quarta-feira, 22 de junho de 2011

O Suposto Simbolista na Academia Brasileira de Letras

Poetas,
São tempos malditos
Os tempos em que vivemos...
Em vez de estrofes, há gritos
De desalentos supremos.
Medeiros e Albuquerque - Proclamação Decadente

Caríssimos leitores de o Sacrário das Plangências, não viso nesta postagem fazer um ataque incoerente a uma instituição como a Academia Brasileira de Letras, mas, com o passar dos argumentos, criticá-la pelas escolhas que fitam um cômodo posicionamento em nossa política em detrimento duma luta em favor da evolução de nossas Letras.

Como título deixa evidente, quero evidenciar o único provável Simbolista, ou que, ao menos num suspiro de sentimento, flertou com o movimento iniciado por Charles Baudelaire (1821-1867) que tem uma cadeira na instituição Academia Brasileira de Letras, que, por sua vez, não representa um real laurel aos grandes escritores de nossa nação, pois se o fizesse, Cruz e Sousa (1861-1898) e Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), únicos Simbolistas de fato reconhecidos, não seriam excluídos de tal instituição. Não desdenharei Medeiros e Albuquerque (1867-1934), o autor no tópico em questão, tão menos o colocarei num altar dos deuses da poesia, mesmo que tenha ele tido produções de reconhecimento dignos de eternidade.

(Na foto: J. de C. da Costa de Medeiros e Albuquerque)

Medeiros e Albuquerque teve, queiram os desdenhadores da ABL ou não, uma função essencial na divulgação da poesia Decadentista. Segundo Andrade Muricy, em seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, "Os livros 'decadentes' franceses entraram no Brasil trazidos de Paris por encomenda de Medeiros e Albuquerque, que os passou para Araripe Júnior (...)". Lembremos, sempre e duma maneira incessante, que Araripe Júnior (1848-1911) foi um dos críticos mais vorazes de Cruz e Sousa, mesmo que nele visse alguma poesia para além "dos batuques africanos" e da sensação de "maravilhamento" que Cruz e Sousa, o representante maior da poesia Simbolista de nosso país, sentia a ver a "civilização carioca" num falaz comparar de seus ascendentes africanos, colocando o altivo Cruz e Sousa como um primitivo.

Da leitura dos livros decadentistas parisienses, Medeiros e Albuquerque somente conseguiu florir uma obra com claro feitio Baudelariano, Canções de Decadência, lançado em 1889, do qual um poema transcrevo aqui:

A TEMPESTADE

A Guimarães Passos

Andam por certo na floresta escura
Sátiros ébrios sacudindo os troncos...
Há pavorosos e terríveis roncos
Na goela estéril da montanha dura...

Chove... Desaba catadupas brutas
No dorso negro e funeral da terra...
Chispas rebrilham de medonhas lutas
De mil titãs em temerosa guerra...

A luz estende pelo ar funéreas
Mortalhas brancas de esmaiada tinta;
Dos astros louros e gentis - extinta,
Não brilha a chama nas soidões etéreas.

O mar... o mar alucinado, doudo,
Urra, empolando os vagalhões irados,
Que sobre a praia arremessa a rodo,
Com lastimosos, com plangentes brados.

E há quem agora a tiritar, medroso,
Trema e, de prantos rorejando a prece,
A deus implore que a bonança apresse,
Que se desfaça o temporal iroso!

Oh! não!... Há sempre sob o firmamento
Muito rugido! Muita dor profunda!
Ninguém abafa o perenal lamento
Que em vão de prantos a miséria inunda!

Tu, pois, Tormenta - pra que enfim acabe
Da Dor o negro pesadelo infando -
Vê se, em teus braços colossais a alçando,
Fazes que a Terra com fragor desabe!

Vê se do Nada à solidão sombria
Arrojas tudo com furor insano!
Só mesmo então nessa amplidão vazia
Se há de apagar o sofrimento humano...


Esse poema evidencia tonalidades Simbolistas, muito propriamente pós-românticas. Inegavelmente, foi de importância única toda a obra Canções de Decadência para a divulgação da obra Simbolista entre os que evidenciavam uma postura de enfado com o mero descritivismo feito e cultuado por muitos Parnasianos, mesmo que este movimento não se limitasse a isso. Mas Medeiros e Albuquerque nunca foi, com a exceção ao livro citado, um Simbolista qual Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, para citar os mais célebres.
Medeiros e Albuquerque, inclusive, ficou desconte com sua abordagem Simbolista e recebeu hostilmente as obras dos Simbolistas Brasileiros, tendo assinado numerosos artigos com o pseudônimo de "J. dos Santos".
Albuquerque, o único simbolista com medalha na ABL, tem claro arrependimento de ter um livro com essa tendência, fugindo das temáticas "decadistas" nos posteriores livros. Esse fato tem a ver com a sua escolha para a cadeira nessa instituição? Não podemos esquecer que a Academia Brasileira de Letras foi feita como um alicerce cultural ao regime vidente na época - no caso, a capenga República -, nunca sendo uma base de conhecimento para o povo interessado em ser maior em seu Ser.

