sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte VII

Caros leitores do Sacrário das Plangências, nesta sétima parte da seção Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros, passaremos por quatro autores, entre os quais um, Alphonsus de Guimaraens, conseguira excepcional reverberação nas letras brasileiras, sendo considerado o segundo maior simbolista entre nós desde aquela época.

POETAS SIMBOLISTAS:

Lívio Barreto (1870 - Iboaçu - CE - 1895 - Camocim - CE):

Este espetacular poeta, destacado na história do Simbolismo por ser um dos fundadores da "Padaria Espiritual", a maior sociedade Simbolista do Nordeste e de onde revelavam-se grandes poetas do estilo, sofrera muito durante a sua vida por consequência do seu ofício de caixeiro (assim como já haviam sofridos vários outros, desde a época do Romantismo). Lívio destacou-se pelo furor a que dedicava em defesa do movimento, não à toa sendo um dos líderes da "Padaria". Morreu jovem, aos 25 completos, de uma congestão cerebral, um dia antes de seu amigo, o Dr. Valdemiro Cavalcanti, entregar ao editor a sua única obra, intitulada à toa de "Dolentes".

LÁGRIMAS

Lágrimas tristes, lágrimas dolentes,
Podeis rolar desconsoladamente!
Vindes da ruína dolorosa e ardente
Das minhas torres de luar vestidas!

Órfãs trementes, órfãs desvalidas,
Não tenho um seio carinhoso e quente,
Frouxel de ninho, cálix recendente,
Onde abrigar-vos, pérolas sentidas.

Vindes da noite, vindes da amargura,
Desabrochastes sobre a dura frágua
Do coração ao sol da desventura!

Vindes de um seio, vindes de uma mágoa,
E não achastes uma urna pura
Para abrigar-vos, frias gotas d'água!

1893

(Em Dolentes)

GLOSSÁRIO:
Desvalida: Desamparada.
Frouxel: As penas mais macias das aves; aquilo que é forrado dessas penas.
Cálix: Cálice.
Frágua: Calor intenso; amargura, aflição.

ÚLTIMO DESEJO

Quando vier a Morte, ouve-me, escuta
A minha triste e última vontade:
Ela resume a minha mocidade
Que crepuscula e pálida se enluta.

Trago no seio muita dor oculta,
Muita tortura, muita ansiedade:
Esta - filha do amor e da Saudade
- Nascida aquela da passada luta.

Quero porém, a Deus, livre de penas,
Subir, alar-me às regiões serenas.
Ouve-me, pois: não tremas nem descores...

Respeita a minha campa úmida e fria,
Não na ultraje tua hipocrisia:
- Sim! em nome das Lágrimas, não chores!

(Em Dolentes)

GLOSSÁRIO:
Campa: Pedra que cobre a sepultura, lousa.

Zeferino Brasil (1870 - Porto Grande - RS - 1942 - Porto Alegre)

Zeferino Brasil foi um dos poucos casos, numa análise do Simbolismo brasileiro, de poetastro. Misturando influências românticas e parnasianas, como a primeira geração do estilo, foi extramente bem sucedido em seu estro, sendo considerado, no final de sua vida, o "príncipe dos poetas do Rio Grande do Sul". Não obstante, é mais um caso do qual podemos tirar a lição de que o esquecimento, quando imerso num panorama maior e social, é implacável mesmo com aqueles que morreram sonhando com a terrena imortalidade.

NOSTALGIA DO CÉU

Alva e flébil deslizas na existência
Como um som de cristal fino e harmonioso,
E boiam nos teus olhos a dolência,
A nostalgia do Maravilhoso.

Esperando o teu Príncipe-Formoso
(Esse a quem te darás como uma essência)
Conservas de outro mundo luminoso
Uma vaga, sutil reminiscência...

Uma vida recordas doce e leve,
Vida de sonho em terras encantadas,
Gorjeio de ave, flóculo de neve...

E, saudosos do céu, erra, na Vida,
Como duas estrelas exiladas,
Os teus olhos de virgem dolorida.

(Em Teias de Luar, de 1924)

GLOSSÁRIO:
Flébil: Lastimoso, tristonho, plangente.
Dolência: Mágoa, lástima.
Flóculo: Pequeno floco.

