terça-feira, 1 de novembro de 2011

Um descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte V

Estimados leitores do Sacrário das Plangências, nesta quinta parte do descobrimento do Simbolista Movimento Brasileiro, trabalharemos com parte da prosa poética do estilo, utilizando somente um versificador.

POETAS SIMBOLISTAS:

Nestor de Castro (1867 - Antonina (PR) - 1906 - Curitiba)
Essencial jornalista do movimento, escrevendo em publicações como Gazeta do Povo e a Tribuna do Povo, foi um polemista de primeira linha e considerado um dos maiores jornalistas do Paraná. Em seu livro Brindes, o feitio Simbolista é evidenciado por imagens vagas, sugestivas e lancinantes - além das várias maiúsculas individualizadoras. Os seus maiores textos literários estão dedicados aos grandes Simbolistas paranaenses, como Emiliano Perneta, Rocha Pombo, Silveira Neto.

INVERNO

A Dário Vellozo

Inverno! Inverno! duro espículo alfinetante dos gelos; atros fantasma nebuloso da úmida Sibéria triste, que vens rolando às fortes enxurradas polares das luas novas de Junho*, eu sinto a tua espinescente algidez de morte, como se fora a sangradora unha torsa de um urso branco da Groenlândia, ferir as fantasias bizarras do meu Sonho!...
Inverno!... Inverno!... sepulcro das minhas emoções moças, que mumificas as nuas formas anacreônticas e pindarescas dos plectros; tu, que na superfície alagada dos marnéis queimas, como a impiedade dos teus suspiros de neve, os amolecidos tufos modorrentos dos liriais do norte; tu, espetro sombrio das tristezas zodiacais do Ano, fazes também rolarem nas enxurradas das luas novas de Junho todas as minhas calmas esperanças verdes, nascidas ao clarear das grandes estrelas rútilas do estio...
Detesto-te, ó exótico pesadelo torvo, quando mortificas a minha sensibilidade toda, fustigando o álacre relicário dos meus afetos puros!...
Sinto-te, apalpo-te; ouço o teu soluço cavo no ronronar da ventania úmida e, te pões então a escavar o largo chão duro por onde desfilaram, como sombras defuntas, as claras alegrias auroreais das paixões antigas...
Gelos da Irlanda! Gelos da morte!... Eis as cinzas fugidas dos meus desejos que se vão, revoltos, através da levadia, onda zimbradora dos pesares, por onde eu avisto um último aceno demorado de risos que não voltam...
Inverno! Inverno! Deita-me afogar agora, num último raio quente de lágrima, a vaporosa lágrima adusta das minhas queridas mágoas inspiradoras...
Vai-te, sepulcro álgido e torturante dos meus sonhos!...

(Em Brindes, de 1899)

*Notem que o conceito de Inverno no parágrafo já está ligado à referência climática brasileira, não à estrangeira, como comumente eram feitos esses tipos de referências - e como o próprio texto deixou desaguar por intermédio de seus Símbolos ("Gelos da Irlanda! Gelos do Norte!"). Sempre notando que a Neve é totalmente "brasileira, real e válida", considerando que a região do Paraná fica sob o efeito do clima temperado.

GLOSSÁRIO:
Atro: Negro, obscuro, lúgubre, funesto.
Espinescente: Que toma forma de espinhos.
Algidez: Gélido, muito frio, frígido, qualidade do que é álgido.
Torsa: Torcido, sinuoso, tortuoso.
Anacreôntica: Relativo ao poeta grego Anacreonte (c.570 - 485 a.C), um dos grandes - mesmo que pouca coisa conheça-se dele - cantores do Amor de sua época.
Pindarescas: Relativo ao poeta grego Píndaro (c. 520-420 a.C.). Figurado: pode significar tanto obscurantismo lírico quanto excelência.
Plectro: No caso, inspiração poética (o uso figurado da palavra).
Marnel: Pântano.
Torvo: Que causa terror, iracundo; pavoroso, sinistro.
Álacre: Alegre, ledo, entusiasmado, risonho.
Ronronar: Rumor contínuo provocado pela traqueia do gato.

Graça Aranha (1868 - São Luís do Maranhão - 1931 - Rio de Janeiro)
Romancista vindo do Naturalismo, Graça Aranha exerceu um papel essencial nas nossas letras - sendo um dos fundadores da ABL. Inclinou-se pelo ambiente de mística e introspecção altiva do Simbolismo em seu Canaã, de 1901. Mesmo assim, segundo Andrade Muricy, a obra não atingia a perfeição de um "No Hospício", de Rocha Pompo. Canaã, em sua época de lançamento, obteve diversas recepções, sendo aclamado por José Veríssimo - lembrem sempre que ele foi um inimigo dos Símbolos -, mas por este não sendo colocado nem como romance, nem como poema em prosa. Em Malazarte, lançado em 1910, o acento Simbolista de Graça Aranha chegaria ao exagero, segundo Andrade Muricy.

E dois imigrantes, no silêncio dos caminhos...

