quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Um descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte IV

Caros leitores de o Sacrário das Plangências, na parte IV deste descobrimento dos Simbolistas brasileiros, passaremos pela obra do já prometido Emiliano Perneta, também pela fase Simbolista da obra de Medeiros e Albuquerque, cuja importância inaugural para o movimento é inquestionável, e pelo essencial Nestor Vítor, amigo maior de Cruz e Sousa e defensor do Movimento.

POEMAS SIMBOLISTAS:

Emiliano Perneta (1866 - Sítio dos Pinhais (PR) -1921 - Curitiba)
Ao falar de Emiliano Perneta, talvez estejamos nos referindo a um dos mais significativos poetas que aderiram ao Simbolismo no Brasil, não somente por sua obra - espetacular - mas também por sua vida de fé literária, exposta desde os trajes Dândis (ao modo Théophile Gautier) ao culto de um recinto, uma "Torre de Marfim", que era o seu quarto, quando estudante da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, lugar de isolamento e sonho para ele e para os amigos, curiosamente apelidado de "autocracia da anarquia". Ao contrário do que se possa pensar, Perneta nunca foi um abstêmio político - apesar de raramente representar essa faceta nos poemas, sendo um Republicano e Abolicionista declarado. Aliás, tendo Cruz e Sousa como um dos companheiros do furor primeiro do Simbolismo, Perneta via o penar constante do amigo num Brasil com a mentalidade ainda escravista mas de recém abolida escravidão, tendo, por consequência, uma ânsia de proteção ao Cisne Negro (o que, na verdade, era óbvio em grande parte dos que acompanhavam Cruz e Sousa). Foi Perneta um dos Simbolistas da geração primeira mais ousados ritmicamente, estéticamente e tematicamente, nunca podendo, porém, gozar do prestígio da Literatura Brasileira, nadando no limbo lúgubre do esquecimento até os atuais dias.


O BRIGUE*

Num porto quase estranho, o mar de um morto aspecto,
Esse brigue veleiro, e de formas bizarras,
Flutua há muito sobre as ondas, inquieto,
À espera, apenas, que lhe afrouxem as amarras...

Na aparência, a apatia amortece-lhe o esforço;
Se uma brisa, porém, ao passar, o embalsama
Ei-lo em sonho, a partir, e, então, empina o dorso,
Bamboleia-se, mais gentil do que uma dama...

Dentro a maruja acorda ao mínimo ruído,
Deita velas ao mar, à gávea sonda, o ouvido
Alerda, o coração batendo, o olhar aceso...

Mas a nau continua oscilando, oscilando...
Ó quando eu poderei, também partir, ó quando?
Eu que não sou da Terra e que à Terra estou preso?

(De Setembro, póstuma coletânea de 1934)

*Mais uma reverberação do "O Albatroz", de Baudelaire, aqui em nossa terra.

Glossário:
Brigue: Antigo navio à vela.
Embalsamar: Impregnar de aromas.

SOLIDÃO*

V

Oh! para que sair do fundo deste sonho,
Que o destino me deu, e que a Vida me fez,
Se eu quando, a meu pesar, casualmente, ponho
Fora os pés, a tremer, volvo, ansiado, outra vez.

O meu lugar não é no meio de vocês,
Homens rudes e maus, de semblante risonho,
Não é no meio de tamanha insipidez,
Dum egoísmo atroz, dum orgulho medonho!

O meu lugar é aqui, no seio desta ruína,
Destes escombros que reluzem como lanças,
E destes torreões, que a febre inda ilumina!

Sim, é insulado, aqui, no cimo, bem o sei!
Entre os abutres e as Desesperanças.
E dentro deste Horror sombrio, como um Rei!

(Novembro de 1905, de Ilusões)

*Segundo Andrade Muricy "o mais radical manisfesto de "torre-de-marfim" de todo Simbolismo brasileiro".

Glossário:
Insulado: Separado, ilhado, isolado.
Torreão: Torre larga e cheia de fendas, feita sobre um castelo.
Cimo: A parte superior de algo; o alto de um objeto.

MORS

Nesse risonho lar,
A dor caiu neste momento,
Como se fosse a chuva, o vento,
O raio, e bate sem cessar...
Bate e estala,
Como uma louca,
De boca a boca,
De sala em sala...
Somente tu, flor delicada,
Como quem veio
Fatigada
De um passeio,
Tombaste ali, silenciosa,
Sobre o sofá,
No abandono,
Pálida rosa,
De um longo sono,
De que ninguém te acordará!

(De Setembro)

Glossário:
Mors: Personificação da Morte.