MORTA!

Alma minha gentil que te partiste
Tão cedo desta vida descontente.
Camões

II

Caia profunda noite! a sombra caia
Sobre minh'alma, e o coração me vista
De negro! Que a alegria não exista
Mais para mim! Choroso, o sol desmaia...

Ela morreu, sonhando! Amortalhai-a,
Flores, astros e versos de ametista!
Que a treva para sempre me revista!
Estrelas, sóis, ela morreu, chorai-a!

Ela morreu! Meus sonhos, ide, em bando,
Vê-la uma vez ainda! ide senti-la,
Beijá-la, inda uma vez! Ide, chorando,

Dizer-lhe, enfim, com voz magoada e doce,
Que o seu olhar de morta inda cintila
No meu olhar como se viva fosse.

(Em Vovó Musa, de 1903)


Azevedo Cruz (1870 - Município de Campos - RJ - 1905 - Nova Friburgo - RJ)

A discussão acerca da poética de Azevedo Cruz, que foi colega de Alphonsus de Guimaraens no Largo de São Francisco, é muito ampla. Ao contrário de muitos poetas do estilo, Azevedo Cruz tinha forte posição política (durante a Revolta Naval de 1893, fez parte do Batalhão Acadêmico de São Paulo por decisão própria, por exemplo, além de ter vários poemas com teor político elevado), mas nunca negou a sua admiração, principalmente, por Cruz e Sousa. Pelo seu envolvimento político, diziam-no Parnasiano à lá Bilac, mas Azevedo Cruz combatia a "Arte pela Arte" e a rigorosa estética parnasiana (como veremos no soneto "Minha senhora, o amor", cuja leitura torna-se impossível sem botar ritmo de leitura-poética ao título e epígrafe). Tuberculoso, foi mais um caso de morte por essa doença em nossas letras. Ergueu-lhe o município ventral um busto na praça de São Salvador.


MARECHAL DEODORO

 Os mortos governam os vivos
A. Comte

Deixai passar o Grande Morto!
Deixai passar, deixai passar...
Sereno vai, sereno e absorto
Vai a enterrar, vai a enterrar!

Pois embaraça-lhe o Calvário
Último? O céu por que se fez?
Que o grande Morto Legendário
Descanse ao menos uma vez...

Que a Alma do Herói seja bendita...
As gerações que vêm atrás
Darão ao simples cenobita
Envergaduras imortais!

Por que essa Mágoa, essa Dor viva?
O Céu se fez por que razão?
Uma Alma assim tão primitiva
Não cabe dentro de um Caixão!

Talhem no bronze a sua Imagem
E o Monumento seja tal
Que caibam os Preitos e a Homenagem
Deste assombroso funeral!

E o redivivo Americano
Terá, por transfigurações,
Crescido o vulto sobre-humano
Por gerações e gerações!

E quando a Pátria um dia tenha
Alguma Dor, algum Pesar,
Em romaria ouvi-lo venha
E a laje fria há de falar...

Deixai passar o Grande Morto!
Deixai passar, deixai passar...
Sereno vai, sereno e absorto
Vai a enterrar, vai a enterrar!

Recitado pelo autor à passagem do caixão pela Rua Moreira César (Rua do Olvidor)


GLOSSÁRIO:
Cenobita: Indivíduo que leva vida retirada e monacal, mas que tem os mesmos princípios e interesses dos outros.

*Lembrar de ler o "minha senhora, o amor" no ritmo do verso. Exclui-los é excluir a poesia.

MINHA SENHORA,

o amor

degenerou, por fim, numa palavra falsa,
e hoje já não é mais uma alucinação;
tudo o que o doura e o veste e o transfigura e o realça
da fantasia vem, nunca do coração!

É uma frase feliz no delírio da valsa,
uma chama no olhar, um aperto de mão...
um capricho, uma flor, uma luva descalça
que alguém deixou cair e que se ergue do chão!

Disse-lhe isto e esperei. Um silêncio aflitivo,
longo e soturno como os torvos pesadelos,
pairou no espaço como um ponto sobre um i!

Dormi; quando acordei vi-me enterrado vivo,
dentro da noite má dos seus negros cabelos,
em cuja cerração corre que me perdi!...

