segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte X

Caros leitores do Sacrário das Plangências, dando continuidade ao estudo sobre o brasiliano Simbolismo, discorrerei sobre três dos mais importantes de nosso movimento - apesar de não terem tido continuidade de nome após o domínio Modernista em nossa literatura. Em um dos casos - o de Silveira Neto - Andrade Muricy (a fonte de nosso estudo, sempre é bom lembrar) colocou, em seu Panorama, dezenove poemas de sua obra, além de vasta biografia, atingindo certa igualdade com Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens e Emiliano Perneta - autores que, aos olhos de Muricy, sempre foram o alicerce do movimento em sua fase ortodoxa.

Silvera Neto (1872 - Morretes - PR - 1942 - Rio de Janeiro):

Dos poetas mais essenciais no Simbolismo brasileiro, além de ser desenhista e pintor, foi um típico torre de marfim, sendo extremamente escapista, tristonho, altivo perante a si mesmo, mas, não obstante, foi um florianista declarado, dando altos brados contra a monarquia, indo de encontro à velha argumentação a que ainda se ouve cujas palavras se baseiam na sentença "O Simbolismo não continha nem poetas envolvidos em política, tampouco poemas tecidos nesse âmbito". Contribuinte do magnífico jornal O Cenáculo, talvez o mais importante jornal do estilo publicado no Brasil, "chegou a causar ciúmes em Cruz e Sousa devido a empolgação de Nestor Vítor pela poesia do jovem Silveira Neto", segundo Andrade Muricy. O seu livro Luar de Hinverno (1901), com o "H" típico do Simbolismo, pois arcaizava o nome, causou um estrondo no estilo, sendo posto ao lado de Alphonsus de Guimaraens como Simbolista em atividade de melhor qualidade pós-Cruz e Sousa, falecido em 1898. Não fugia das temáticas políticas, tampouco das temáticas de perscrutação, sendo, por tal, descrito como um "romântico de bem lavorados versos parnasianos", ou como Nestor Vítor o descreveu, "um Castro Alves que se desesperasse". Após a morte de Emiliano Perneta - o Príncipe das Letras Paranaenses -, em 1921, ocupou a cadeira de nº1 da Academia Paranaense de Letras.

PÓRTICO

Versos - mendigos de mantos reais -
Ide, que vos esperam sete espadas.
Fugi aos olhos d'oiros senhoriais:
Antes a prece aldeã pelas estradas.

Ide arrastar o meu burel de monge;
(Quanta saudade esse burel traduz...)
Se encontrardes o Mundo, tente-o longe,
Porque os seus braços são braços de cruz.

Direis a uns Olhos - Olhos onde a sorte
Pôs meu Ser a rezar, como em altares -
Que me vou de caminho para a Morte.

E a Morte... essa verá, na triste hosana
Do poente roxo que orla os meus olhares,
Como anoitece uma existência humana.

(Em Luar de Hinverno)

GLOSSÁRIO:
Pórtico: Arquitetonicamente: Arcada; Portal.
Burel: Tecido grosso de lã usado por monges, de quando em quando, por luto.
Hosana:  Hino eclesiástico. Fig: Aclamação, louvor.


RÉQUIEM DO OCASO

Alma, põe o teu préstito a caminho,
Que anda por tudo o réquiem do sol-posto

(Do Luar de Hinverno) 

Paramentos de fogo, em molduragem
Do céu da minha terra à Ave-Maria...
Acompanhando o féretro do dia
Pela câmara-ardente da paisagem;

Damasco em chama circundando pelas
Meias-tintas da luz crepuscular;
Pompa de trono viúvo, que as estrelas
Virão, círios da noite, memorar.

Como o soturno badalar das onze,
Tredo, ao pavor da meia-noite leva,
Sois o portal dos túmulos da treva,
Crepúsculos de pérola e de bronze.

Que saudade, sentindo-vos, acorda
Em minha alma, crepúsculo também,
Sombra que um templo de ideais recorda
E na sombra ficou de Pedro Cem.

Brumas do Ocaso! Transição da vida
Para o desconhecido da hora extrema;
É a luz gloriosa, a hipérbole suprema,
No sudário da noite dissolvida.

Poentes que não mudais!
Céu, que é o mesmo de séculos antigos,
Arqueado sobre berços e jazigos
Que vêm e vão nos tempos imortais.

