quarta-feira, 1 de junho de 2011

Augusto dos Anjos e outros Simbolistas postos em outros Movimentos Literários.

Caros leitores de o Sacrário das Plangências, caso o título tenha causado algum estranhamento, a explicação virá no decorrer do post, que de muita importância tem para evitarmos erros de interpretação.

Augusto dos Anjos (1884-1914), o poeta que está no título deste tópico, é muitas vezes colocado como "nem Parnasiano, nem Simbolista, mas um poeta que plantou as sementes do Modernismo". Muito fácil assim seria denominá-lo - nem um nem outro -, sendo que por um era elogiado e por outro não era totalmente amado. No caso do Parnasianismo, por exemplo, Olavo Bilac chegou, na ocasião de sua morte, dizer que "fez bem de morrer. Não se perde grande coisa". Mas, por exemplo, de Andrade Muricy, cuja especialidade em Simbolismo pouco precisa ser retumbada aqui, ganhou elogios e também as palavras de que "O vocabulário, tomado à ciência e às técnicas, sofria, em suas mãos, um processo de difusão com o sonho e com uma obscura e inconsciente espiritualidade", diferentemente de Augusto de Lima (1858-1934), um parnasiano que também lançava mão do vocabulário científico, mas sem qualquer vulto de alma humana que a acompanhasse, por muitas vezes, tornando-se um exemplo de técnica, mas não de um lancinar versado.
Mas, inegavelmente, Augusto dos Anjos, nascido na Paraíba, detinha uma técnica poética acima de muitos Simbolistas, beirando à perfeição métrica em alguns poemas, evitando enjambements em muitos poemas, que causou dúvida da colocação de Augusto em nossas letras no próprio Andrade Muricy. A divagação que o fez concluir que o paraibano de estro tão intenso era um Simbolista foi do modernista Péricles Eugênio da Silva Ramos: "A posição de Augusto dos Anjos não deve pois comportar muita dúvida, pode ser encaixado em nosso Simbolismo, como, talvez, o último dos decadentes: sua poesia revela-se por vezes repulsiva e profanadora, o que era de sua intenção." (Poesia Simbolista, Péricles E. da Silva Ramos. Pag. 392).

Sendo assim, antes de partir para uma uma explicação da natural confusão que o Parnasianismo, Simbolismo e Pré-Modernismo poderiam causar na mente de alguns contemporâneos, transcrevo um dos sonetos de Augusto dos Anjos descritos como "um dos maiores da língua portuguesa" pelo escritor e teatrólogo Órris Soares, amigo do poeta.

O LAMENTO DAS COISAS

Triste, a escutar pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada
- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que não se realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...

E é em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou chorando,
No rudimentarismo do Desejo!

Quando tínhamos um exemplo como Augusto dos Anjos, que muito prezava pelos sonetos - tal qual os Parnasianos -, havia muita confusão na mentalidade de seus contemporâneos, mas mesmos esses nos forneceram dados para relatar qual a colocação dessa poética que perdurou mesmo pós-movimento Modernista.

A imagem, no caso, é da introdução do livro Panorama do Movimento Simbolista, do já citado Andrade Muricy. Coloquei acima do "Romantismo" ilegível a mesma palavra (informo para não causar estranhamento).


O fato de o Parnasianismo estar com a curva num ponto mais elevado do que o Simbolismo é consequente do prestígio que o movimento de Olavo Bilac tinha em nossas letras. E como bem vemos, ele se inicia antes do movimento de Cruz e Sousa, vivendo, então, o movimento de transição, no ponto temático, da Escola Emocional para a Escola-Rígido-Estética. Não podemos esquecer, porém, de que o Simbolismo é considerado por alguns como uma escola Pós-Romântica (talvez os poetas Simbolistas que melhor representem essa tonalidade Romântica nessa escola sejam Alphonsus de Guimaraens e Emiliano Perneta), bebendo da fonte restante que o Parnasianismo rejeitou na ação famosa do desdém quando da quebra de escolas de vanguarda.
O Simbolismo, além do mais, desse desdém não compartilhou a não ser por meio da retórica pública (panfletos e jornais anti-Parnasianos e contra os excessos Românticos, por exemplo), pois - como já apontado - muitos autores desse movimento tinham temáticas próprias do Simbolistas e estética própria do Parnasianismo. E é nesse contexto que se encaixa a poetisa Francisca Júlia (1870-1920).

