sexta-feira, 30 de março de 2012

Um Curioso Caso de Plágio no Romantismo Brasileiro

Caros leitores do Sacrário das Plangências, nesta postagem discorrerei sobre um curioso caso, que não foi o único - mas foi bem representativo -, de plágio envolvendo o poeta de Primaveras, Casimiro de Abreu (1839-1860) e o seu amigo de infância, militar à época do caso, Sílvio Pinto de Magalhães (datas de nascimento e morte não encontradas), também poeta, mas de estro limitado, preferindo, em detrimento do desenvolvimento da personalidade de uma poesia, a cópia da poesia de Casimiro de Abreu.

Em dois casos, Sílvio de Magalhães copiou claramente poemas de Casimiro. Em "Meu Peito", plágio-paródia de "Minh'alma é Triste", obra-prima de Casimiro de Abreu, pouco recebeu atenção. Mas no caso de "Helena", houve um embate por intermédio do Correio Mercantil, jornal no qual os autores tinham direito de publicar os textos e também de debatê-los, inclusive utilizando pseudônimos. O poema original de Casimiro - "Pepita" -, foi claramente utilizado como alicerce tanto estrutural quanto temático, causando uma incomum revolta no sempre brincalhão Casimiro de Abreu. As discussões retiradas do Correio e o próprio poema de Sílvio de Magalhães foram retirados da Obra Completa de Casimiro de Abreu, organizada por Mário Alves de Oliveira (2010, G.Ermakoff).

Eis o poema original de Casimiro, a "Pepita":


PEPITA

A toi! toujours a toi!
V. Hugo

Minh'alma é mundo virge' - ilha perdida -
Em lagos de cristais;
Vem, Pepita, - Colombo dos amores, -
Vem descobri-lo, no país das flores
Sultana reinarás!

Eu serei teu vassalo e teu cativo
Nas terras onde és rei
A sombra dos bambus vem tu ser minha
Teu reinado de amor, doce rainha,
Na lira cantarei.

Minh'alma é como o pombo inda sem penas
Sozinho a pipilar;
- Vem tu, Pepita, visitá-lo ao ninho;
As asas a bater, o passarinho
Contigo irá voar.

Minh'alma é como a rocha toda estéril
Nos plainos do Sarah;
Vem tu - fada de amor - dar-lhe co'a vara...
- Qual do penedo que Moisés tocara
O jorro saltará.

Minh'alma é um livro lindo, encadernado,
Co'as folhas em cetim;
- Vem tu, Pepita, soletrá-lo um dia...
Tem poemas de amor, tem melodia
Em cânticos sem fim!

Minh'alma é o batel prendido à margem
Sem leme, em ócio vil
- Vem soltá-lo, Pepita, e correremos
- Soltas as velas - desprezando remos,
Que o mar é todo anil.

Minh'alma é um jardim oculto em sombras
Co'as flores em botão;
- Vem ser da primavera o sopro louco,
Vem tu, Pepita, bafejar-me um pouco
Que as rosas abrirão.

O mundo em que eu habito tem mais sonhos,
A vida mais prazer;
- Vem, Pepita, das tardes no remanso,
Da rede dos amores no balanço
Comigo adormecer.

Oh! vem! eu sou a flor aberta à noite
Pendida no arrebol!
Dá-me um carinho dessa voz lasciva,
E a flor pendida s'erguerá mais viva
Aos raios desse sol!

Bem vês, sou como a planta que definha
Torrada do calor.
- Dá-me o riso feliz em vez da mágoa...
O lírio morto quer a gota d'água,
- Eu quero o teu amor!

Rio - 1858


Transcrevo então o "Helena" de Sílvio, poema claramente baseado no canto de Casimiro de Abreu.

HELENA

Minh'alma, Helena, foi um dia o canto
Que ouvias no cismas,
Esse canto repleto de doçura
Que dava-te ao sentir meiga ternura
E vida ao teu chorar.

Foi o leve perfume das grinaldas
Das virgens do Senhor;
Minh'alma foi o riso da donzela,
O raio mais formoso de uma estrela
Que estremece de amor.

E os meus sonhos, Helena, tão suaves,
Foram sonhos gentis;
Lindas paisagens de formosas cores,
Vaporosas visões loucas de amores,
Imagens infantis.

Mas essa alma de então perdi de todo
E os meus sonhos também:
Assim se perde na sombria veiga
A tristonha canção da rola meiga
Que chora a dor que tem!

Ah! meu Deus, como a aurora desse tempo
Despertava gentil!
Como doce era a luz da madrugada,
E nos céus das manhãs, donzela amada,
Que poeira d'anil!

---------

Os sonhos que hoje tenho são sem vida,
Já lhes falta dulçor!
- Esmaltes desmaiados de uma outra era,
Lembranças de passada primavera,
De um passado de amor.