Sois como os espelhos que de um rosto amado
Avaro retivesse a imagem linda:
Ao contemplar-vos eu revejo ainda
O estranho mundo que há no meu passado.

Casa paterna, que não mais voltou.
Flor da inocência aberta no carinho
De um berço, qual nas plúmulas de um ninho
Que em madrigais se alvoroçou.

Infância, áureo folguedo em que, de um salto,
A vida nos desperta para o gozo.
Na graça pura e agreste de um cheiroso
Campo de flores, quando o sol vai alto.

Tempos de moço, em que arvorando o Ideal
Seguimos todos, caravana lesta,
Rompendo a vida, pássaros em festa,
À luz da fé, que é a luz transcendental.

E quando, ó moços, a devesa é longa,
A fulgurar de tanto sonho, a estrada
É como a Via-Láctea desdobrada,
Que a perspectiva do Infinito alonga.

Mocidade! Beleza que embalsama
Um canteiro de rosas onde, a flux,
Como em taças, a arder o sol derrama
O champanha da luz!

Tarde que morre, luz que bruxuleia
Como a de velhas lâmpadas suspensas,
Evocando o rumor de horas imensas
Que nos ficaram, de que a nossa vida é cheia,

Passai de vez; à noite se debruça
Por todo o vosso manto de lilás,
Para que sonhe o pobre que soluça,
E a canseira dos homens durma em paz.

Rio - 1920

(Em Ronda Crepuscular, 1923)

GLOSSÁRIO:
Paramento: Adorno, enfeite.
Féretro: Caixão, esquife.
Tredo: Traiçoeiro, falso.
Pedro Cem: Personagem popular em Portugal, que de fato existiu, mas que se proliferou como fábula no cordel brasileiro e nos poemas comuns ao povo português (muitos Simbolistas tinham raízes e influências de cordel e populares). Contava sobre um rico comerciante que tinha cem naus (daí o nome Pedro Cem, apesar do construtor original ser Pero Docem). Para melhor reger o seu negócio, começou a construir uma Torre perto das barras Douro, em Quinta da Boa Vista, para observar as suas naus. O símbolo a que o poema se refere é sobre a ambição de Pedro Pedrosem da Silva, outro burguês que residiu nessa torre. Burguês, tornou-se pobre e viveu em pobreza, o que ocasionou a lenda de que ele havia desafiado Deus, que o havia punido com a perda de seu status na sociedade.
Avaro: Que tem avareza.
Plúmula: Pena pequena.
Devesa: Alameda que limita um terreno.
Flux: Fluxo; em grande quantidade, em jorros.
Bruxuleia: Brilhar frouxamente ou osciladamente.

ESCOMBROS

Recordam templos de um ardor violento,
Escombros! que saudade os acompanha!
São os profetas do Aniquilamento,
Petrificados numa dor tamanha...

Jazem deuses e ritos - caos poeirento -
Nessa de pedras agonia estranha;
Vasto epitáfio em lúgubre memento,
Das grandezas que a Morte à Vida apanha.

De olhá-los gosto em noite atormentada,
Quando a terra se turba a ouvir, crispada,
Gemer nas ruínas o coral dos ventos.

Lembram-me a dor e todo esse deserto
Que transfiguram da alma o lírio aberto
Numa panóplia de punhais sangrentos...

(Em Luar de Hinverno)

GLOSSÁRIO:
Lúgubre: Fúnebre, funesto, sombrio, obscuro, tristonho, lôbrego.
Memento: No caso, marca que serve para lembrar algo.
Turbar: Revoltar-se; agitar-se.
Crispada: Contraída, encolhida.
Panóplia: Armadura de cavaleiro na Idade Média.

OS PESSEGUEIROS

Ei-lo um vergel (tu dizias)
De pessegueiros em flor,
Aquele tempo, se o vias
Pela esmeralda do amor,

Com que dos sonhos cobrias
Os pessegueiros em flor.

Gorjeavam nele as horas
Desde a alvorada ao sol-pôr,
Pondo um barulho de auroras
Nos pessegueiros em flor,

De madrigais e doloras
Desde a alvorada ao sol-pôr.

E a que sonhavas na fronte
Grinalda branca depor,
Enflorava-te o horizonte
De pessegueiros do amor;

As flores, tinha-as no monte,
Para a grinalda compor.