Medeiros e Albuquerque (1867 - Recife -1934 - Rio de Janeiro)
A essencialidade de Medeiros e Albuquerque para o movimento Simbolista brasileiro, talvez, esteja no simples fato dele ter sido o primeiro a ter contato, na Europa, com as obras dos decadentistas franceses e de ter tomado a iniciativa de trazer tais obras para o Brasil, causando uma real mudança no prostrado panorama literário daqui - impregnado do descritivismo Parnasiano. Poeta também, sofreu influência dos Simbolistas franceses num primeiro momento, mas rejeitando, em sua obra, os alicerces que o movimento em seu estro construiu. Independentemente do posterior caminho de sua obra, a seção Simbolista da obra de Medeiros e Albuquerque contém as características mais típicas do estilo, inclusive um número grande maiúsculas individualizadoras e de símbolos religiosos.

SALMO

A Filinto de Almeida

Eu sinto que a Loucura anda rondando
o meu cérebro exausto e fatigado.
Das Alucinações o torvo bando
dança no meu olhar negro bailado...

Chega-te, doce Amiga! mas não tragas
tristes visões de fundas agonias:
antes as minhas vê se tu esmagas
nas tuas brancas mãos, magras e frias!

Deusa! Senhora! Mãe dos desgraçados!
Consoladora da Miséria Humana!
que eu não escute da Razão os brados,
ó Minha Nobre e Santa Soberana!

Doze às matilhas de teus Pesadelos
que estraçalhem nos dentes os meus sonhos!
que matem! que espedacem meus anelos!
meus desejos mais santos! mais risonhos!

Para arrancar este cruel tormento,
que na minh'alma desolada mora,
extirpa-me este cancro: o Pensamento,
que em martírios horríveis me devora!

Que não fique uma ideia - uma que seja!
Mata-as como serpentes venenosas!
Enche de paz e sombra benfazeja
do meu cérebro as células trevosas!

Que a sensação gostosa de vazio,
que há no meu crânio às vezes nos arcanos,
o torne como o cárcere sombrio
de um castelo deserto, há milhões de anos!

E andem por fora das loiras primaveras,
ou do inverno os horrores soluçantes,
quando, através das grades, como às feras,
me mostrarem no hospício aos visitantes,

eu não tenha em meus olhos apagados
o mais frouxo clarão de inteligência,
átona a face, os lábios afastados
num sorriso boçal de inconsciência...

E eles, vendo-me rir, julguem-me com pena
que, atrás de um sonho, meu olhar vagueia,
sem notar que minh'alma jaz serena,
às alegrias como a tudo alheia.

Calmo e insensível, pra falar ao mundo
jamais haja uma frase em minha boca!
E, quando a voz escape-se do fundo
de minha goela - pavorosa e rouca -

à hora em que do mar o undoso açoite
batendo a encosta, rijo, tumultua,
que, estrídula, cortando a fria noite,
seja como a de um cão, uivando à lua!

(de Poesias, publicado em 1905)

Glossário:
Torvo: Que causa terror; pavoroso, lúgubre, medonho.
Anelo: Anseio, afã, desejo ardente.
Extirpar: Arrancar pela raiz; destruir.
Trevoso: Tenebroso, escuro, caliginoso, aflitivo.
Arcano: Mistério, lugar misterioso, recôndito.
Undoso: Em que há ondas ou o que as forma.
Rijo: Rígido, duro; forte.
Estrídula: Estridente; som agudo.

Nestor Vítor: (1868 - Paranaguá (PR) - 1932 - Rio de Janeiro)
Qualquer que seja a visão sobre o nosso Simbolismo, um dos personagens que é inafastável é o paranaense Nestor Vítor (ou Víctor, dependendo da grafia de época). Amigo maior de Cruz e Sousa, dedicou-se ao movimento Simbolista como um padre dedica-se à Religião. Foi por intermédio de Nestor Vítor que os livros Faróis (1900) e Últimos Sonetos (1905) de Cruz e Sousa, ambos póstumos, foram lançados. Teve Nestor Vítor também uma grande influência no "Pós-Simbolismo", principalmente em Andrade Muricy. Segundo este, o "panorama é, sob muitos aspectos, obra sua. Dele recebi a tradição do movimento simbolista; por seu intermédio (e também de Emiliano Perneta e Silveira Neto) penetrei o espírito daquela preamar de espiritualismo vivo (...)". O fiel amigo de Cruz e Sousa teve um grande destaque na crítica literária e política, tendo somente poemas dispersos reunidos, sendo o longo "A Cruz e Sousa" o seu melhor (a visão do corpo do Cisne Negro voltando de Minas Gerais num horse-box, sem estar num caixão, como um animal morto, foi como o fim do mundo para os seguidores do autor de Faróis).