Ai! minh'alma de agora é flor crestada,
Abatida a cismar!
Inculta planta de terreno ingrato,
Despida de verdores, n'outro mato
Isolada a murchar!

Só tu, Helena, poderás das viço
À ressecada flor;
À planta inculta conceder verdores,
E aos sonhos desmaiados - vivas cores
E o perdido dulçor.

Vem - depois saberás quanta delícia
Existe no viver!
- Abre as asas gentis, solta os adejos,
Vem trazer-me a ventura nos teus beijos
De encantado poder.

E minh'alma será então a imagem
Do teu mago sorrir!
- Vem, angélica irmã das brancas flores,
Favorita gentil dos meus amores,
Florescer meu porvir.

Sílvio Pinto de Magalhães.
Rio, 1859


Acerca desse poema, Casimiro de Abreu, ao corresponder-se com Francisco do Couto Sousa Júnior,  seu grande amigo, em carta de 19 de Fevereiro de 1859, fez críticas a Sílvio, que posteriormente se expandiriam ao âmbito público:


(Na foto: Casimiro de Abreu - provável última foto do poeta)

"É um defeito do Sílvio copiar muito, porque ele não tem poesia alguma que seja toda sua. Ainda ontem ele publicou no Mercantil uma intitulada - Helena - que é uma cópia da minha - Pepita! - Não sei se tu lembras dela, mas hás de ver que eu tenho razão. Ele imitou tudo: a forma do verso, o número deles, as ideias, e até mesmo o título que é também nome de mulher! - Ora isto é demais, e eu fiquei tão zangado ontem que brandi uma sarabanda que saiu hoje no Mercantil. Não me assinei, e atribuí a - Pepita - a T. de Melo para ele não desconfiar que sou em quem escrevi o tal artigo. Peço-te segredo."

E com o pseudônimo de "Cham", Casimiro de Abreu escreveu uma crítica a Sílvio na segunda página do Correio Mercantil. Ei-la:

"Aos Srs.poetas. Ultimamente tem-se desenvolvido a mania dos moços poetas plagiarem e irem buscar leu bien où ils le trouvent. Ainda hoje (18) uma poesia que vem no Correio Mercantil intitulada Helena assinada pelo senhor Sr. Sílvio P. de Magalhães - é uma imitação demasiadamente aproximada de uma outra que saiu há meses com o título de - Pepita - julgo que do Sr. T. de Mello. Se continuarmos assim, e dois sujeitos publicarem a mesma poesia, qual será o autor - verdadeiro? É preciso pois haver mais cuidado, aliás se aparará a pena do caricaturista. Cham"

No dia seguinte, Sílvio respondeu por meio do mesmo Correio Mercantil:

"Ao Cham. O número de plagiadores está em muito menor proporção que o dos tolos que se metem a sensores."

Casimiro não deixou o ataque de Sílvio barato e respondeu, também um dia depois e no mesmo Correio Mercantil, mas de uma forma mais branda, demonstrando um domínio em situações de controvérsias:

"Plágios e plagiários. Por isso mesmo que não há crítica entre nós é que os meninos se zangam com a menor observação. Em questões literárias não se insulta: - discute-se. Os plágios provam-se. Cham"

O que se leu posteriormente foi uma série de agressões feitas por Sílvio P. de Magalhães, chegando a sugerir um tom pedante na obra original de Casimiro e, além do mais, dizendo que "Cham" o insultou "incivil e covardemente". Casimiro de Abreu tratou logo de repetir a sua opinião sobre as "questões literárias" e tratou de encerrar o assuntou, vendo que, perante a braveza inoperante de seu amigo plagiador, aquela longa discussão não caminharia a lugar algum.

Acontecimentos como esse, não somente envolvendo plágios, mas também discussões sobre a moral de uma obra ou até mesmo a qualidade, eram muito comuns nas páginas de jornais do Século XIX. Com a ausência de críticos, na concepção do ofício de tal, cabia aos autores, que também eram, em sua maioria, jornalistas, fazer o papel de observadores das tendências artísticas da época. Machado de Assis (1839-1908), amigo pessoal de Casimiro de Abreu, exerceu uma grande função de autor-crítico nos jornais cariocas, sendo um dos grandes debatedores de sua época, mas não sendo um fundador (ao contrário do que muitos defendem) do ofício. Aliás, Machado, em suas discussões, cansava-se depois de um tempo, por melhores que fossem os argumentos apresentados por ambos os lados, deixando, em muitas vezes, o seu "oponente" sem resposta.
Foram casos como esses, ricos em vaidades, em discussões, e pobres em observações críticas, que deram, não obstante, o inicial alicerce para o movimento de uma crítica, inclusive com revistas e jornais próprios para tal.

Abraços,
Cardoso Tardelli

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