quarta-feira, 3 de julho de 2013

O Simbolismo para além de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens

Caros leitores do Sacrário das Plangências, esta postagem não tem como princípio uma finalidade didática, mas uma amostragem e um questionamento acerca do padrão com que o Simbolismo é divulgado nas escolas, ou até, inclusive, em livros acadêmicos, nos quais o movimento é divulgado somente com dois autores relevantes, ou quando há um autor relevante, é considerado pré-modernista, ou "nem um, nem outro" (como julgam muitos, por exemplo, Augusto dos Anjos) o que tentarei demonstrar não somente injusto, mas também como um equívoco no que se refere à percepção do que ocorria na literatura daquela época.

O movimento Simbolista, corrente literária fincada no ideal da perscrutação lírica do ser, do além e da própria significação onírica da vida, teve, no Brasil, por convenção didática, os seus maiores representantes nas figuras do catarinense Cruz e Sousa (1861-1898) e do mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921). Porém, com exceção aos versos cheios de aliteração de “Violões que Choram...”, de Cruz e Sousa, e aos célebres quartetos de “Ismália”, de Alphonsus de Guimaraens, é pequena a parcela de leitores que leem a obra dos dois. E há motivos para isso. O Simbolismo, não obstante a sua aparência formal, a sua temática severa, transcendente, foi – e ainda é - uma poesia marginal. Precedeu, nas terras brasileiras, grande parte das “revoluções” anunciadas na Semana da Arte Moderna – do verso harmônico ao verso solto, sem metro; sonetos assimétricos, sem rima; até a poesia visual -, mas ainda sim é tradado somente como um contramovimento ao Parnasianismo.

Mas a própria resolução que faz com que o Simbolismo brasileiro tenha somente dois representantes importantes é falaciosa. Se, por um lado, no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, de Andrade Muricy (Editora Perspectiva; 1987), há, nada mais, nada menos que cento e trinta e um escritores simbolistas – na maior parte, poetas –, o próprio Andrade Muricy confessa-nos que não se deteve ao relatar casos de poetas menores, alguns que não chegaram a sequer publicar um livro – mas tiveram vida intelectual ativa em prol do movimento. O que se pode notar é que muitos poetas do Simbolismo brasileiro são realmente de estro altivo, consideráveis para qualquer plano e panorama das altas letras brasileiras, que ainda tende a crer que somente começamos a ter uma poesia “puro sangue” após 1922 – sendo que Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Felipe d'Oliveira, Graça Aranha, e até o grupo modernista da Festa, entre outros, estavam envolvidos com o Simbolismo, seja por produções passadas, como Felipe d'Oliveira e Manuel Bandeira, seja por uma confluência com o espírito criativo simbolista, como Guilherme de Almeida.

Para os exemplos pretendidos, vou me deter em quatro nomes além dos dois alicerces já citados. São eles: Emiliano Perneta, Eduardo Guimaraens, Silveira Neto e Raul de Leoni. Mas os exemplos de grandes poetas são tantos que me faltaria espaço para citá-los – e nem sequer uma seleção como a minha pode ser julgada justa ou completa. Alguns, por exemplo, falariam de Pedro Kilkerry, outros de Gilka Machado, Alceu Wamosy, sendo, portanto, impossível – para uma pequena argumentação e amostragem – uma seleção ideal.

(Na foto: Emiliano Perneta)