Natural do estado de São Paulo, teve uma vida muito pacata com o seu marido na capital paulista, mas sendo muito reconhecida, então, pelos seus livros Mármores (1895) e Esfinges (1903) como uma excepcional poetisa Parnasiana, um erro que seria corrigido por Andrade Muricy. Somente como nota biográfica: Francisca Júlia dizia sempre que "jamais poria o véu de viúva". Pois, então, na manhã seguinte da morte de seu marido, foi encontrada morta por hemorragia cerebral, tendo ocorrido o seu enterro no Cemitério do Araçá exatamente no dia de Finados. Sido o seu falecimento suicídio ou não, sobre seu túmulo foi colocada, no ano de 1933, uma estátua de Vítor Brecheret, denominada de Musa Impassível, que em 2006, por questões de preservação da obra, acabou transferida para a Pinacoteca do Estado.

CREPÚSCULO

Todas as cousas têm o aspecto vago e mudo
Como se as envolvesse uma bruma de incenso;
No alto, uma nuvem, só, num nastro largo e extenso,
Precinta do céu calmo a cariz de veludo.

Tudo: o campo, a montanha, o alto rochedo agudo
Se esfuma numa suave água-tinta... e, suspenso,
Espalha-se no ar, como um nevoeiro denso,
Um tom neutro de cinza empoeirando tudo.

Nest'hora, muita vez, sinto um mole cansaço,
Como que o ar me falta e a força se me esgota...
Som de Angelus, moroso, a rolar pelo espaço...

Neste letargo que, pouco a pouco, me invade,
Avulta, cresce dentro em mim remota
Sombra da minha Dor e da minha Saudade.

Em nada, com a exceção aos tratamentos da palavra, essa poetisa era Parnasiana. Participava, na verdade, do primeiro movimento Simbolista, que muito prezava pelo conteúdo estético (Broquéis, de Cruz e Sousa é uma obra que atesta isso) e, não obstante, dava-nos uma alegoria de imagens sugestivas e sentimentais.

Ao estudo do gráfico de Andrade Muricy voltando, sabendo que lá é colocado que "o movimento de ligação entre o Pós-Romantismo e o Modernismo foi o Simbolismo", tratarei de uma poetisa europeia, que por muitos é considerada Pré-Moderna, mas exala Pós-Romantismo em sua poética: Florbela Espanca (1894-1930).

Muito conhecida no Brasil atualmente, foi uma poetisa que por muito demorou para atingir o público Português e ainda mais o Brasileiro. Sendo uma contemporânea, praticamente, de Fernando Pessoa, um poeta de feições totalmente modernistas, sua poesia não tinha influência suficiente no contexto poético português daquela época para ter um brado sequer de importância.
Mesmo sendo ela uma declarada discípula de Antero de Quental (1842-1891), que influenciou o Modernismo português, não tinha em sua poética os traços modernos que, por exemplo, o Simbolista Antônio Nobre (1867-1900) exalava em seu magnífico livro Só, lançado em 1892 (por consequência, Nobre foi um dos mais influentes poetas no Modernismo português). Espanca, aliás, "tinha em tudo símbolos", segundo Andrade Muricy, além de um dom sugestivo, sensual e ambíguo que poucos tinham e que, creio, chegarão a ter no futuro. Cito um de seus poemas que contém muitas imagens clássicas do movimento (como a ideia de isolamento do mundo num "claustro", que mesmo tendo a lembrança de pureza, traz a dor infinda):

A MINHA DOR

A Você

A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres d'agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
O todos têm sons de funeral
Ao bater das horas, no correr dos dias...

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro!
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...

Há outros casos parecidos no Simbolismo, mas creio que já fiz o ponto: as confusões sobre denominações vanguardistas pelos contemporâneos são típicas de épocas de transição literária, principalmente quando um movimento rebela-se completamente contra o outro e encontra, logo após o seu discurso febril, o vulto que rejeitou transfigurado no seu próprio corpo, que foi o caso do movimento primeiro Simbolista, quando adentrou na estética Parnasiana.

Abraços, Cardoso Tardelli

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