Caros leitores do Sacrário das Plangências, esta postagem não tem como princípio uma finalidade didática, mas uma amostragem e um questionamento acerca do padrão com que o Simbolismo é divulgado nas escolas, ou até, inclusive, em livros acadêmicos, nos quais o movimento é divulgado somente com dois autores relevantes, ou quando há um autor relevante, é considerado pré-modernista, ou "nem um, nem outro" (como julgam muitos, por exemplo, Augusto dos Anjos) o que tentarei demonstrar não somente injusto, mas também como um equívoco no que se refere à percepção do que ocorria na literatura daquela época.
O movimento Simbolista, corrente literária fincada no ideal da
perscrutação lírica do ser, do além e da própria significação
onírica da vida, teve, no Brasil, por convenção didática, os seus
maiores representantes nas figuras do catarinense Cruz e Sousa
(1861-1898) e do mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921). Porém,
com exceção aos versos cheios de aliteração de “Violões que
Choram...”, de Cruz e Sousa, e aos célebres quartetos de
“Ismália”, de Alphonsus de Guimaraens, é pequena a parcela de
leitores que leem a obra dos dois. E há motivos para isso. O
Simbolismo, não obstante a sua aparência formal, a sua temática
severa, transcendente, foi – e ainda é - uma poesia marginal.
Precedeu, nas terras brasileiras, grande parte das “revoluções”
anunciadas na Semana da Arte Moderna – do verso harmônico ao verso
solto, sem metro; sonetos assimétricos, sem rima; até a poesia
visual -, mas ainda sim é tradado somente como um contramovimento ao
Parnasianismo.
Mas
a própria resolução que faz com que o Simbolismo brasileiro tenha
somente dois representantes importantes é falaciosa. Se, por um
lado, no Panorama do
Movimento Simbolista Brasileiro,
de Andrade Muricy (Editora Perspectiva; 1987), há, nada mais, nada
menos que cento e trinta e um escritores simbolistas – na maior
parte, poetas –, o próprio Andrade Muricy confessa-nos que não se
deteve ao relatar casos de poetas menores, alguns que não chegaram a
sequer publicar um livro – mas tiveram vida intelectual ativa em
prol do movimento. O que se pode notar é que muitos poetas do
Simbolismo brasileiro são realmente de estro altivo, consideráveis
para qualquer plano e panorama das altas letras brasileiras, que
ainda tende a crer que somente começamos a ter uma poesia “puro
sangue” após 1922 – sendo que Manuel Bandeira, Guilherme de
Almeida, Felipe d'Oliveira, Graça Aranha, e até o grupo modernista
da Festa,
entre outros, estavam envolvidos com o Simbolismo, seja por produções
passadas, como Felipe d'Oliveira e Manuel Bandeira, seja por uma
confluência com o espírito criativo simbolista, como Guilherme de
Almeida.
Para os exemplos pretendidos, vou me deter em quatro nomes além dos
dois alicerces já citados. São eles: Emiliano Perneta, Eduardo
Guimaraens, Silveira Neto e Raul de Leoni. Mas os exemplos de grandes
poetas são tantos que me faltaria espaço para citá-los – e nem
sequer uma seleção como a minha pode ser julgada justa ou completa.
Alguns, por exemplo, falariam de Pedro Kilkerry, outros de Gilka
Machado, Alceu Wamosy, sendo, portanto, impossível – para uma
pequena argumentação e amostragem – uma seleção ideal.