Emiliano Perneta (1866-1921), paranaense, foi um dos mais importantes poetas do movimento, seja pela representativa qualidade de sua poesia, seja pela sua participação no jornal “O Mercantil”, pelo qual foram publicadas obras esparsas de Cruz e Sousa, Wenceslau de Queirós, Raul Pompeia, Severiano de Resende, Alphonsus de Guimaraens, entre outros. Se quando aluno da Faculdade de Direito do Largo São Francisco defendeu publicamente a proclamação da República (segundo Andrade Muricy, em seu Panorama, tal defesa foi feita na formatura de Emiliano Perneta, quando a República tinha acabado de ser proclamada nas plagas cariocas, mas, evidentemente, naqueles tempos São Paulo só ficou sabendo depois), a postura de Emiliano Perneta poeticamente foi quase que exclusivamente a de um torre-de-marfim, mantendo uma visão onírica, às vezes atemporal e afastada de tudo que o cercava. Foi um poeta com grande feitio erótico, mas, acima de tudo, com um colorido criativo que se evidenciou no seu magnífico “O Sol”, publicado em Setembro (1934), em que sua imaginação atingiu talvez o ápice ao descrever (diga-se, de uma maneira oposta à simples descrição parnasiana) uma aurora em Curitiba. Acerca de seu estilo torre-de-marfim, talvez a sua característica que mais o marcou, transcreverei o soneto “Solidão”, de Ilusões (1911):


SOLIDÃO

Oh! para que sair do fundo deste sonho,
Que o destino me deu, e que a Vida me fez,
Se eu quando, a meu pesar, casualmente, ponho
Fora os pés, a tremer, volvo, ansiado, outra vez.

O meu lugar não é no meio de vocês,
Homens rudes e maus, de semblante risonho,
Não é no meio de tamanha insipidez,
Dum egoísmo atroz, dum orgulho medonho!

O meu lugar é aqui, no seio desta ruína,
Destes escombros que reluzem como lanças,
E destes torreões, que a febre inda ilumina!

Sim, é insulado, aqui, no cimo, bem o sei!
Entre os abutres e as Desesperanças.
E dentro deste Horror sombrio, como um Rei!


Segundo Alfredo Bosi, em sua História Concisa da Literatura Brasileira, Emiliano Perneta foi um poeta que deixava exalar o “homem arrastado pelo desejo de conhecer o próprio fim”. E segundo o próprio Bosi, um dos poemas de Perneta que expressam essa ânsia seja o soneto “Corre mais que uma vela...”, também presente em Ilusão :

CORRE MAIS QUE UMA VELA...

Corre mais que uma vela, mais depressa,
Ainda mais depressa do que o vento,
Corre como se fosse a treva espessa
Do tenebroso véu do esquecimento.

Eu não sei de corrida igual a essa:
São anos e parece que é um momento;
Corre, não cessa de correr, não cessa,
Corre mais do que a luz e o pensamento...

É uma corrida doida essa corrida,
Mais furiosa do que a própria vida,
Mais veloz que as notícias infernais...

Corre mais fatalmente do que a sorte,
Corre para a desgraça e para a morte...
Mas eu queria que corresse mais!


Uma das características mais marcantes do Simbolismo foi a percepção do corpo como uma prisão da alma. Esse tópico, recebido dos Românticos (claro, a percepção do movimento de Álvares de Azevedo era menos metafísica), foi excessivamente desenvolvido nesse período, indo do célebre “Cárcere das Almas” (nos Últimos Sonetos, 1905), de Cruz e Sousa, ao pós-Simbolista “Rimance” (em Vaga Música, de 1942), de Cecília Meireles. Acerca dessa temática, de Emiliano Perneta posso destacar o “Brigue”, publicado em Setembro, coletânea póstuma e que reúne dos seus mais importantes textos:

O BRIGUE

Num porto quase estranho, o mar de um morto aspecto,
Esse brigue veleiro, e de formas bizarras,
Flutua há muito sobre as ondas, inquieto,
À espera, apenas, que lhe afrouxem as amarras...

Na aparência, a apatia amortece-lhe o esforço;
Se uma brisa, porém, ao passar, o embalsama
Ei-lo em sonho, a partir, e, então, empina o dorso,
Bamboleia-se, mais gentil do que uma dama...

Dentro a maruja acorda ao mínimo ruído,
Deita velas ao mar, à gávea sonda, o ouvido
Alerda, o coração batendo, o olhar aceso...

Mas a nau continua oscilando, oscilando...
Ó quando eu poderei, também partir, ó quando?
Eu que não sou da Terra e que à Terra estou preso?



