domingo, 5 de junho de 2011

O Pecado da Palavra Exata

Caros leitores de o Sacrário das Plangências, escrevo aqui uma postagem com uma temática que já havia sido tratada de uma maneira intrínseca às tópicas de Literatura Contemporânea. Aqui serei, evidentemente, mais especifico - mas também fluindo, de certa forma, às questões de nossa sociedade que me levaram a escrever este tópico. Lembrando, somente para fins de justiça, que as definições de algumas palavras que estão entre aspas e em itálico foram tiradas do Dicionário Aurélio Séc.XXI.

Por muitas vezes já vi literatos, jornalistas e pessoas formadas em Letras, independentemente da área de especialização, criticando o uso de palavras que fujam de nosso Contexto Contemporâneo, ao mesmo tempo que cometem alguns erros inaceitáveis para seus ofícios, como usar a palavra "Ledo", que é um sinônimo de "contente, alegre", como um sinônimo de ingenuidade. E não se trata aqui de se fazer um culto às definições antigas de palavras como "Formidável", cujo sentido obsoleto e muito comum nas poesias do Século XIX era de "perigoso, que inspira terror, terrificante", que se transfigurou para "algo que desperta respeito, colossal". Trata-se esta postagem, na verdade, de um questionamento ao tal Contexto Contemporâneo.

Teoricamente, no Ensino Médio tem-se a leitura de várias escolas literárias, passando por algumas cujo vocabulário nos força idas diversas ao dicionário (se é que a edição sugerida pela escola já não nos concede tais definições). Inclusive o atualmente imaculado Machado de Assis tem um vocabulário complexo, além de trocadilhos que necessitam de um conhecimento mínimo do que se chamada, pelos meios do brasiliano Século XIX, de A Alta Cultura, devido as referências várias aos grandes escritores europeus e brasileiros. Sabendo, então, que esses livros antigos são sugeridos, lidos e sentidos, não fazem parte também, consequentemente, do nosso Contexto Contemporâneo os vocábulos usados nessas obras?

E quando coloco esses vocábulos em nosso tempo contemporâneo, não os coloco necessariamente em conversas corriqueiras, mas em textos cuja necessidade de ampliação do terreno imaginativo seja maior (e não se trata, somente, de textos acadêmicos, como teimam muitos). A arte, que, de qualidade ou não, é presente em nossas vidas, adentra no que me refiro.

Aliás, esse Contexto que estou tentando entender foi pressentido por Andrade Muricy, quando este criticou a tendência da "lei do menor esforço" que via no Século XX, inclusive com o tom melancólico de um presságio de esquecimento do Simbolismo, cujo culto à palavra rara e à palavra exata era gigantesco. Na França e nesse movimento literário, então, coloco meu raciocínio para lembrar de um poeta: Rimbaud.

(Foto: A. Rimbaud, em sua juventude)
Arthur Rimbaud chocou a enebriante Paris do Século XIX com seus poemas anti-clericais e de vocabulário por vezes científicos, por vezes de tamanha precisão na sutil língua Francesa que, para muitos tradutores, fazia que o engenho de suas mãos fosse, muitas vezes, de uma perscrutação pela língua Francesa e pela língua-alvo da tradução, pois Rimbaud, para atingir o ponto exato de seu símbolo, procurava o sinônimo mais rigoroso à imagem de sua mente em dicionários franceses. Inegável é o fato que o poeta francês era um leitor assíduo de dicionários, como testemunhavam seus companheiros de ofício. Nunca, porém, Rimbaud foi chamado de pecador por procurar sinônimos e mais imaginação à poesia francesa. Quando fala-se da procura do autor pela "palavra exata", falamos sobre uma representação em que fulja relativa exatidão do sentimento (não é à toa que há neologismos por várias Escolas Literárias, numa derivação de algumas palavras, para obter essa fidelidade), sendo algo relativo pois as interpretações pelos leitores hão de ser diversas.

Na atualidade o cenário é completamente diferente, o escritor que procurar sinônimos para atingir o máximo de fidelidade ao seu afã é tachado como pedante, no sentido, ironicamente, errado dessa palavra. Se o escritor procurou palavras para se expressar - e as domina - não "se expressa exibindo conhecimentos que não possui", nem é pretensioso, pois não é vaidade, nem ostentação falsa, ser fiel ao que sente no ofício da arte. Caso queiram queixar-se da definição de "uma pessoa livreira", devem se lembrar de que, com certeza, alguém que chama um indivíduo de pedante não pretende ser elogioso.

Ora, a Língua Portuguesa é uma das mais ricas e preciosas do mundo, tendo variações de palavras quase infindas. Além disso, é uma das poucas que têm a possibilidade de comunicação por meio de sentidos exatos os sentimentos mais abstratos (a palavra "Saudade" é um exemplo disso). No entanto, inegavelmente ela está perdendo o brilho quando os próprios supostos defensores da língua a crucificam e a deixam perder o que ela tem de melhor: a sua riqueza. E tendo a proteção dos mais velhos, os jovens da tal, e lamentável, "Geração Y" trocarão, por consequência, o ouro por ouropel.

Preocupa-me o fato de que, com esse olvidar da língua e da leitura, tenha-se uma caminhada maior ainda para a prostração cultural que o nosso país vive, sob aplausos de muitos, e seja ainda maior a Ditadura dos Limites, que impõe, em nosso Contexto, que as Ciências Humanas estão limitadas aos acadêmicos, as Ciências Exatas igualmente, e assim por diante. Não se trata somente de um sistema de escolas eficientes e ensino de qualidade: trata-se de um impulso da sociedade por um culto à cultura. O que vemos hoje é um culto aos que nada detém de cultura na mente e são postos num pedestal, como messias indomáveis de nosso futuro.

O Contexto Contemporâneo do qual estou falando é, exatamente e infelizmente, cercado do véu de moleza que Andrade Muricy previu. Mas o que mais chama a atenção é que, ao mesmo tempo em que há A Lei do Menor Esforço, esta nos traz, com sua fluidez de possibilidades, um acesso muito fácil aos livros e aos dicionários. O que concluo, então, é que há uma Lei do Esforço Menor não somente na área da linguagem, mas em todas que requerem um momento de divagação com o abstracionismo de nossas vidas, mesmo porque a linguagem e a cultura moldam formas pulsantes perante o que é efuso da nossa vivência.

Abraços, Cardoso Tardelli

Um comentário:

  1. Teu olhar tem o corolário científico, mas traz a importancia popular da crítica - teu esforço - que tem relevancia e sinal é valioso, no mais.
    A lingua deve aproveitar suas possibilidades. Pode parecer claudicante ou pedante o apuro por via de dicionários - aos olhos modernos - mas por certo, a crítica tenta vencer o esforço de apuro do texto, com a sabedoria do autor sobre o que ele escreveu.
    Como se ele fosse questionado sobre aquilo que ele produziu: sabes tu o que escreveste, nobre autor? Podes definir a palavra que usaste tal dia? E por aí vai...
    Mas procuremos o apuro na lingua do povo. Não é facil isso em São Paulo - estado eminentemente europeu; mas no nordeste ainda encontrariamos pérolas regionais, que aprimoram muito a linguagem.

    Parabéns por tua postagem.

    Marcelo Portuária

    Visite: alfarrabiosdeoutrora.blogspot.com
    cidadaniadoscapitais.blogspot.com

    ResponderExcluir