quarta-feira, 22 de junho de 2011

"A Moreninha" e a Subscrição: As Auroras do Mercado Editorial Brasileiro

Caros leitores de O Sacrário das Plangências, esta postagem visa findar algumas dúvidas que algumas pessoas talvez tenham em relação ao que podemos nos referir, de uma maneira vaga, de o "Início do Mercado Editorial Brasileiro", mesmo porque seria errado datar tal questão.

O fervor intelectual em que o Brasil vivia nas primeiras décadas do Séc.XIX não encontrava alicerces editoriais próprios, tendo a sua maioria de fontes culturais vindas da Europa. De quando em quando, apareciam livros mal impressos no Rio de Janeiro, sendo toda edição, independentemente da tiragem, custeada pelo autor. O país tinha na figura de Dom Pedro II um grande incentivador da cultura, mas somente sua imponência não bastava para um fulgor maior de nossa auto-suficiência editorial (como exemplo da figura, talvez de influência na divulgação caso a obra fosse do gosto de Pedro II, haviam casos de pequenas tiragens de livros que eram destinados a pessoas queridas do autor e ao Imperador, que, visto atualmente, pode ser considerado um afortunado por ter tido contato com grandes autores e suas obras no nascer-do-sol de suas glórias literárias).

Para se ter uma noção, em Recife, a segunda maior cidade do Brasil naquela época, pelo ano de 1820 não havia sequer uma livraria. Já em meados dessa mesma década no Rio de Janeiro, já havia treze livrarias, se podemos assim chamá-las, pois vendiam diversos itens, desde Missais, livros Políticos até itens totalmente alheios à cultura. Ou seja, o conceito de Livraria como temos hoje não existia mesmo com o crescente interesse por livros e cultura vindo dos estudantes, indo de encontro, consequentemente, com o afã Romântico da época. Não podemos nos esquecer que tendo um número maior de Livrarias e leitores, haverá, por consequência, um número maior de Editoras interessadas em publicar autores nacionais e, também, traduções de internacionais autores, pois tudo estará apontando para um panorama de aumento de interesse pela leitura.

(Foto: F. de Paula Brito)

Um dos grandes responsáveis para uma mudança nesse panorama foi Francisco de Paula Brito (1809-1861). Um "livreiro-editor", como eram chamados, de certa forma pomposa, as pessoas que exerciam essas funções conjuntamente, teve umas das primeiras livrarias dedicadas somente ao ofício de vender livros, estabelecimentos que, por mais necessários fossem para abrandar o afã dos estudantes cariocas por cultura, quase não existiam. Além do mais, em sua livraria havia uma grande reunião dos intelectuais da época, de Machado de Assis (1839-1908) até Casimiro de Abreu (1839-1860), chegando a formar uma sociedade de fato, chamada de Sociedade Petalógica (peta é uma pequena mentira), sendo esta de extrema curiosidade por tratar de temas falazes, como o nome sugere, até de novidades do teatro e da política. (Ubiratan Machado - A Vida Literária no Brasil Durante o Romantismo. Tinta Negra; Rio de Janeiro, 2010).

Paula Brito, como assinava, representou ao mercado editorial, tal qual no mercado livreiro, uma figura de revolução. Como já dito, raríssimas eram as oportunidades de um autor para o lançamento de um livro. Paula Brito mudou esse panorama com um método que se não excluía todas as despesas do autor para com a edição de seu livro, abrandava-as muito (em grande parte dos casos, pois em insucessos editoriais o regime de Subscrição podia jogar o autor à falência e ao esquecimento).
Mas em que, afinal, constituía-se uma Subscrição de um lançamento? Confiava o editor na relativa fama do autor obtida em publicações feitas em folhetins, aceitando os originais sem o pagamento por dinheiro pela publicação no ato. Logo o editor fazia uma lista para que os interessados em comprar aquele livro pagassem adiantado a quantia referente ao custo de uma obra - e dependendo da quantidade de subscrições obtidas, o autor não necessitava financiar sua publicação e o editor tinha lucro antes mesmo da publicação. Esse tipo de prática, então, tornaria-se uma praxe no mercado editorial do Século XIX.

O grande empecilho dessa prática era o custo de algumas obras, além da falta de critério para a obtenção dos preços. Para ter-se o exemplo, As Primaveras (1858), de Casimiro de Abreu, foi lançado por 4$ e, ao mesmo tempo, O Guarani (1857), de José de Alencar (1829-1877) era vendido por 4$000 (quatro mil réis). Tendo uma pequena noção do quanto pesava um livro no bolso de uma família média, usando como fonte o já citado A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo, "o Colégio Vitório, melhor estabelecimento de ensino particular da Corte, cobrava uma mensalidade de 18$ por aluno do primário, em regime de meia pensão (...)".