O Simbolismo, em muitos casos, não tocava, em sua poética, nos temas Políticos, mesmo porque agir de tal forma era ir de encontro com os princípios da "Torre de Marfim", que é um lugar onde o poeta isola-se castamente-, visualizando os seus Amores acima de si e o tropel de espectros mundanos, ou de Sonhos inalcançáveis, abaixo dessa torre; talvez Ismália, de Alphonsus de Guimaraens, seja um dos casos mais interessantes, num misto de medievalismo e de neo-romantismo. Emiliano Perneta (1866-1921), contrariando a ideia de que os Simbolistas, como cidadãos, cegavam-se às questões públicas, chegou a defender a República no Paraná exatamente no momento em que ela era proclamada no Rio de Janeiro, em 1889, sem o conhecimento natural do eloquente poeta. República, inclusive, que teve o seu Hino composto pelo Medeiros e Albuquerque que está sendo discutido neste tópico.

Inegavelmente, Medeiros e Albuquerque teve uma função inefável à poesia Simbolista brasileira: ora, sem ele, quem saberia supor em qual momento as obras francesas, partindo de Baudelaire, Mallarmé (1842-1898) até Stefan George (1868-1933), chegariam até nós? Não obstante, com a sua recusa de a sua própria semente intelectual plantada no Brasil, qual é a legitimidade de sua convocação ao posto de Eterno por meio da Academia Brasileira de Letras? Soa como um abandono de Machado de Assis (1839-1908) de seu passado romântico, com as devidas proporções, do qual teve um profundamento de sua cultura e temáticas - algo que o escritor fluminense nunca o fez - até chegar ao Realista que é considerado gênio em praticamente todo o mundo.

Ou seja, por mais que haja na ABL um poeta com um livro de temáticas Simbolistas, não há um poeta Simbolista no sentido próprio da vivência poética, pois muitos poetas transfiguravam a poesia como o seu coração terreno, e que, por incrível que pareça, foi moldado em versos em certo arquétipo feito por Medeiros e Albuquerque na Proclamação Decadente, citado no início da postagem, no qual rutila influência da musicalidade de Verlaine (1844-1896) e sua "Arte Poética":

(...)

Que importa a Ideia, contanto
Que vibre a Forma sonora,
Se a Harmonia do canto
Vaga alusão se evapora?

Poetas, eu sei,
Eu sei que, sorrindo,
Zombam de nós os descrentes.
- Deixai! Ao pé desse infindo
Ruir de Ilusões ardentes,

Nós, entre os cantos sagrados,
Que só tu, Poesia! animas,
Passaremos embuçados
Em áureos mantos de rimas!


Diante das atuais escolhas da Academia Brasileira de Letras, há só lamentações para os que amam a poesia Simbolista e lamentam o seu esquecimento na ABL e, por certa consequência, na sociedade letrada. O único lembramento dos "eternos" da Academia de Brasileira Letras ao amplo movimento Simbolista foi declamado por Félix Pacheco (1879-1935), sendo este considerado por Andrade Muricy, qual Manuel Bandeira (1886-1968) - em sua fase inicial - e Cecília Meireles (1901-1964), um Pós-Simbolista. O fato ocorreu em seu Discurso de Recepção, colocado que ele foi escolhido como um membro da ABL, em 14 de Agosto 1913, e foi bem recebido pelos acadêmicos no ato, mas nunca em atos de consagração dos Simbolistas a quem destinava sua defesa. Ou seja, a relembrança dos nomes do Simbolismo ainda depende, única e exclusivamente, do esforço de seus leitores, que poucos são devido à predominância do preconceito sobre a Escola Simbolista, muitas vezes derivadas das leituras malfadadas dos críticos e inimigos primeiros, como notou Andrade Muricy (1895-1984), a quem só coloco as datas de nascimento e morte nesta parte da postagem por um motivo: se há alguém que fez um esforço etereal para do Simbolismo fazer eterno, foi este crítico premiado pela ABL com o prêmio Machado de Assis (ou seja, pelo conjunto da obra) em 1974, mas nunca sendo um terrenalmente-eterno como outros críticos muito inferiores a ele.

Abraços, Cardoso Tardelli

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