terça-feira, 20 de setembro de 2011

Um descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte II

Estimados leitores de o Sacrário das Plangências, dando continuidade ao post número I, postarei, ao menos, um poema de cada Simbolista apontado por Andrade Muricy em seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro. No caso desta seção II, haverão alguns poemas em prosa - algo muito cultuado no movimento.

POEMAS SIMBOLISTAS - PARTE II

Virgílio Várzea - (1863 - Desterro (SC) - 1941 - Rio de Janeiro)
Sobre Virgílio, cuja obra tende mais ao Naturalismo do que ao Simbolismo, propriamente dito e confesso, podemos falar que foi um dos introdutores da linguagem simbolista entre literatos totalmente alheios a ela. Grande amigo de Cruz e Sousa, foi um dos que, após a morte do Cisne Negro, fez um dos retratos literários mais fiéis e intensos do autor de Broquéis e Missal.

CANÇÃO DA ESTEPE

No horizonte, A Leste, vinha apontando agora uma tênue barra de claridade láctea, que vestia as águas, ao longe, de vastas placas argênteas. E, daí, a instantes, a lua surgia maravilhosamente, cobrindo a amplidão com o seu imenso velário de tule.
Então, à proa, junto ao castelo, na amurada de bombordo, onde batia em cheio o luar, uma figura esguia e branca de mulher ergueu-se, do meio da massa negra dos imigrantes eslavos - e uma voz suavíssima abriu voo na noite, ritmo lento e balançado, fio de melodia saudosa.
Era uma dessas canções germinadas nas terras rurais de além Dnieper ou de além o Don, onde o homem se bate com o solo ao vento e à chuva, ao calor e à neve. Naturalmente descrevia, na cadência vagarosa das manhãs, o sulcar das charruas para as primeiras plantações, o verdejar alegre das plantas, o crescer florescente das hastes, o amadurecer das espigas, o amoroso cantar da ceifeiras e o reluzir profuso dos grãos, em montões alterosos, entre molduras de palha fofa. Tudo isso de envolta com as esperanças, as tristezas dos mujiques.
As estrofes finais soltaram a emoção, o esquisso vago de um idílio do campo, na amplidão rasa de uma estepe sem termo, ao badalar plangente do Angelus numa torre de campanário longínquo, à margem de indolente rio espelhante, onde dois jovens de se estreitam na última contração de colheita acabada, sob o poente de sangue...

(Publicado em Mares e Camplos, do conto Canções Eslavas)

Glossário:
Argêntea: Com aspecto prateado.
Tule: Tecido de seda.
Dnieper: Um dos maiores rios da Europa, cruzando as atuais Rússia, Belarus e Ucrânia ao longo de seus 2200 quilômetros.
Don: Outro rio russo de grande porte, porém menor do que o Dnieper (o rio Don percorre 1950 quilômetros do território russo).
Charrua: Arado grande. Fig: Primeiras plantações.
Mujique: Camponês russo.
Idílio: No caso, variam-se as possibilidades (como era comum ao estilo): composição poética de caráter campestre; Sonho, devaneio.
Plangente: Lamentoso, triste, que chora.
Ângelus: Oração rezada ao amanhecer, ao meio-dia e ao pôr-do-sol.

Raul Pompeia (1863 - Angra dos Reis (RJ) - 1895 - Rio de Janeiro)
O caso de Pompeia foi clássico aos que analisam como o poder de um estilo vigente (o Parnasianismo) podia deteriorar o moral de um ser humano por intermédio de críticas covardes. Raul Pompeia, polemista e adepto da poesia sem metro - poemas em prosa, ou seja -, foi um dos poucos poetas Simbolistas a entrar no mundo da política - mas dele saiu-se morto. Sendo um abolicionista e florianista, foi diversas vezes ofendido por Olavo Bilac - o poeta mais agraciado pelo povo e pela imprensa na época -, quase nunca tendo o direito de resposta. E, depois várias humilhações públicas de cunho político e poético, ao ver o seu artigo-resposta no jornal A Notícia ser adiado (julgou o poeta, pelos vários fatos, que o fora recusado), matou-se com um tiro no coração no dia de Natal de 1895.