(Na foto: Emiliano Perneta)
Emiliano Perneta (1866-1921), paranaense, foi um dos mais importantes poetas do movimento, seja pela representativa qualidade de sua poesia, seja pela sua participação no jornal “O Mercantil”, pelo qual foram publicadas obras esparsas de Cruz e Sousa, Wenceslau de Queirós, Raul Pompeia, Severiano de Resende, Alphonsus de Guimaraens, entre outros. Se quando aluno da Faculdade de Direito do Largo São Francisco defendeu publicamente a proclamação da República (segundo Andrade Muricy, em seu Panorama, tal defesa foi feita na formatura de Emiliano Perneta, quando a República tinha acabado de ser proclamada nas plagas cariocas, mas, evidentemente, naqueles tempos São Paulo só ficou sabendo depois), a postura de Emiliano Perneta poeticamente foi quase que exclusivamente a de um torre-de-marfim, mantendo uma visão onírica, às vezes atemporal e afastada de tudo que o cercava. Foi um poeta com grande feitio erótico, mas, acima de tudo, com um colorido criativo que se evidenciou no seu magnífico “O Sol”, publicado em Setembro (1934), em que sua imaginação atingiu talvez o ápice ao descrever (diga-se, de uma maneira oposta à simples descrição parnasiana) uma aurora em Curitiba. Acerca de seu estilo torre-de-marfim, talvez a sua característica que mais o marcou, transcreverei o soneto “Solidão”, de Ilusões (1911):
SOLIDÃO
Oh! para que sair do fundo
deste sonho,
Que o destino me deu, e que a
Vida me fez,
Se eu quando, a meu pesar,
casualmente, ponho
Fora os pés, a tremer, volvo,
ansiado, outra vez.
O meu lugar não é no meio de
vocês,
Homens rudes e maus, de
semblante risonho,
Não é no meio de tamanha
insipidez,
Dum egoísmo atroz, dum orgulho
medonho!
O meu lugar é aqui, no seio
desta ruína,
Destes escombros que reluzem
como lanças,
E destes torreões, que a febre
inda ilumina!
Sim, é insulado, aqui, no
cimo, bem o sei!
Entre os abutres e as
Desesperanças.
E dentro deste Horror sombrio,
como um Rei!
Segundo
Alfredo Bosi, em sua História Concisa da Literatura Brasileira,
Emiliano Perneta foi um poeta que deixava exalar o “homem arrastado
pelo desejo de conhecer o próprio fim”. E segundo o próprio Bosi,
um dos poemas de Perneta que expressam essa ânsia seja o soneto
“Corre mais que uma vela...”, também presente em Ilusão
:
CORRE
MAIS QUE UMA VELA...
Corre mais que uma vela, mais
depressa,
Ainda mais depressa do que o
vento,
Corre como se fosse a treva
espessa
Do tenebroso véu do
esquecimento.
Eu não sei de corrida igual a
essa:
São anos e parece que é um
momento;
Corre, não cessa de correr,
não cessa,
Corre mais do que a luz e o
pensamento...
É uma corrida doida essa
corrida,
Mais furiosa do que a própria
vida,
Mais veloz que as notícias
infernais...
Corre mais fatalmente do que a
sorte,
Corre para a desgraça e para a
morte...
Mas eu queria que corresse
mais!
Uma
das características mais marcantes do Simbolismo foi a percepção
do corpo como uma prisão da alma. Esse tópico, recebido dos
Românticos (claro, a percepção do movimento de Álvares de Azevedo
era menos metafísica), foi excessivamente desenvolvido nesse
período, indo do célebre “Cárcere das Almas” (nos Últimos
Sonetos, 1905), de Cruz e Sousa,
ao pós-Simbolista “Rimance” (em Vaga Música,
de 1942), de Cecília Meireles. Acerca dessa temática, de Emiliano
Perneta posso destacar o “Brigue”, publicado em Setembro,
coletânea póstuma e que reúne dos seus mais importantes textos:
O BRIGUE
Num porto quase estranho, o mar
de um morto aspecto,
Esse brigue veleiro, e de
formas bizarras,
Flutua há muito sobre as
ondas, inquieto,
À espera, apenas, que lhe
afrouxem as amarras...
Na aparência, a apatia
amortece-lhe o esforço;
Se uma brisa, porém, ao
passar, o embalsama
Ei-lo em sonho, a partir, e,
então, empina o dorso,
Bamboleia-se, mais gentil do
que uma dama...
Dentro a maruja acorda ao
mínimo ruído,
Deita velas ao mar, à gávea
sonda, o ouvido
Alerda, o coração batendo, o
olhar aceso...
Mas a nau continua oscilando,
oscilando...
Ó quando eu poderei, também
partir, ó quando?
Eu que não sou da Terra e que
à Terra estou preso?