E dois imigrantes, no silêncio dos caminhos, unidos enfim numa mesma comunhão de esperança e admiração, puseram-se a louvar a Terra de Canaã.
Eles disseram que ela era formosa com os seus trajes magníficos, vestida de sol, coberta com o manto do voluptuoso e infinito azul; que era amimada pelas coisas: sobre o seu colo águas dos rios fazem voltas e outras enlaçam-se a cintura desejada; as estrelas, numa vertigem de admiração, se precipitam sobre ela como lágrimas de uma alegria divina; as flores a perfumam com aroma estranho, os pássaros a celebram; ventos suaves lhe penteiam e frisam os cabelos verdes; o mar, o longo mar, com a espuma de seu beijo afaga-lhe eternamente o corpo...
Eles disseram que ela era opulenta, porque no seu bojo fantástico guarda a riqueza inumerável, o ouro puro e a pedra iluminada; porque os seus rebanhos fartam as suas nações e o fruto das suas árvores consola o amargor da existência; porque um só grão das suas areias fecundas fertiliza o mundo fertilizaria o mundo inteiro e apagaria para sempre a miséria e a fome entre os homens. Oh! poderosa!...
Eles disseram que ela, amorosa, enfraquece o sol com as suas sombras; para o orvalho da noite fria tem o calor da pele aquecida, e os homens encontram nela, tão meiga e consoladora, o esquecimento instantâneo da agonia eterna...
Eles disseram que ela era feliz entre as outras,porque era a mãe abastada, a casa de ouro, a providência dos filhos despreocupados, que a não enjeitam por outra, não deixam as suas vestes protetoras e a recompensam com o gesto perpetuamente infantil e carinhoso, e cantam-lhe hinos saídos de um peito alegre...
Eles disseram que ela era generosa, porque distribui os seus dons preciosos aos que deles têm desejo; a sua porta não se fecha, as suas riquezas não têm dono; não é perturbada pela ambição e pelo orgulho; os seus olhos suaves e divinos não distinguem as separações miseráveis; o seio maternal se abre a todos como um farto e tépido agasalho... Oh! esperança nossa!
Eles disseram estes e outros louvores e caminharam dentro da luz...

(Em Canaã, segunda edição)

GLOSSÁRIO:
Bojo: Âmago, cerne (por extensão: sacrário).
Tépido: Que tem pouco calor. Fig: frouxo, fraco.

Mário Perdeneiras (1868 - Rio de Janeiro - 1915 - Rio de Janeiro).
Um dos primeiros introdutores do verso livre em nossa poesia, foi Mário Perdeneiras um poeta fino, musical e, mesmo pertencendo ao segundo grupo Simbolista, era um claro entusiasta da Poesia, como um todo, sendo leitor de Bilac, de Alberto de Oliveira (ambos da tríade Parnasiana), além de sofrer uma grande influência de Cesário Verde e Antônio Nobre, expoentes do Simbolismo lusitano.

DESOLAÇÃO

Pela Estrada da Vida ampla - coberta
De um longo velo pesaroso e baço,
Hás de encontrá-la muita vez alerta
Na longa rota do teu longo passo.

Por caminhos de pedras e sargaço
Há de levantar-te pela mão incerta,
Até que exausto em Mágoas e Cansaço
Te seja a Vida intérmina e deserta.

Verás em tudo Solidão e Escolhos
E da Tristeza a tétrica figura
Estampada trarás nos próprios Olhos.

E então em Mágoas e Pavor clamando
Hás de vê-la passar na Noite escura
A mortalha dos sonhos arrastando.

(Em Rondas Noturnas, publicado em 1901)

GLOSSÁRIO:
Baço: Sem brilho, bacento.
Sargaço: Gênero de algas que ocupam grande espaço ao atingir o alto mar (iniciam o seu crescimento nas costas tropicais).
Escolho: No caso: obstáculo, dificuldade.


TRECHO FINAL

Meia-tinta de cor dos ocasos do Outono,
Sonho que uma ilusão sobra a vida nos tece
E perfume sutil de uma folha de trevo
São, decerto, a feição deste livro que escrevo
Neste ambiente de silêncio e sono,
Nesta indolência de quem convalesce.

Meu livro é um jardim na doçura do Outono
e que a sombra amacia
De carinho e de afago
Da luz serena do final do dia;
É um velho jardim dolente e triste
Com um velho local de silêncio e de sono
Já sem luz de verão que o doire e tisne,
Mas onde ainda existe
O orgulho de um Cisne
E a água triste de um Lago.

(Em Outono, 1921)

GLOSSÁRIO:
Convalescer: Restabelecer a saúde; recuperar-se.
Tisnar: Tornar negro como o carvão; manchar, macular.

Caros leitores do Sacrário das Plangências, como demonstrado, muitos Símbolos utilizados pelos autores tinham clara "residência" fixada na brasiliana terra, resumindo a um erro qualquer pensamento anulativo no sentido de julgar o Simbolismo como um movimento literário internacional seguido literalmente por brasileiros. E o grande ponto que há de se fazer aqui é: o Símbolo não encontra limites ufanistas que são alicerçados por intermédio de fronteiras geográficas - e até mesmo linguísticas; o Símbolo é o encontro do leitor com a ânsia do escritor num panorama vago, sugestivo, moroso, além da concretude da primeira impressão.

Não à toa, a temática Mística foi uma das grandes bases do movimento - no alento de que, por meio de uma transcendência prometida, o ser se encontrasse consigo mesmo numa perspectiva do Além. Argumento este que pode soar irrisório, mas, como a poetisa Francisca Júlia disse, em certa entrevista de 1908 - no auge de sua fama: "(os homens nos centros civilizados) vão perdendo aos poucos, nos atritos da luta pela vida, a delicada flor do misticismo e tornam-se genuinamente céticos". Vivendo o início da urbanização paulistana, de fato não errou no dado - que, por acontecimento infeliz, era um fado.

Abraços, Cardoso Tardelli

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