E era tão linda a grinalda
Que parecia da cor
Dos lírios e da esmeralda
Dos pessegueiros em flor.

Não há montanhas de falda
Florida em tão bela cor.

Mais bela, porém, tu eras,
Purpureada de rubor,
Como a Alvorada de esperas
Às portas d'ouro do Amor.

Mais linda que as primaveras
Dos pessegueiros em flor.

Curitiba - 1908

(Em Ronda Crepuscular)

GLOSSÁRIO:
Vergel: Jardim, pomar.
Madrigal: Composição poética com caráter galante, direcionado às damas.
Falda: Arredores da montanha; sopé.
Rubor: Qualidade de rubro.

Oliveira Gomes (1872 - Rio de Janeiro - 1917 - Rio de Janeiro):

Filho de portugueses não abastados, Oliveira Gomes se destacou muito por sua carreira jornalística no Rio de Janeiro, cidade a que sempre demonstrou uma imensa paixão. Apesar de ter estudado durante pouco tempo em Escolas Regulares, nunca se formou. Contudo, a sua ânsia por leituras o fez um perfeito dominador do idioma, pois, mesmo que não tenha tido se graduado, teve uma leitura muito além da de muitos poetas da época. Seu alicerce cultural, essencialmente, era da cultura portuguesa. Fundou a sociedade "Os Novos" com companheiros de Simbolismo, como Neto Machado, Gustavo Santiago e Emílio Kemp, e lançou a revista Vera-Cruz, cuja importância histórica para o movimento é inegável. Escrevia poemas em prosa, romances, mas somente teve um livro publicado em vida - Terra Dolorosa - em 1899, deixando o jornalismo o consumir totalmente a partir de 1906, mas tendo a serem publicadas várias obras de romance. Mesmo não sendo um boêmio, morreu de tuberculose, muito devido à sua dedicação doentia ao trabalho, fazendo com que pouco comesse e pouco dormisse.

BRUMAS

A Alberto Bramão

Aves fantásticas, aves de cinza, sem cânticos, sem ninhos, sem bater de asas farfalhantes, frias e desoladas, acorrerem por um país azul espalhando nostalgia e tédio...

Lembram aspirações vagas, irrealizáveis, sonhos que se não sonharam bem, gestos de mão engelhadas chamando de longe as quimeras perdidas.

A Morte formou-as talvez do seu hálito nevado e lançou-as para o mundo a enturvá-lo e a afligi-lo.

E vão, e seguem, unidas, silenciosas, asas mortas sobre o azul dos montes e o verde do mar, atrofiando a luz, semeando lágrimas no ar, aves de cinza, aves de morte, aves de maldição!

Sobre as coisas todas cai o peso das suas asas inertes; as grande montanhas não as detêm, o sol não as destrói, e elas vão, azul em fora, caravana fantástica e monstruosa, conduzindo as nostalgias e o tédio. O seu bando é longo e triste como um cortejo de mortos e desfila pesadamente, silenciosamente, num rolar de prantos nebulados que vêm de olhos negros de dor, de olhos anoitecidos na clara manhã do primeiro beijo, do primeiro amor, da primeira alegria.

Imagens de corações que já morreram e não têm um caixão nem uma cova e erram pela vida aos atropelos da multidão, batidos pelos olhares cruéis dos que são felizes e não choram e não sabem apiedar-se...

Imagens dos risos que murcharam e rolaram da jarra de coral duma boca de mulher que amou e foi traída e abandonada...

Imagens dos olhares saudosos das mãos que perderam os olhos e o marido e ficaram a envelhecer sozinhas, sem terem ao seu lado a velhice amiga do esposo nem a mocidade carinhosa dos filhos...

Imagens da mágoa infinita dos que na vida desfraldaram o lábaro das suas aspirações e o viram arrancado das suas mãos e roto e pisado...

Imagens dos nossos dias, das nossas horas torturantes de Artistas, de Sonhadores a quem o destino traçou uma estrada azul e infinita por onde os nossos pés marcham ensanguentados, feridos nas estrelas!...

Brumas! aves de cinza, aves malditas! voai!... voai!...