(De uma revista da época)

GLOSSÁRIO:
Torvo: Que causa terror; iracundo; sinistro, lúgubre.

Alphonsus de Guimaraens (1870 - Ouro Preto - MG - 1921 - Mariana - MG):

Definitivamente um dos maiores poetas da literatura brasileira, Alphonsus de Guimaraens ainda é prejudicado pela falta de re-publicação de sua obra completa. Segundo Andrade Muricy, a obra de Guimaraens, em qualidade e quantidade, só pode ser comparada à de Machado de Assis. A obra de Alphonsus, extremamente influenciada pelos simbolistas franceses, passou pela prosa, pela crônica, mas se destacou na poesia, gênero sobre o qual estendia com clareza, musicalidade, e muita quantidade, as dores da sua vida. É impossível analisar a obra de Alphonsus de Guimaraens sem o referencial da morte de sua noiva, Constança, finada por tuberculose aos 18 anos, assim como é impossível ler qualquer poema do autor sem o conhecimento da fé extrema que Alphonsus detinha em si. Era um poeta afeito à imagem de Maria (com relação a poesia religiosa de Alphonsus de Guimaraens, escrevi este tópico), envolto de remorso, fé e solidão do "sertão mineiro" de Mariana. Quando fora conhecer Cruz e Sousa, que já havia feito elogios fervorosos a Alphonsus no Estado de São Paulo (fonte: Obra Completa de Alphonsus de Guimaraens: Editora José Aguilar LTDA, 1960), tivera finalmente a face reconhecida no amplo círculo literário carioca e fixara o seu nome no panorama de grandes simbolistas da época. Jurídico recatado, em corpo isolado em Minas, mas, em versos, um ser esparso pelo Brasil, teve um mausoléu erguido no Cemitério Sant'Ana, em Mariana, pelo governo de Juscelino Kubitschek, quando este era governador de Minas Gerais.

RIMANCE DE DONA CELESTE*

Emen-hétan! Emen-hetán!

I

- Satã, onde a puseste?
Busco-a desde a manhã.
Ó pálida Celeste...
Satã! Satã! Satã!

E o Cavaleiro andante,
A toda, a toda a rédea,
Passa em busca da Amante
Pela noite sem luar da Idade Média.

- O vento ulula e chora...
Maldição! maldição!
A quem amar agora,
Meu pobre coração...

E o Cavaleiro passa
Ante a sombria porta
Da lúgubre Desgraça,
Silenciosa mulher de olhar de morta.

- Viste, velha agoureira,
O anjo do meu solar?
- Ah! com um Feiticeira
Ela acaba de passar...

E bate o Cavaleiro
A outra porta escura:
É a casa do coveiro,
Solitária feito uma sepultura.

- Quem sabe! acaso, acaso,
O meu anjo morreu?
- Fidalgo, morre o ocaso,
Não posso enterrá-lo eu!

Louco, às trevas pergunta:
Sombras pelos caminhos
Dizem que ela é defunta...
E ele começa a interrogar os ninhos.

- Acaso, acaso a viste,
Meu suave ruscinol?
- Ouves a endecha triste?
Bem vês que não vi o sol.

E o Cavaleiro escuta
Longe o estertor de um pio...
Talvez a voz poluta
E irônica de algum mocho erradio.

- O teu Anjo finou-se
Ao beijo de Satã...
Ai! do seu lábio doce,
Mais doce que a manhã!

Tinem arneses: voa
O cavaleiro andante
A toda a rédea, à toa...
Não acharás, Fidalgo, a tua amante!

II

- Satã, onde a puseste?
Que íncubo a fanou já?
- A pálida Celeste...
Ei-la no meu Sabá.

(Em Dona Mística, 1899)

*O gênero "rimance", segundo Andrade Muricy, foi posto em moda por Álvares de Azevedo (e bem o sabemos que o Simbolismo bebeu do Romantismo, sendo um movimento Pós-Romântico), sendo resgatado com excelência por Alphonsus de Guimaraens, cujo ápice no gênero foi a sua célebre Ismália.

