segunda-feira, 19 de julho de 2010

Justiça Histórica

Não é minha intenção aqui travar discussões políticas envolvendo literatos da nossa nação. Mas num ponto eu, tanto como aluno de história quanto como fã de Literatura, tinha de tocar, pois tal ponto não poderia ficar pelos ventos da História e Literatura soturnamente uivando.

E digo-lhes de quem estou comentando: Gregório de Matos. O maior poeta satírico da época do Brasil Colonial foi tenebrosamente analisado por Leandro Narloch, em seu livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil (Leya, 2009). Em mais uma tentativa frustrada de se fazer um livro de "Jornalismo Histórico" - algo já corriqueiro entre muitos jornalistas, que tentam facilitar a linguagem acadêmica dos Historiadores, mas acabam cometendo erros de Contexto Histórico, acabando num resultado terrível, tanto jornalístico, quanto histórico -, Narloch chama Gregório de Matos de dedo-duro da Inquisição, quando esta veio para o Brasil, e defendeu a tese que não havia somente um poeta Gregório de Matos, mas sim vários, que incorporavam este nome. Um dado que não pode ser escondido, neste livro nada que o Brasil teve foi bom, correto, justo ou verdadeiro. Não que tudo que aprendemos em Escolas e Cursinhos sejam fatos inegáveis, mas a história do Brasil, tal como seus grandes nomes, não é a escória que é mostrada neste livro.

Voltando ao assunto do post, sabe-se que não se assinavam as poesias e obras naquela época. Darcy Damasceno, em uma pequena análise na antologia de poemas de Gregório de Matos da editora Global, deixa claro em várias partes que, de fato, algumas partes da obra de Gregório de Matos podem sim ter sido modificadas por diversos autores, e admitir a total legitimidade de sua obra é algo difícil. Mas, independentemente disso, o fato é que, quando tratamos da sátira Gregoriana, tal como seus poemas de amor, é tão singelo o autor em seu modo de escrita e palavreado que se diferencia de todos os outros satíricos de sua época.

Narloch cita poemas com supostos palavrões que Gregório de Matos, acusando-o de linguagem chula. Esqueceu-se, porém, de pegar um dicionário que tenha os significados de tais palavras quando a língua geral - uma mistura de Português, Espanhol e Tupi - ainda era a regente nas terras coloniais. Muitas das palavras que hoje são de baixo calão, mesmo tendo sentido não muito elogioso naquela época, dava o ar da sátira.

Outro ponto da crítica absurda de Narloch é que ele, enfáticamente, diz que Matos escrevia contra negros, cristãos-novos e pobres - e dá exemplos de poesias com tal conotação. Nota-se duas linhas em que Narloch diz que é natural para alguém da época isso, porém, a ênfase dada anteriormente deixa tamanha nódoa que somente uma análise profunda da sociedade colonial da segunda metade do século XVII poderia retirá-la, com esforço ainda. O curioso desta passagem citada, aliás, é que as obras que ele sempre cita, timidamente, como "atribuídas" a Gregório de Matos são dadas num teor que nos leva a entendê-las como somente de um homem. E, de fato, devem ser. Mas o teor dado no texto de Narloch praticamente coloca Gregório de Matos como um opositor dos bons costumes, dando a ele uma posição de vilão na literatura brasileira. Falta aqui, como quase em todo livro de "Jornalismo Histórico" (principalmente os "by redatores da Veja"), além de bom senso, um Guia Prático - se é que isso existe - de Contexto Histórico ao autor.

Vamos à derradeira parte, e a mais um erro tenebroso de uso de bibliografia de história - que, neste caso, foi usada, tão-somente, no sentido de escrachar o poeta baiano do século XVII. O "carro-chefe", digamos, da parte em que Narloch analisa é evidenciado pelo título de tal fragmento do capítulo destinado da "desmascarar os autores brasileiros": "Gregórios de Matos era um dedo-duro", secamente avisa o título. Dedo-duro, no caso, da inquisição, como já dito, que ao Brasil veio duas vezes. Vendo a bibliografia de Narloch usada nesta parte, somente faltou a essencial para qualquer pessoa que quer tratar de Inquisição no Brasil: Ronaldo Vainfas, Bruno Feitler (que já publicaram conjuntamente o livro A Inquisição em Xeque: temas, debates, estudos de caso (Ed. da Universidade Estadual do Rio de Janeiro), entre outros autores historiadores, cuja missão é desvendar as duas vindas da Inquisição Portuguesa ao Brasil. E aqui não se faz corporativismo, algo que repudio, somente é defendido o pressuposto que, se a análise, por menor que seja o teor acadêmico dela, propõe determinado assunto - que se use as melhores bibliografias para que ela fique de qualidade majestosa.

Porém, não foi o que vimos em o Guia politicamente Incorreto da História do Brasil, que poderia, muito bem, se chamar de Guia Prático dos Portadores da Síndrome de Vira-lata do Brasil. Tal como a Revista em que o autor deste livro escreveu durante um bom tempo.

6 comentários:

  1. Tais livros são costumamente tratados com desdém em Faculdades de História. Talvez um "1808" seja algo que possa ser discutido em uma aula, principalmente sobre a questão do "Jornalismo Histórico". Mas um livro como o Guia que me refiro não merece ser discutido nem em dez minutos de aula, já que pouco tempo temos. Mas na internet o espaço é aberto, e por isso fiz tal crítica.

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  2. Caio, por curiosidade, que extensão de texto Narloch dedica a suas considerações sobre Gregório de Matos? São muitas páginas? Abraço.

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  3. Tuffani, são 5 páginas, pois é um subtítulo de um capítulo que serve para "desmascarar" os escritores brasileiros. O livro segue um padrão de ter além do texto em que se argumenta, ao lado dos parágrafos ter várias observações. No caso do Gregório de Matos, por exemplo, ele diz que tal nome virou uma grife. Então, muitas coisas, são colocadas com mais ênfase nessas "observações" ao lado.

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  4. Caio, obrigado. Gregório de Matos não está em minhas prioridades (a vida faz isso conosco), mas fiquei curioso. Assim que puder, quando for a alguma livraria no fim de semana, darei uma folheada no livro. Valeu! Abraço.

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  5. Um abração, Tuffani! Eu tenho grande respeito pelo seu trabalho! Neste blog eu tenho a intenção de trabalhar duas áreas não alheias, mas que na faculdade nem sempre são tratadas juntas. Como você bem disse: a vida faz isso conosco! Um abraço!

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  6. Caio:

    Já que sua postagem trata do poeta e de seu contexto histórico, vale lembrar o livro "A Sátira e o Engenho", de autoria do professor João Adolfo Hansen, da FFLCH-USP, grande autoridade no assunto. Não li a obra, que pretendo comprar, mas fui aluno do Adolfo Hansen. Participei de suas aulas sobre Gregório de Matos. João Adolfo Hansen é leitura obrigatória para quem pesquisa o poeta e a cultura baiana do século XVII.

    Abraços.
    Ari.

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