Para além fulgem estrelas na fuligem da noite. Ide apagá-las, ide enregá-las. Brumas frias, brumas magoadas, sois tristezas de astros que andam a chorar!... Ide, brumas; ide, aves sem cânticos e sem ninho; levais aos astros felizes as lágrimas dos sóis doloridos!

(Em Terra Dolorida)

GLOSSÁRIO:
Lábaro: Bandeira.


Gustavo Santiago (1872 - Rio de Janeiro - 1920 ou 1921 - Rio de Janeiro):


Um poeta "trajando sempre de luto, jaqueta à Barrès, cabeleira de azeviche, sempre e ternamente revolta, à cabela um largo chapéu de lebre, um sombreiro de grandes abas para épater, não mais os burgueses, mas os pássaros agoureiros da mediocridade, lunetas atadas a uma larga fita preta e atrás das quais se encontram dois olhos negros e belos (...)", escreveu o seu contemporâneo Elísio de Carvalho, que também disse que todo o ser de Santiago dava a certeza de que ele era um poeta, sem dúvidas, a quem quer que fosse que o olhasse. Dândi, fervoroso defensor do nefelibatismo, chegava a ter extravagâncias como servir um banquete de violetas temperadas (quais as alfaces são), com azeite e vinagre. Acima de tudo, a persona artística de Santiago impressionou pela qualidade, profundidade e influência. Em sua obra, há um Romantismo perambulante, encantador, cingido aos Símbolos de sua época, para os quais ajoelhava-se em culto. A data de sua morte ainda não foi totalmente esclarecida.

PÁSSAROS BRANCOS

Asas brancas da cor do céu de estranha noite,
A carícia da treva às nervuradas guias,
Ei-los, passam em bando às longes serranias,
O píncaro a buscar, que seguro os acoite.

No escancaro de luz dos outobrinos dias
Um, que, primeiro e aflito, à alvorada se afoite,
Cegue embora! Como um deus que a loucura enoite,
Triunfante surgirá à flor das fantasias.

Pássaros brancos... Ora! a alegria bisonha
Na esperança que dentro o verso traga e exponha,
Cantante como o riso ou quérulo de dor...

Sondai-lhe bem o olhar: nesgas róseas de nuvem,
Descobre-se-lhe nele - almas que então enviúvem -
Todo o pesar de quem sofre penas de amor!

(Em Pássaros Brancos, de 1903)

GLOSSÁRIO:
Píncaro: Cume.
Acoitar: Dar proteção, esconderijo.
Quérulo: Queixoso, plangente, lamentoso.
Nesga: Pequena porção de um espaço.

SÍMBOLO

Eu sei de uma velhinha de cem anos,
Ou talvez mais,
Que ainda tem sonhos, ainda tem ideias,
Ainda se nutre de ilusões e enganos.

Mora no vão de uma floresta,
À beira-rio,
E, seja inverno ou seja estio,
Anda-lhe sempre o coração em festa.

É cega, já não vê, de tanta cousa
Que viu por este mundo.
Nos seus olhos, porém, foi tão gloriosa
A luz , e o seu poder foi tão fecundo,
Que ainda agora,
Naquela noite escura,
A doce criatura
Parece contemplar risonha a aurora.

Na trama de um tecido original,
De pura fantasia,
Trabalha dia a dia,
Sem rival;
E não cai folha ou passa grão de areia,
Que a não sinta desperta trabalhando
No seu tear,
A cantar:
É a aranha a tecer a sua teia,
É a lua sonâmbula sonhando!

(Biblioteca Nacional de Obras Célebres, Vol. XXII, pág. 11.176)


Caros leitores do Sacrário das Plangências, terminada aqui está a décima parte do estudo sobre o brasiliano Simbolismo. Muito pode se questionar sobre o vocabulário utilizado - excêntrico até para a época -, mas para responder a tal fato, a argumentação não-parafraseada do simbolista português Eugênio de Castro, no prefácio de seu Oaristos (1890), pode ser utilizada em farta escala: 2/3 de nossa língua, tão rica, tão vasta, está escondida sobre algum véu escuro de aborrecimento mental, seja por preguiça ou por apelação de clichês. Os simbolistas, como Eugênio de Castro, utilizavam de um grande vocabulário para expandir as suas expressões e as suas próprias percepções de mundo, por meio da verbalização e de seu desenvolvimento.

Abraços,
Cardoso Tardelli

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