GLOSSÁRIO:
Ulular: Soltar voz lamentosa, de uma maneira bradante.
Agoureira: Que predestina desgraças.
Mocho: No caso, designação de uma coruja sem um tufo de penas na cabeça.
Arneses: De arnês: armadura completa de um cavaleiro antigo; arreios do cavalo.
Íncubo: No caso: Demônio que, ao copular com uma mulher durante a noite, causa pesadelos e tormentos posteriormente.
Fanar: Murchar.
Sabá: Concílio de bruxos e bruxas, sempre à meia-noite, presidido por Satã.

SONETO III - ELECTA UT SOL

Via-a ao longe, e uma voz longínqua disse: "Basta
Olhá-la assim para de perto conhecê-la..."
- Bem sei eu, pois qualquer que no mundo se arrasta
Pode, sem ir ao céu, conhecer uma estrela.

"E nunca o seu olhar brando e morto se afasta
Do azul em que ela mora à terra imunda: é que ela..."
- Bem sei eu, bem sei eu: é santa, é pura, é casta...
Outra vida, outro mundo o seu olhar revela.

"Os dias entram e uns após outros se somem:
E nunca ela baixou até a vileza do homem 
Os olhos imortais de imagem dolorida,

Tristes olhos que são do céu divinas portas..."
- Bem sei eu, virgens há que pela humana vida
Passam, antes da morte, inteiramente mortas".

(Em Dona Mística)

VAGA EM REDOR DE TI...

Vaga em redor de ti uma fulgência,
Que tanto é sombra quando mais fulgura:
O teu sorrido, que é divino, vence-a,
E ela, que é luz de estrela, pouco dura.

De outra não sei que tenha a etérea essência
Que nos teus olhos brilha: nem a pura
Linha de arte de tal magnificência,
Como a que o rosto de anjo te emoldura.

Na candidez ebúrnea do semblante
Tens um lis de ternura, que desliza
À flor da pele em mágoa suavizante.

Não sei que manto celestial arrastas...
És como a folha do álamo que a brisa
Beija e balança ao luar das noites castas.

(Em Pulvis, em Poesias de 1955)

GLOSSÁRIO:
Fulgência: Fulgor, brilho, qualidade de fulgente.
Ebúrnea: Alvo e liso como o marfim ou de marfim.
Folha do Álamo: O álamo é um tipo de choupo de flores pequenas e de madeira branca, leve e macia.

PERISTYLUM - SONETO XII

Caiu sobre o teu corpo a última pá de terra,
E ninguém surge aqui para velar-te o sono!
E depois, neste Morro onde a Alma em sonhos erra,
A Cruz tombada, e a cova a florir no abandono...

O luar, que viste em vida, irá, de serra em serra,
Clareando a mesma noite; o sol fulvo do outono
Há de dormir, sempre ao clamor da mesma guerra,
Num esquife de luz para erguer-se num trono.

Outros dias virão cantando o mesmo hinário,
E outras noites chorando o mesmo luar que sigo,
E onde vejo ondular o teu longo sudário...

Dentro de mim, porém, há de morrer, profundo,
O poente em funeral do teu olhar antigo,
Para não mais ressuscitar aqui no mundo...

(De Câmara Ardente, 1899)

GLOSSÁRIO:
Fulvo: Alourado; amarelo amorenado.
Esquife: Caixão, féretro.
Hinário: Livro de hinos, sejam estes religiosos ou não.


Caros leitores do Sacrário das Plangências, nesta sétima parte deste estudo, pudemos ver o quão diferente era o movimento Simbolista internamente. Apesar de todos terem bebido das mesmas fontes, basicamente, muitos se dividiram em grupos - alguns rivais, inclusive -, colocando-se como Simbolistas, mas com a elegância de uma estética própria. Talvez isso prejudicou o movimento naquela época, pois a arte Nefelibata precisava de união, apesar de divergências estéticas, para desbancar os Parnasianos de seus totalitários direitos de cidade. Contudo, as divisões demonstram um lado singelo em cada poeta ("o ser que é ser") e em cada grupo... um lado que, apesar das divisões inexplicáveis, pois, em muitos casos, pouca diferença encontrava-se, demonstrava que o movimento era em prol de um Ideal, não em prol da fama e de bajulações tolas dos que tinham direito de palavra na época.

Abraços e bom Natal,
Cardoso Tardelli

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