O CONSTRUTOR

Moureja, moureja, moureja,
Ora à torre subindo,
Para ver não se sabe o que seja,
Ora descendo às entranhas da terra, ouvindo
Não sei que voz que o chama.
Coberto de áureo pó - como que estrela e lama -,
Quando vem a noite ele descansa;
Tão exausto, porém, que ao vê-lo, não se sabe
Se o título de idoso mago é que lhe cabe
(Mas que ar mesquinho é que ele tem!) ou o nome de criança.

Glossário:
Mourejar: Trabalhar sem descanso.

MORTE PÓSTUMA

Et vraiment quand la mort viendra
que res-t-il?
P. Verlaine

Desses nós vemos: lá se vão na vida,
Olhos vagos, sonâmbulos, calados;
O passo é a inconsciência repetida,
E os sons que tem são como que emprestados.

- Dia de luz. - Respiração contida
Para encontrá-los despreocupados,
Aí vem a morte, estúpida e bandida,
Rangendo em seco os dentes descarnados.

Mas embalde ela chega, embalde os chama:
Ali não acha nem de longe aqueles
Grandes assombros que aonde vai derrama!

E abre espantada os cavos olhos tortos:
Vê que eles têm os olhos vítreos, que eles...
Eles já estão há muito tempo mortos!

(de Transfigurações, reunião de esparsos)

Glossário:
Embalde: Em vão; inutilmente.
Cavo: Côncavo, vazio, oco.
Vítreo: Que tem aspecto de vidro; vidrado, absorto, encantado.

O MARIBONDO METAFÍSICO*

Aquele maribondo, que entrou pela janela do meu quarto, anda fazendo heroicas e incessantes investidas ao teto de um modo que mete pena, mas que nos faz refletir sobre o caso.
A pobre vespa não pode compreender que de um momento para outro deixasse de existir o infinito. Não concebe que entre si e o céu se interponha um obstáculo impossível de arredar. Certo nem mesmo tem a noção do que tal obstáculo venha a ser, e de si para si entenderá que o teto branco é apenas uma modalidade do espaço que ela não conhecia, modalidade menos adelgaçada, tão só, de transposição mais árdua do que essa outra que até aqui ela vira toda azul.
E no fundo o maribondo pensa bem. É inegável que o infinito continua a existir apesar da interposição que há entre ele e aquilo que se abriga sob o modesto teto desta casa. Se o pobre vivente viesse dotado de forças bastantes para uma teimosia maior, não lhe fora preciso passar um século em luta para poder acabar vencendo, verificando que a verdade está com ele. Sim, o infinito continua a existir; não decorrerá muito tempo, em comparação com a eternidade, para que esta débil barreira de tábuas, que os homens interpõem entre as asas deste inseto e o livre espaço, desabe miserável, dando razão àquela fé obsidente. Não há dúvida, o azul do céu ainda se há de ver de novo onde hoje branqueja a impertinência representada por aquele passageiro artefato humano.
A negra e sonhadora abelha apenas se engana na noção que tem das suas limitadíssimas forças, da sua capacidade de resistência e permanência neste mundo. Mas, em última análise, filosoficamente falando, ela tem um sentimento das cousas mais certo com a sua confiança no infinito, do que tantos homens que vivem hoje tomados da obsessão do relativo, querendo suprimir dentre as preocupações humanas a crença e a confiança no absoluto. Este maribondo é um metafísico incurável, mas, por isso mesmo, mais percuciente do que quantos filósofos humanos pretendem emancipar nossa Espécie das preocupações com o Além.

(de Folhas que Ficam, publicado em 1969)

*Notem o Símbolo (Maribondo) e a divagação que deságua numa conclusão totalmente anti-Positivista e, até mesmo, anti-Naturalista, correntes de pensamentos com as quais Nestor Vítor não tinha simpatia.

Glossário:
Adelgaçar: Tornar mais fino; reduzir.
Obsidente: Obsessivo.
Percuciente: Profundo, agudo, pungente, penetrante, sagaz.
Emancipar: Libertar, tornar livre.

Caros leitores de o Sacrário das Plangências, o movimento Simbolista tem de ser entendido como um Processo de Pensamento, de certa forma, em completo. Há o Simbolismo nas Artes Plásticas, na Filosofia (comentado também por Nestor Vítor), na Prosa, na Poesia, no Teatro, na Prosa-Poética e, isso tudo, precedido pela forma musical cromática de Richard Wagner (1813-1883), a quem Gama Rosa (1852-1918) - o primeiro jornalista brasileiro a descrever em detalhes o movimento decadentista francês e, posteriormente, um defensor do movimento no Brasil - relacionou com os Simbolistas por pura indução erudita. O objetivo dessas seções de "Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros" é, de fato, mostrar que o movimento foi completo, mas por razões de alento ufanista Moderno, esquecido.

Abraços, Cardoso Tardelli

Nenhum comentário:

Postar um comentário