Como, então, diante de uma sociedade praticamente assolada pelo analfabetismo e pelo desinteresse dos letrados, seja o desdém à literatura ocasionado pelos preços ou não, a efervescência cultural que brotava das livrarias e universidades chegaria a uma vendagem boa?

(Foto: J.M. de Macedo)

Eis que fitamos o livro de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), o célebre A Moreninha, lançado em 1844. Soará estranho a alguns comentar de um livro lançado anos antes dos citados livros de Casimiro de Abreu e de José de Alencar, mas as consequências do livro de Macedo refulgiriam por todo o século, até a chegada do Parnasianismo, quando sua reputação foi desdenhada e toda a sua importância negada.

Para o contexto contemporâneo, o dado de que os livros de Poesia eram mais mais vendidos no Séc.XIX, dentro do que podemos chamar de "mais vendidos", pode causar certo espanto. O primeiro livro de poemas de Machado de Assis, Crisálidas, lançado em 1868, vendeu cerca de 900 exemplares em uma tiragem de 1000, em um ano, o que representava um sucesso de vendas. Para se ter uma noção de como A Moreninha foi um fenômeno de vendas, os 1000 exemplares tradicionais de tiragem para um livro que julgava-se promissor esgotaram-se rapidamente, obrigando editores a consequentes cinco edições em vinte anos, sendo cada uma com tiragens diferentes.
A grande curiosidade é que Macedo mandou seus escravos venderem seus livros na cidade, indo de porta à porta, numa conjunção de temática popular, encontrada no livro, e de evidente esperteza comercial, diante da escassez de livrarias na plaga carioca. Nas posteriores edições do livro de Macedo, o sistema de Subscrição foi usado com empolgação - e abuso de preços - pelos editores. Tal "ação comercial", indo de "porta à porta" com seu produto-cultural, seria repetida por José de Alencar em alguns de seus livros, que também eram muito bem vendidos.

O fato é que A Moreninha foi o primeiro livro de maior qualidade, mesmo que muitos a neguem, a atingir um público maior e, por consequência, atingindo leitores para além do restrito público acadêmico da época. A Academia, porém, não deixaria barato o sucesso comercial da obra de Macedo e a difamaria por meio de jornais, "acusando-a" de ser "uma das publicações mais fáceis de nosso romantismo". Mas o que os Acadêmicos que criticavam a popularidade de A Moreninha não perceberam é que sua publicação obrigou os editores a realizarem reformas na postura em relação à tipografia, que era de baixíssimo nível, fazendo que os textos chegassem aos leitores de maneira medonhamente deturpada quando comparados aos originais.

Tendo o Brasil, naquele momento, livros que eram, inclusive, exportados para Portugal, era inaceitável para editores como Baptiste Luis Garnier (1823-1893), francês que, tal qual Paula Brito, era um "livreiro-editor" e que tinha lembramentos das quase perfeitas tipografias que eram executadas na França. Por consequência, mandava editar algumas obras que publicava na capital francesa e, por lá, manteve um revisor tipográfico brasileiro em Paris para evitar problemas maiores. Faço como ponto de curiosidade que Garnier foi o primeiro editor a pagar 10% sobre o preço-de-capa ao autor, sendo, então, o primeiro editor que, de fato, pagou direitos-autorais a um escritor no Brasil. Lembrando que preço-de-capa é derivado da negociação da editora com a livraria, que, por sua parte, aumentará o preço, na sua venda ao leitor, para a consequente obtenção de lucro.

O Brasil, então, teve nas imagens dos "editores-livreiros" e de seu próprio imperador, além do incentivo movido a queixumes dos autores, certa Aurora do Mercado Editorial Brasileiro, além do início das próprias livrarias do modo como a conhecemos. Temos de ter a consciência de que esse processo foi extremamente lento, com certas falhas, como, por exemplo, a exclusão de obras-primas como Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida (1831-1861), lançado em 1852 e extremamente impopular na época, para alçar à glória livros que seriam vendidos em pequenas bancas e que, na mesma proporção de suas vendas abundantes, seriam esquecidos pelo público ansioso pela leve-cultura, de rasa profundidade. Com a exclusão de grandes gênios, autores hoje eternos - sejam eles eternizados na medalha da Academia Brasileira de Letras ou não -, eis o início da efervescência dos acertos e falhas de nosso contemporâneo contexto brasileiro de aceitação e aclamação dos nossos autores, que, há 160 anos, provavam que não somente o que vinha de Paris tinha qualidade recomendada às mentes aptas a perscrutações.

Abraços, Cardoso Tardelli

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