebemos que a figura de alguns autores demonstra que a renovação nas letras brasileiras não veio por intermédio dos Modernistas, mas sim pelos Simbolistas (os Sonetos em versos brancos é um desses casos; em si, é ridículo achar que fora uma renovação tal fato, pois tal estilo já era feito na Inglaterra desde o Século XVI, com Edmund Spencer). Independentemente disso, o papel que o Simbolismo teve em nossas letras foi essencial, não à toa o respeito de muitos Modernistas para com o estilo do qual embeberam a liberdade que posteriormente fora deturpada em anti-poesia.

Abraços,
Cardoso Tardelli



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