(Na foto: Eduardo Guimaraens)
Já o caso de Eduardo
Guimaraens
(1892-1928) é menos ortodoxo em termos formais e mais variado no que
se refere às influências. Utilizando-se de variada métrica, de
variada musicalidade, Eduardo Guimaraens tinha em Dante o seu grande
alicerce artístico além do que o Decadentismo e Simbolismo
ofereciam-lhe. Talvez o seu espírito sugestivo – um dos mais altos
de nossa literatura – fizesse com que o seu Simbolismo fosse todo
singular, sereno, filosófico, ou, como Andrade Muricy relatou, “o
de feição mais assiduamente fiel às raízes europeias do
Simbolismo”. Chamou-o, inclusive, Muricy, em seu Panorama,
de um “artista, no sentido profissional, de métier
da
palavra”. Posso, aqui, transcrever vários textos que provam a
variedade estética de Eduardo, mas ficarei com dois publicados em
sua Divina Quimera
(1916)
– antes que este título fosse o título de sua obra completa - e
um presente em Estâncias
de um Peregrino.
É válida a informação que o Simbolismo prolongou as suas
influências em terras gaúchas, fazendo-se ouvir até um bom tempo
depois de 1922.
CANTO X – PARTE I –
Da Divina Quimera
Dói-me a recordação de ti, como de um sonho.
Sob a ardente mudez do meu olhar tristonho,
passaste há pouco ao pé de mim, indiferente.
Seguiu-te o meu amor, ao longe, ocultamente.
Oh, a incrível tristeza, a tortura sem causa,
por uma dúvida indizível, incerteza
inexprimível como, à noite, a morbideza
que torna a minha voz como um longo lamento
doloroso! Tortura e sombra! Grave e lento,
como sobre o teclado abafado e soturno
de um órgão, sobre um piano agoniza um noturno.
Há depois um silêncio. Um vago acorde. E agora
uma voz, que rediz a mágoa que a adolora,
sobre através da noite e conta à noite o encanto
de amor e de sofrer, que une a beleza ao pranto...
Noites de amor e de saudade! Solitário,
sonho. Não fora a sombra um órgão funerário
que as tuas mãos, onde soluça a alma de um lírio,
fazem sofrer também, ao lúcido delírio
desta noite de agosto invernal e tristonho?
Dói-me a recordação de ti como de um sonho!
Peço
particular atenção ao verso que inicia e fecha o poema. A
recordação de um sonho é a recordação do impossível, do ideal
perceptível, mas inexistente. Quase toda a Divina
Quimera
se debruça em um amor musical, idealizado, levemente erótico, mas
em cuja melancolia se encontra a bruma da desse sonho inexprimível.
DE PROFUNDIS CLAMAVI (na
Divina Quimera)
Deste profundo horror, de esplêndida memória,
ouve, Senhor, o brado unânime e maldito
que aos céus, vibrando, sobe! Ouve o sinistro grito
que é toda a angústia humana e toda a humana glória.
Ouve o que diz a boca exangue e merencória,
de amor gemendo! E o lábio ardente do precito
que em vão interrogou a sombra do infinito!
E o que sorveu, calado, a lágrima ilusória!
Ouve, Deus de Sinai que tens o raio ao seio!
Nós clamamos a ti pelos perdões supremos,
pela suprema paz ao nosso eterno anseio!
E queremos saber por que nos torturamos!
E clamamos a ti do Éden em que sofremos!
E clamamos a ti do Inferno em que gozamos!
A
influência de Baudelaire nesse soneto não pode ser considerada à
toa. Em relato para Andrade Muricy, Félix Pacheco, poeta simbolista,
concordou que as traduções de Eduardo Guimaraens para os poemas das
Flores do Mal
foram as mais fiéis então já vistas para o português.
FIM DE VIAGEM (nas
Estâncias de um
Peregrino)
Que vos importa ouvir a voz de um peregrino?
Pouco vale saber se cantei ou chorei;
se fiz mal, se fiz bem; se aceitei o destino;
se gozei ou sofri; se amei ou se odiei.
Sou uma sombra a mais no caminho divino...
E, como apareci, desaparecerei...
Recomendo, de Eduardo Guimaraens, a leitura dos poemas “Na Tarde
Morta” e “Embalo Fúnebre” para que se veja mais de sua
versatilidade artística.