(Na foto: Eduardo Guimaraens)
Já o caso de Eduardo Guimaraens (1892-1928) é menos ortodoxo em termos formais e mais variado no que se refere às influências. Utilizando-se de variada métrica, de variada musicalidade, Eduardo Guimaraens tinha em Dante o seu grande alicerce artístico além do que o Decadentismo e Simbolismo ofereciam-lhe. Talvez o seu espírito sugestivo – um dos mais altos de nossa literatura – fizesse com que o seu Simbolismo fosse todo singular, sereno, filosófico, ou, como Andrade Muricy relatou, “o de feição mais assiduamente fiel às raízes europeias do Simbolismo”. Chamou-o, inclusive, Muricy, em seu Panorama, de um “artista, no sentido profissional, de métier da palavra”. Posso, aqui, transcrever vários textos que provam a variedade estética de Eduardo, mas ficarei com dois publicados em sua Divina Quimera (1916) – antes que este título fosse o título de sua obra completa - e um presente em Estâncias de um Peregrino. É válida a informação que o Simbolismo prolongou as suas influências em terras gaúchas, fazendo-se ouvir até um bom tempo depois de 1922.


CANTO X – PARTE I – Da Divina Quimera


Dói-me a recordação de ti, como de um sonho.

Sob a ardente mudez do meu olhar tristonho,
passaste há pouco ao pé de mim, indiferente.
Seguiu-te o meu amor, ao longe, ocultamente.

Oh, a incrível tristeza, a tortura sem causa,
por uma dúvida indizível, incerteza
inexprimível como, à noite, a morbideza
que torna a minha voz como um longo lamento
doloroso! Tortura e sombra! Grave e lento,
como sobre o teclado abafado e soturno
de um órgão, sobre um piano agoniza um noturno.
Há depois um silêncio. Um vago acorde. E agora
uma voz, que rediz a mágoa que a adolora,
sobre através da noite e conta à noite o encanto
de amor e de sofrer, que une a beleza ao pranto...
Noites de amor e de saudade! Solitário,
sonho. Não fora a sombra um órgão funerário
que as tuas mãos, onde soluça a alma de um lírio,
fazem sofrer também, ao lúcido delírio
desta noite de agosto invernal e tristonho?

Dói-me a recordação de ti como de um sonho!

Peço particular atenção ao verso que inicia e fecha o poema. A recordação de um sonho é a recordação do impossível, do ideal perceptível, mas inexistente. Quase toda a Divina Quimera se debruça em um amor musical, idealizado, levemente erótico, mas em cuja melancolia se encontra a bruma da desse sonho inexprimível.

DE PROFUNDIS CLAMAVI (na Divina Quimera)

Deste profundo horror, de esplêndida memória,
ouve, Senhor, o brado unânime e maldito
que aos céus, vibrando, sobe! Ouve o sinistro grito
que é toda a angústia humana e toda a humana glória.

Ouve o que diz a boca exangue e merencória,
de amor gemendo! E o lábio ardente do precito
que em vão interrogou a sombra do infinito!
E o que sorveu, calado, a lágrima ilusória!

Ouve, Deus de Sinai que tens o raio ao seio!
Nós clamamos a ti pelos perdões supremos,
pela suprema paz ao nosso eterno anseio!

E queremos saber por que nos torturamos!
E clamamos a ti do Éden em que sofremos!
E clamamos a ti do Inferno em que gozamos!

A influência de Baudelaire nesse soneto não pode ser considerada à toa. Em relato para Andrade Muricy, Félix Pacheco, poeta simbolista, concordou que as traduções de Eduardo Guimaraens para os poemas das Flores do Mal foram as mais fiéis então já vistas para o português.

FIM DE VIAGEM (nas Estâncias de um Peregrino)

Que vos importa ouvir a voz de um peregrino?
Pouco vale saber se cantei ou chorei;
se fiz mal, se fiz bem; se aceitei o destino;
se gozei ou sofri; se amei ou se odiei.

