sexta-feira, 2 de março de 2012

Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte XII

Caros leitores do Sacrário das Plangências, nesta postagem, continuo a fazer as amostragens do nosso movimento Simbolista, tendo como fonte, principalmente, o "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro", de Andrade Muricy. Mostrarei três poetas - sendo um o irmão de Alphonsus de Guimaraens, o tão antes popular Archangelus de Guimaraens -, além do essencial Santa Rita.

POETAS SIMBOLISTAS:

Adolfo Araújo (1872 - Cidade do Serro - MG - 1915 - SP):

Formado em direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, fez-se notar como poeta e orador, ao lado de Alphonsus de Guimaraens e de Severiano de Resende, além de outras personalidades Simbolistas. Teve carreira jornalística, chegando a contribuir para o A Gazeta. Grande polemista e considerado um dos maiores jornalistas de sua época, chegou a causar ódio por suas opiniões, defrontando-se com atentados, como um apunhalamento na Rua 15 de Novembro e uma colocação de dinamite na casa em que residia. Poeta de feitio típico do Simbolismo ortodoxo.

MISERERE REI

Vesti por tua causa o gélido bloco
De ermitão penitente, antítese da mágoa;
E errei de bosque em bosque, e erei de frágua em frágua,
Tateando a solidão tresviado e louco.

A dor afeleou-me os olhos rasos d'água.
A tristeza exauriu-me o alento pouco a pouco;
Mais ainda no meu peito estarrecido e rouco
A tua imagem vejo, acaricio, afago-a.

Morri para esta vida e para os gozos deste
Mundo lodoso e mau, desde que tu morreste
Para o meu coração, sempre à alma junto;

E é só por um castigo atroz que me sujeito
A viver carregando o coração no peito
Como quem carregasse o esquife de um defunto.

(Em A Gazeta, 16 de Maio de 1914)


GLOSSÁRIO:
Afelear: Misturar com fel. amargar.

IN GURGITE

Vai, coração! Levanta as âncoras! Desfralda
As velas! A onda como uma huri de Istambul
Mole se embala e ri num requebro taful
E abre por te acolher o seio de esmeralda.

E se arqueia e soluça; e desfolha a grinalda
De espumas e corais... Vai, marinheiro êxul!
Borrascas - nem sinal. Céu azul, céu azul!
O ar está leve; o vento é manso; o sol escalda.

O sol escalda, o vento é manso, o ar está leve!
E a branca multidão das gaivotas descreve
Giros empós a nau que tão longe passou.

Vai tranquilo e com Deus sem temer mau presságio,
Porque num mar assim não receia o naufrágio
Quem no mar da ilusão tanta vez naufragou!

(De um recorte de revista, oferecido por Murilo Araújo)

GLOSSÁRIO:
Huri: Cada uma das virgens que, segundo o Alcorão, desposarão os muçulmanos no Paraíso; por extensão: mulher de beleza prodigiosa.
Taful: Alegre, elegante, gentil, gracioso.
Êxul: Exilado, desterrado.
Empós: Após, depois.

Santa Rita (1872 - Paranaguá - PR - 1944 - Curitiba):

José Henrique de Santa Rita foi um dos grandes Simbolistas da primeira geração do movimento. Aportando no Rio de Janeiro no início do desbravamento do estilo feito por Cruz e Sousa, Nestor Vítor, Emiliano Perneta, entre outros, aproximou-se deste grupo, sendo, subsequentemente a grande ligação dos movimentos carioca e paranaense. Maior amigo de Emiliano Perneta, chegou a fazer trabalhos de crítica para o Ilusão, obra de Perneta, cuja concepção acompanhou de perto, por ter sido o grande companheiro nos derradeiros momentos do curitibano. Reconhecidamente uma das maiores personalidades do primeiro Simbolismo, chegou a realizar uma conferência em 1923 sobre o seu amigo Cruz e Sousa, e, mesmo com as ideias Modernas batendo à porta da fama, nunca hesitou em escrever em seu singelo estilo.

RETORNO

Voltas de novo rútila e formosa,
Doira o teu riso o peregrino encanto,
Que envenenou esta alma afetuosa,
De atra paixão no seu voraz quebranto.

Dessa mansão ideal e capitosa,
Cujo céu tinha a essência do teu canto,
Venci, sangrando, a estrada dolorosa,
Onde, do Amor apenas tive o pranto.

Fanatizei-me ao ver-te o olhar coberto
Duma névoa de lágrimas tão doce
Como a Santa na agrura de um deserto!

Ora vacilo só, triste e sombrio,
N'atra viuvez do amor que dissipou-se:
A rolar, amargo e turvo como um rio.

(Pallium, Curitiba, ano I, nºIII, Novembro de 1898; pág.2)

GLOSSÁRIO:
Atra: Negra, obscura, lúgubre, infausta, fúnebre, tristonha.
Quebranto: Resultado mórbido do mau-olhado.