(Na foto: Silveira Neto)
O paranaense Silveira Neto (1872-1942) lançou, com certeza, um dos mais representativos livros do Simbolismo “ortodoxo” (que seguia, entre outros, a linha de Baudelaire e do Decadentismo de Mallarmé e Verlaine). O seu Luar de Hinverno (1901) – com o H diferenciador – causou um furor em nossas letras. Ora, a melhor obra de Alphonsus de Guimaraens só foi publicada em livro após a sua morte (ele faleceu em 1921) e o que havia de essencial de Cruz e Sousa, àquela altura, era Missal e Broqueis (ambos de 1893), Evocações (1898) e Faróis (1900). Emiliano Perneta publicava esparsadamente, desenvolvia, fazendo com que a sua Ilusão chegasse em um tardio 1911. Essencialmente, o melhor do Simbolismo publicava-se por meio de jornais, com algumas exceções, é claro, como a de Dario Velozzo, que desde 1890 (antes, portanto, do advento de Missal) já publicava seus livros. Se quando Silveira Neto publicava esparsos até mesmo Cruz e Sousa chegou, segundo Nestor Vítor, “a sentir-lhe inveja de seus versos”, o lançamento de Luar de Hinverno veio para marcar ponto de que o Simbolismo, no Brasil, era um movimento em plena vivacidade criativa e qualitativa.
PÓRTICO (do Luar de Hinverno)
Versos - mendigos de mantos
reais -
Ide, que vos esperam sete
espadas.
Fugi aos olhos d'oiros
senhoriais:
Antes a prece aldeã pelas
estradas.
Ide arrastar o meu burel de
monge;
(Quanta saudade esse burel
traduz...)
Se encontrardes o Mundo,
tente-o longe,
Porque os seus braços são
braços de cruz.
Direis a uns Olhos - Olhos onde
a sorte
Pôs meu Ser a rezar, como em
altares -
Que me vou de caminho para a
Morte.
E a Morte... essa verá, na
triste hosana
Do poente roxo que orla os meus
olhares,
Como anoitece uma existência
humana.
Segundo
Tasso da Silveira, poeta, crítico e, diga-se, filho de Silveira
Neto, este soneto (que é a página de entrada do Luar
de Hinverno)
representa um “mundo fechado em sua unidade harmoniosa” e que
“independe de explicitações psicológicas ou biográficas
relativas ao poeta para tornar-se uma presença íntegra e pura”
(recomendo a leitura do texto Hermetismo
e Poesia,
de Tasso da Silveira, no qual, baseado em uma análise de “Pórtico”,
o autor analisa as “duas espécies de hermetismo em poesia).
ESCOMBROS
(do
Luar
de Hinverno)
Recordam templos de um ardor
violento,
Escombros! que saudade os
acompanha!
São os profetas do
Aniquilamento,
Petrificados numa dor
tamanha...
Jazem deuses e ritos - caos
poeirento -
Nessa de pedras agonia
estranha;
Vasto epitáfio em lúgubre
memento,
Das grandezas que a Morte à
Vida apanha.
De olhá-los gosto em noite
atormentada,
Quando a terra se turba a
ouvir, crispada,
Gemer nas ruínas o coral dos
ventos.
Lembram-me a dor e todo esse
deserto
Que transfiguram da alma o
lírio aberto
Numa panóplia de punhais
sangrentos...
Em “Escombros”, apesar do
vocabulário típico do movimento, o desenvolvimento atingiu uma
retórica de transfiguração imaginativa que poucos do Simbolismo
atingiram, de fato. E nada mais representativo do que “Escombros”
para demonstrar o que, para Tasso da Silveira, era o seu pai:
“Silveira Neto, salvo em pouquíssimos cantos esporádicos, foi, em
sua obra, uma espécie de exegeta das ruínas, da morte, do silêncio,
como foi em toda a sua vida o homem dominado pela dor de viver.”
SOMBRA
(em
Ronda
Crepuscular)
Escureçam-no as trevas e a
sombra
da morte
Jó (cap.3, Nº 5).
O
Ocaso, a arder no seu deslumbramento,
Põe
fímbrias de ouro pelo céu. Na estrada
O
crepúsculo segue o passo lento
De
alguém que vai ao fim de uma jornada.
Vede-o:
só tem por acompanhamento
A
própria sombra pelo solo; e cada
Passo
que muda reza-lhe o memento;
E
a sombra é cada vez mais alongada.