Sou uma sombra a mais no caminho divino...
E, como apareci, desaparecerei...

Recomendo, de Eduardo Guimaraens, a leitura dos poemas “Na Tarde Morta” e “Embalo Fúnebre” para que se veja mais de sua versatilidade artística.

(Na foto: Silveira Neto)

O paranaense Silveira Neto (1872-1942) lançou, com certeza, um dos mais representativos livros do Simbolismo “ortodoxo” (que seguia, entre outros, a linha de Baudelaire e do Decadentismo de Mallarmé e Verlaine). O seu Luar de Hinverno (1901) – com o H diferenciador – causou um furor em nossas letras. Ora, a melhor obra de Alphonsus de Guimaraens só foi publicada em livro após a sua morte (ele faleceu em 1921) e o que havia de essencial de Cruz e Sousa, àquela altura, era Missal e Broqueis (ambos de 1893), Evocações (1898) e Faróis (1900). Emiliano Perneta publicava esparsadamente, desenvolvia, fazendo com que a sua Ilusão chegasse em um tardio 1911. Essencialmente, o melhor do Simbolismo publicava-se por meio de jornais, com algumas exceções, é claro, como a de Dario Velozzo, que desde 1890 (antes, portanto, do advento de Missal) já publicava seus livros. Se quando Silveira Neto publicava esparsos até mesmo Cruz e Sousa chegou, segundo Nestor Vítor, “a sentir-lhe inveja de seus versos”, o lançamento de Luar de Hinverno veio para marcar ponto de que o Simbolismo, no Brasil, era um movimento em plena vivacidade criativa e qualitativa.


PÓRTICO
(do Luar de Hinverno)

Versos - mendigos de mantos reais -
Ide, que vos esperam sete espadas.
Fugi aos olhos d'oiros senhoriais:
Antes a prece aldeã pelas estradas.

Ide arrastar o meu burel de monge;
(Quanta saudade esse burel traduz...)
Se encontrardes o Mundo, tente-o longe,
Porque os seus braços são braços de cruz.

Direis a uns Olhos - Olhos onde a sorte
Pôs meu Ser a rezar, como em altares -
Que me vou de caminho para a Morte.

E a Morte... essa verá, na triste hosana
Do poente roxo que orla os meus olhares,
Como anoitece uma existência humana.


Segundo Tasso da Silveira, poeta, crítico e, diga-se, filho de Silveira Neto, este soneto (que é a página de entrada do Luar de Hinverno) representa um “mundo fechado em sua unidade harmoniosa” e que “independe de explicitações psicológicas ou biográficas relativas ao poeta para tornar-se uma presença íntegra e pura” (recomendo a leitura do texto Hermetismo e Poesia, de Tasso da Silveira, no qual, baseado em uma análise de “Pórtico”, o autor analisa as “duas espécies de hermetismo em poesia).


ESCOMBROS (do Luar de Hinverno)

Recordam templos de um ardor violento,
Escombros! que saudade os acompanha!
São os profetas do Aniquilamento,
Petrificados numa dor tamanha...

Jazem deuses e ritos - caos poeirento -
Nessa de pedras agonia estranha;
Vasto epitáfio em lúgubre memento,
Das grandezas que a Morte à Vida apanha.

De olhá-los gosto em noite atormentada,
Quando a terra se turba a ouvir, crispada,
Gemer nas ruínas o coral dos ventos.

Lembram-me a dor e todo esse deserto
Que transfiguram da alma o lírio aberto
Numa panóplia de punhais sangrentos...


Em “Escombros”, apesar do vocabulário típico do movimento, o desenvolvimento atingiu uma retórica de transfiguração imaginativa que poucos do Simbolismo atingiram, de fato. E nada mais representativo do que “Escombros” para demonstrar o que, para Tasso da Silveira, era o seu pai: “Silveira Neto, salvo em pouquíssimos cantos esporádicos, foi, em sua obra, uma espécie de exegeta das ruínas, da morte, do silêncio, como foi em toda a sua vida o homem dominado pela dor de viver.”