A UM LÍRIO MORTO

Desceu da morte a tenebrosa escada,
Calma e pura aos meus olhos se revela
Olavo Bilac

Nesta incerta jornada, em meio da existência,
Ao pungir da atra dor e de rude saudade,
Meu coração, por ti, tão cheio de dolência,
Ajoelha, rezando à extinta mocidade.

Céu piedoso e imortal! quero a tua clemência!
Do teu meigo consolo aspiro a suavidade;
Nas cinzas da paixão inda ficou a ardência
E a palmeira ideal daquela doce idade...

Este luar que inunda o meu triste aposento
Tanto outrora assistiu à expansão do teu beijo
E à loucura febril do nosso amor violento!

De joelhos eu me prostro e mil preces murmuro:
Todo o ar se harmoniza e, ao soluçante arpejo,
Descer a consolar-me, a este planeta escuro.

(Almanaque Paranaense para 1902, pág. 187)


RITUAL

Tudo quanto, no mundo, ora contemplo e indago,
O mistério da Morte e o mistério da Vida,
Reflete ao meu olhar, na limpidez de um lago,
O segredo por que foste à cova descida.

Atra saudade encheu- me o coração pressago.
Quanta pena reflui nesta alma combalida!
Fiz do Passado o templo, em que, chorando, afago
Do teu vulto  de amor a imagem dolorida.

Sob o céu festival da rósea mocidade
Partiste para o Além, tão santa e tão formosa,
Espelhando no olhar infinita piedade.

Ressurgiste, na glória, a ensinar-me os caminhos:
A vida humilde e boa, a Paixão Dolorosa,
E a ventura sem fim que nasce dos espinhos!

(Em Rodrigo Júnior e Alcibíades Plaisant - Antologia Paranaense, pág.222)

Archangelus de Guimaraens (1872 - Ouro Preto - MG - 1934 - Belo Horizonte):

Assim como o seu irmão Alfonso, arcaizou o seu nome para o uso em poesia. Nascido no dia de Natal, teve grande influência da poesia portuguesa e das temáticas cristãs (muito utilizadas também pelo seu irmão). A sua obra foi essencialmente composta no período em que era estudante de Direito, curso que lhe deu a possibilidade de trabalhar como auditor da Força Pública do Estado, com patente de Capitão, sendo posteriormente elevado a major, levando-o a morar em Belo Horizonte. Segundo Alphonsus de Guimaraens Filho, que organizou a edição da poesia de Archangelus, "a popularidade de certos poemas de Archangelus só é equiparável à que tiveram os dos românticos".


CRISTO DE MARFIM

Ao Monsenhor Pinheiro

Talhado no marfim o corpo santo,
Da brancura dos lírios e das rosas,
As rubras chadas que provocam pranto,
Pregadas no madeiro as mãos piedosas...

Contemplo e leio nesse corpo, entanto,
Nessas linhas divinas, harmoniosas,
Todo um poema de amor, canto por canto:
As noites da Judeia silenciosas...

Brandos olhos mais doces que esperanças,
Braços que vieram para erguer crianças,
Como tudo é perfeito e nos contrista!

É que pelo marfim do corpo exangue,
Por essas chagas que não deitam sangue,
A alma passou de um verdadeiro artista!

28 de Abril de 1907

(Em Coroa de Espinhos, 1955)

EN REVENANT...

Morria o som da última quadrilha...
E ela pousou sobre o seu busto leve
A peliça azulada da mantilha,
Como uma flor que receasse a neve...

E essa ave morena de Sevilha,
Essa faïance graciosa e breve,
Em pouco voar para o aconchego deve
Do seu ninho de rendas e escumilha...

Entrou - e agora está deserta a rua.
E não sei quê de lânguido flutua
Por sob a névoa da cidade morta.

Ainda erra pela noite o seu perfume,
E o silêncio acompanha o meu ciúme,
Como um Otelo, a lhe rondar a porta!

(Em Coroa de Espinhos)

GLOSSÁRIO:
Mantilha: Pequeno manto senhoril.
Faïance: Cerâmica.



Caros leitores do Sacrário das Plangências, finda está aqui a décima segunda parte do estudo sobre os simbolistas brasileiros. Seria bem interessante pontuar sobre a arcaização do nome feita por Archangelus de Guimaraens. Basicamente, ela seguia os caminhos feitos por Alphonsus, inclusive perambulando pelo sobrenome-literário "Vimaraens", utilizado e rejeitado, posteriormente, pelos dois. A arcaização do nome demonstra um estado d'alma - posto sempre no passado, mas vivendo às misérias no presente -, uma visão de poesia, não somente um requinte gráfico e sugestivamente pedante (mais provavelmente pedante àqueles que não compreendem o sentido de Poesia e do eu-lírico) para impressionar o leitor, como alguns poderiam pensar.

Abraços,
Cardoso Tardelli

2 comentários:

  1. olá!
    seu blog é muito bom.
    assuntos coesos, enxugados.
    gostei muito daqui e dos assuntos abordados!

    seguindo, e parabéns pelo ótimo trabalho!

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  2. Olá, Davi! Obrigado pelo comentário sobre este espaço! Abraços!

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