Outra
maior, porém, seu passo apanha
No
íntimo d'alma, a suplicar piedade;
Pobre
viajor que desces a montanha.
É
aquela que nos traz, sombra dorida,
O
crepúsculo amargo da saudade
Ao
fim da marcha fúnebre da vida.
Rio
- 1918
Segundo
Andrade Muricy – contrariando o clássico senso-comum acerca do
Movimento Simbolista – Silveira Neto, apesar de ser um clássico
autor do estilo – onírico, evasivo, um clássico torre-de-marfim
-, não deixou de escrever poemas com temáticas sociais. A sua “Ode
ao Alicerce” - apesar de complexa simbologia – é vasta de
críticas ao poder, ao alicerce
que então dominava as nações.
(Na foto: Raul de Leoni)
O último autor em cuja obra quero brevemente me debruçar é o carioca Raul de Leoni (1895-1926), cujo posicionamento na Literatura brasileira só não está muito bem claro por seu estro singularíssimo. Se um dos seus mais célebres poemas – a Ode a um Poeta Morto – tem veia claramente parnasiana (e que se diga que o poema é dedicado a Olavo Bilac), como o crítico Franklin de Oliveira definiu: “salvou-o o frêmito da herança simbolista”. O seu Luz Mediterrânea (1922) tem claramente uma espirituosidade e uma mística que não é comumente encontrada nos clássicos livros parnasianos, com exceção a Francisca Júlia, em suas Esfinges e, claro, às publicações póstumas da própria tríade. Tais livros têm clara influência do Simbolismo brasileiro e português, e também do Decadentismo francês; para o caso, sugiro a leitura de Tarde, de Olavo Bilac.
Mas
o que é muito interessante de se notar é fragilidade das datas com
que são normalmente expostos o “início e fim” do movimento
Simbolista no Brasil. Se, por um lado, a organização de periódicos
e a publicação de livros simbolistas começou antes dos decisivos
livros de Cruz e Sousa, também podemos falar da polêmica data de
1911 (data de lançamento de Ilusão,
de Emiliano Perneta), posta por muitos como o derradeiro marco do
Simbolismo em terras brasileiras. O movimento simbolista gaúcho (do
qual participou o já citado Eduardo Guimaraens), a Luz
Mediterrânea,
lançada no ano da Semana de 1922, provam o contrário: o “frêmito
da herança simbolista”, para utilizar a sentença de Franklin de
Oliveira, não só se reforçou com o tempo, como também se adaptou
após 1922, como nos mostram a poesia de Onestaldo de Pennaforte,
Cecília Meireles, Duque Costa, Guilherme de Almeida, entre tantos
outros que, utilizando-se ou não de recursos formais, nunca
abandonaram o tom supersticioso, evocativo e evasivo do Simbolismo. É
mais justo, em minha visão, utilizarmos o termo sincretismo,
criado por Tasso da Silveira para explicar, no caso após 1911, o
momento pelo qual passava a literatura brasileira: havia, pois, um
sincretismo
de
Pós-Parnasianismo, de Simbolismo (no RS), de Pós-Simbolismo e de
Modernismo, além de outros “ismos”, não menos importantes, que
apareceram na época, como o Penumbrismo e o Impressionismo.
TORRE
MORTA DO OCASO (em
Luz
Mediterrânea)
Esguia torre ascética,
esquecida
Na bruma de um crepúsculo
profundo!
És, no mais triste símbolo do
mundo,
A renúncia tristíssima da
Vida!
Tua existência é um
pensamento fundo
Levantado na pedra adormecida:
Bem sentes quanto é inútil e
infecundo
O esforço na vertigem da
subida!...
Como és profética de longe...
quando,
Na moldura do poente de ouro e
rosa,
Interpretando todos os
destinos,
Vais por todos os ventos
espalhando
Tua filosofia dolorosa,
Na balada sonâmbula dos
sinos!...
--
EUGENIA
(em
Luz
Mediterrânea)
Nascemos um para o outro, dessa
argila
De que são feitas as criaturas
raras.
Tens legendas pagãs nas carnes
claras
E eu tenho a alma dos faunos na
pupila.
Às belezas heroicas te
comparas
E, em mim, a luz olímpica
cintila.