SOMBRA (em Ronda Crepuscular)

Escureçam-no as trevas e a sombra
da morte
Jó (cap.3, Nº 5).

O Ocaso, a arder no seu deslumbramento,
Põe fímbrias de ouro pelo céu. Na estrada
O crepúsculo segue o passo lento
De alguém que vai ao fim de uma jornada.

Vede-o: só tem por acompanhamento
A própria sombra pelo solo; e cada
Passo que muda reza-lhe o memento;
E a sombra é cada vez mais alongada.

Outra maior, porém, seu passo apanha
No íntimo d'alma, a suplicar piedade;
Pobre viajor que desces a montanha.

É aquela que nos traz, sombra dorida,
O crepúsculo amargo da saudade
Ao fim da marcha fúnebre da vida.

Rio - 1918


Segundo Andrade Muricy – contrariando o clássico senso-comum acerca do Movimento Simbolista – Silveira Neto, apesar de ser um clássico autor do estilo – onírico, evasivo, um clássico torre-de-marfim -, não deixou de escrever poemas com temáticas sociais. A sua “Ode ao Alicerce” - apesar de complexa simbologia – é vasta de críticas ao poder, ao alicerce que então dominava as nações.

(Na foto: Raul de Leoni)
O último autor em cuja obra quero brevemente me debruçar é o carioca Raul de Leoni (1895-1926), cujo posicionamento na Literatura brasileira só não está muito bem claro por seu estro singularíssimo. Se um dos seus mais célebres poemas – a Ode a um Poeta Morto – tem veia claramente parnasiana (e que se diga que o poema é dedicado a Olavo Bilac), como o crítico Franklin de Oliveira definiu: “salvou-o o frêmito da herança simbolista”. O seu Luz Mediterrânea (1922) tem claramente uma espirituosidade e uma mística que não é comumente encontrada nos clássicos livros parnasianos, com exceção a Francisca Júlia, em suas Esfinges e, claro, às publicações póstumas da própria tríade. Tais livros têm clara influência do Simbolismo brasileiro e português, e também do Decadentismo francês; para o caso, sugiro a leitura de Tarde, de Olavo Bilac.
Mas o que é muito interessante de se notar é fragilidade das datas com que são normalmente expostos o “início e fim” do movimento Simbolista no Brasil. Se, por um lado, a organização de periódicos e a publicação de livros simbolistas começou antes dos decisivos livros de Cruz e Sousa, também podemos falar da polêmica data de 1911 (data de lançamento de Ilusão, de Emiliano Perneta), posta por muitos como o derradeiro marco do Simbolismo em terras brasileiras. O movimento simbolista gaúcho (do qual participou o já citado Eduardo Guimaraens), a Luz Mediterrânea, lançada no ano da Semana de 1922, provam o contrário: o “frêmito da herança simbolista”, para utilizar a sentença de Franklin de Oliveira, não só se reforçou com o tempo, como também se adaptou após 1922, como nos mostram a poesia de Onestaldo de Pennaforte, Cecília Meireles, Duque Costa, Guilherme de Almeida, entre tantos outros que, utilizando-se ou não de recursos formais, nunca abandonaram o tom supersticioso, evocativo e evasivo do Simbolismo. É mais justo, em minha visão, utilizarmos o termo sincretismo, criado por Tasso da Silveira para explicar, no caso após 1911, o momento pelo qual passava a literatura brasileira: havia, pois, um sincretismo de Pós-Parnasianismo, de Simbolismo (no RS), de Pós-Simbolismo e de Modernismo, além de outros “ismos”, não menos importantes, que apareceram na época, como o Penumbrismo e o Impressionismo.

TORRE MORTA DO OCASO (em Luz Mediterrânea)

Esguia torre ascética, esquecida
Na bruma de um crepúsculo profundo!
És, no mais triste símbolo do mundo,
A renúncia tristíssima da Vida!