VULCÃO EXTINTO

E, quel medesimo che si fue acorto
Ch'io dimanandava il mio Duca di lui,
Gridó: Qual i'fui vivo, tal son morto!
Dante - Divina Comédia

Rasga-se a cratera à sombra do píncaro mais alto. Precipícios sem fundo; vai-se-nos a imaginação pelas fragas, a perder-se embaixo, impenetrável noite.
Antes de tombar sobre o vulcão este silêncio pesado, quanta vez tremeram as rochas ao rugido da lava fervente! Tentara o gigante em outros tempos incendiar a amplidão; o século o puniu.
Nada mais ficou dos grandes dias além das escarpas calcinadas, o velho esqueleto informe. Caíram para sempre os castelos de chamas que se erguiam sobre a cratera; extinguiram-se de vez as cenografias satânicas da conflagração; pereceu a memórias das erupções triunfantes!
Tudo agora está findo.
E para os espaços arreganha-se o caminho das lavas, imensa boca torcida na expressão de atroz agonia - brado estrangulado pela morte, apóstrofe muda e terrível, blasfêmia misteriosa da terra.

(De Canções sem Metro, publicado em 1900)

Glossário:
Píncaro: Cume; ponto mais elevado.
Fragas: Penhasco.
Escarpar: Tornar o terreno íngreme; dar declividade a ele.
Informe: Grande, rude, disforme.

Domingos do Nascimento: (1863 - Freguesia do Guaraqueçaba (PR) - 1915 - Curitiba)
Um dos grandes exemplos da poesia de transição do Romantismo e Simbolismo, principalmente se analisarmos o movimento Simbolista como um movimento literário "Pós-Romântico". No caso estético, talvez, essa evidência esteja mais fúlgida principalmente por Domingos do Nascimento não escrever sobre um alicerce estético parnasiano, como grande parte dos Simbolistas que o sucederam.

SEMPRE!

Quando outrora parti, era em plena alvorada,
A estrela-d'alva ardia ao cimo da montanha.
E do planalto olhando, oh surpresa tamanha!
Morria a estrela-d'alva à beira-mar tombada...

E me vendo passar nessa corrida estranha
Da mocidade em flor, me disse a sorte airada:
- Como hás de ser feliz em tua glória, ganha
Nesta vida esconsa e misteriosa estrada?!

Desci: e anos sem fim, sempre visões ignotas
Que almas fazem gemer, como naus entre fráguas
Numa desolação atroz de velas rotas...

Ó taças de cicuta! Ó flores do ópio! Trago-as
De parcéis em parcéis, de ilhotas sobre ilhotas,
Olhos para o alto mar das infinitas mágoas!

(Na publicação Folha Rósea, ano II. 15 de Agosto de 1911)

Glossário:
Cimo: Cume, alto da montanha.
Airado: Aéreo, desvairado, vadio.
Esconsa: Escondida, oculta; que tem desnível.
Ignota: Desconhecido (palavra de uso recorrente no Simbolismo).
Fráguas: Fogueira; Por extensão: Fogo, calor intenso; Amargura.
Cicuta: Planta venenosa.
Parcel: Escolho, recife. Por extensão: estorvo, dificuldade, obstáculo.


Caros leitores do Sacrário das Plangências, a parte II termina, assim como a Parte I, com três bardos com poemas transcritos para o blog. Em alguns casos, focarei mais na biografia (como o de Tibúrcio de Freitas, devoto amigo de Cruz e Sousa, e que nos deixou cartas de simbologia fraternal, mas que, não obstante, nunca chegou a escrever um verso), noutros o foco será totalmente em versos (sejam em sonetos - constantes até agora - ou longos quartetos). Na Parte III, os poemas em prosa aparecerão novamente - e Emiliano Perneta, a grande figura do Simbolismo paranaense, terá espaço para, ao menos, 2 poemas.

Abraços, Cardoso Tardelli

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