Gritam, em nós, todas as
nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e
tranquila.
É tanta a glória que nos
encaminha
Em nosso amor de seleção,
profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo
de Elêusis),
Se um dia eu fosse teu e fosses
minha,
O nosso amor conceberia um
mundo
E, do teu ventre, nasceriam
deuses...
Vale aqui um comentário histórico. A ideia de “eugenia”, ou seja, a ideia de “boa geração”, era muito comum à época de Raul de Leoni. O cientificismo crescente do final do Século XIX, unido às ideias deterministas, fizeram com que a ideia de uma “boa geração” crescesse, ganhando contornos científicos. Por meio de uma separação social, os de boa saúde, os brancos e os cultos ficariam “de um lado da sociedade”, para que os os negros, os mestiços, os epilépticos, os alcoólatras – com uma política de marginalização, de exclusão definitiva e de afastamento – concretizassem a sua tendência à esterilidade e naturalmente se eliminassem da sociedade. Só sobraria os de boa saúde, os cultos, os brancos, para que, enfim, por meio da reprodução destes, se concretizasse a eugenia – a “boa geração”. O poema de Raul de Leoni, é bem evidente, perambula sobre o tema “amor de seleção” entre “criaturas raras” e do qual “nasceriam deuses” - sempre com as evocações aos olimpos gregos que foram tão caros ao poeta -, mas tendo a sua eugenia um aspecto mais simbólico do que determinista, um aspecto mais evocativo “daquela Grécia esplêndida e tranquila” do que de um Brasil que tentava excluir os epilépticos da sociedade. Aliás, que se diga, sobre o tema, recomendo o livro “O Espetáculo das Raças – Cientistas, Instituições e a Questão Racial no Brasil (1870-1930)”, da antropóloga Lília Moritz Schwarcz.
LEGENDA
DOS DIAS (em
Luz
Mediterrânea)
O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...
As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: "Se o Ideal da Vida
Não vejo hoje, virá na outra jornada...
Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;
E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiantamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...
O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...
As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: "Se o Ideal da Vida
Não vejo hoje, virá na outra jornada...
Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;
E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiantamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...
Esse
talvez venha comprovar a ideia de sincretismo
a
que Tasso da Silveira se referiu. O tema (a legenda dos dias, os
enganos, desenganos, os sonhos, as percepções do ser humano durante
a vida, numa percepção definitiva), também foi trabalhado por
Alphonsus de Guimaraens em seu soneto LX, em Pulvis
(inicia-se com o verso “Homem, jamais tu saberás ao certo...”),
e por Olavo Bilac, no soneto “Fogo-Fátuo”, presente no seu
Tarde.
A percepção da necessidade de além, de sonho, de um mundo
idealizado é clara em todos os poetas citados: “para querer o não
há na vida” (Fogo-Fátuo);
“para alcançar o que jamais se alcança” (soneto LX); e, em Raul
de Leoni, “se
o Ideal da Vida não vejo hoje, virá na outra jornada”.
Apesar de uma seleção de quatro
autores para além de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens ser, de
fato, ainda pequena tamanha a produção do Simbolismo brasileiro,
creio que fiz o meu ponto. Soa-me bem evidente que os autores que
selecionei formam uma parte mais ortodoxa do Simbolismo – com a
exceção de Eduardo Guimaraens, que se evadiu, em algumas vezes, da
norma -, mas que o movimento simbolista precedeu a grande parte das
“revoluções” conclamadas pelo movimento Modernista,
necessitando ainda a escola – que vai muito além das aliterações
de “Violões que choram...” - de uma leitura digna de sua
qualidade literária e de sua importância nos rumos definitivos da
literatura brasileira.
Abraços,
Cardoso Tardelli
Abraços,
Cardoso Tardelli
Olá. Parabéns pela postagem. Estou seguindo seu blog. Siga o meu http//:gauchaopina.blogspot.com, se puder. Curta a minha página no Facebook também: http://www.facebook.com/BlogPlanetaCurioso?ref=hl . Estou buscando novos blogs para ler, e novos blogueiros para conhecer o meu. Espero que goste de minha humilde página. Gostei realmente de seu blog.
ResponderExcluirAté mais... Obrigado. Aguardarei um comentário seu no meu blog.