Tua existência é um pensamento fundo
Levantado na pedra adormecida:
Bem sentes quanto é inútil e infecundo
O esforço na vertigem da subida!...

Como és profética de longe... quando,
Na moldura do poente de ouro e rosa,
Interpretando todos os destinos,

Vais por todos os ventos espalhando
Tua filosofia dolorosa,
Na balada sonâmbula dos sinos!...

--

EUGENIA (em Luz Mediterrânea)


Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras.
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila.

Às belezas heroicas te comparas
E, em mim, a luz olímpica cintila.
Gritam, em nós, todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila.

É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Elêusis),

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E, do teu ventre, nasceriam deuses...

Vale aqui um comentário histórico. A ideia de “eugenia”, ou seja, a ideia de “boa geração”, era muito comum à época de Raul de Leoni. O cientificismo crescente do final do Século XIX, unido às ideias deterministas, fizeram com que a ideia de uma “boa geração” crescesse, ganhando contornos científicos. Por meio de uma separação social, os de boa saúde, os brancos e os cultos ficariam “de um lado da sociedade”, para que os os negros, os mestiços, os epilépticos, os alcoólatras – com uma política de marginalização, de exclusão definitiva e de afastamento – concretizassem a sua tendência à esterilidade e naturalmente se eliminassem da sociedade. Só sobraria os de boa saúde, os cultos, os brancos, para que, enfim, por meio da reprodução destes, se concretizasse a eugenia – a “boa geração”. O poema de Raul de Leoni, é bem evidente, perambula sobre o tema “amor de seleção” entre “criaturas raras” e do qual “nasceriam deuses” - sempre com as evocações aos olimpos gregos que foram tão caros ao poeta -, mas tendo a sua eugenia um aspecto mais simbólico do que determinista, um aspecto mais evocativo “daquela Grécia esplêndida e tranquila” do que de um Brasil que tentava excluir os epilépticos da sociedade. Aliás, que se diga, sobre o tema, recomendo o livro “O Espetáculo das Raças – Cientistas, Instituições e a Questão Racial no Brasil (1870-1930)”, da antropóloga Lília Moritz Schwarcz.

LEGENDA DOS DIAS (em Luz Mediterrânea)

O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...


As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: "Se o Ideal da Vida
Não vejo hoje, virá na outra jornada...


Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;


E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiantamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...


Esse talvez venha comprovar a ideia de sincretismo a que Tasso da Silveira se referiu. O tema (a legenda dos dias, os enganos, desenganos, os sonhos, as percepções do ser humano durante a vida, numa percepção definitiva), também foi trabalhado por Alphonsus de Guimaraens em seu soneto LX, em Pulvis (inicia-se com o verso “Homem, jamais tu saberás ao certo...”), e por Olavo Bilac, no soneto “Fogo-Fátuo”, presente no seu Tarde. A percepção da necessidade de além, de sonho, de um mundo idealizado é clara em todos os poetas citados: “para querer o não há na vida” (Fogo-Fátuo); “para alcançar o que jamais se alcança” (soneto LX); e, em Raul de Leoni, “se o Ideal da Vida não vejo hoje, virá na outra jornada”.

Apesar de uma seleção de quatro autores para além de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens ser, de fato, ainda pequena tamanha a produção do Simbolismo brasileiro, creio que fiz o meu ponto. Soa-me bem evidente que os autores que selecionei formam uma parte mais ortodoxa do Simbolismo – com a exceção de Eduardo Guimaraens, que se evadiu, em algumas vezes, da norma -, mas que o movimento simbolista precedeu a grande parte das “revoluções” conclamadas pelo movimento Modernista, necessitando ainda a escola – que vai muito além das aliterações de “Violões que choram...” - de uma leitura digna de sua qualidade literária e de sua importância nos rumos definitivos da literatura brasileira.

Abraços,
Cardoso Tardelli

Um comentário:

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