quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O Caso do Desconhecido Edgar Mata em nossas Letras

Caros leitores do Sacrário das Plangências, nesta postagem pretendo discorrer sobre um dos Simbolistas brasileiros que detinha, em sua poesia, uma das maiores qualidades líricas do país, mas que, por um incidente familiar, teve grande parte de sua queimada - restando somente dela os códices, recuperados em livro por Cilene Cunha de Souza, na edição Obra Poética de Edgard Mata (1978), da editora Tempo Brasileiro. Alcoólatra, dizia ter na morte a sua aspiração suprema, talvez por ser, como relataram os seus amigos mais próximos, em relatos obtidos por Andrade Muricy, uma pessoa "profundamente triste".

(Na foto: Edgar da Mata Machado) 
Considerado por José Alfonso Mendonça Azevedo "o nosso Verlaine", Edgar Mata (1878-1907) foi, ao lado de Alphonsus de Guimaraens, o destaque do movimento Simbolista mineiro. O poeta, que nascera em Ouro Preto, tinha em sua poesia a presença constante da "solidão dos ermos" mineiros e dos "poentes prolongados" da região, assim como o poeta de Ismália. A influência de Cruz e Sousa se faz presente de forma constante - como o foi em todo o nosso Simbolismo -, mas não retirando, como exemplificou Andrade Muricy em seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, o feitio "de um verdadeiro poeta, de personalidade definida".

Como figura pública, colaborou na revista Lótus e no paulistano Jornal do Comércio. Participou do grupo literário "Jardineiros do Ideal", cuja importância no estado de Minas foi significativa, sendo reconhecido tal valor por Nestor Vítor - amigo mais próximo de Cruz e Sousa -, quando, em 1900, Nestor chamou o grupo para proferir uma palestra sobre o mais significativo poeta de nosso Simbolismo.

Acerca do incidente que pôs fim à grande parte da obra de Edgar Mata (no texto a grafia é Edgard) e que eu me referi no início deste tópico, Cilene Cunha de Souza nos relata um depoimento definitivo sobre o caso:  "Em 7 de Agosto de 1921, no Jornal Minas Gerais, Mario de Lima escreveu:
'O que Edgard Mata publicou constitui a menor fração de sua obra. Grande parte desta perdeu-se, infelizmente. Perdeu-se - inadvertidamente arrojados por uma veneranda senhora da família do poeta - às chamas de um fogão, dezenas de preciosos originais de seus versos, quase todos inéditos, como ele certa vez me contou, despreocupadamente, como se se tratasse da coisa mais natural do mundo'."

Apesar da escassez de sua obra, o seu nome chegou até o alto escalão do movimento Modernista, sendo ele admirado, entre outros, por Manuel Bandeira e pelo mineiro Carlos Drummond de Andrade (em Panorama do Movimento Simbolista). Poemas como "Estalactite" e "Lembro-me desse misterioso Poente..." marcaram profundamente gerações de leitores,  mesmo com a publicação limitada a panoramas e coletâneas sobre o movimento Simbolista. Na ocasião de sua morte, fora homenageado por Mariana Higina com o soneto "Saudade" - uma carinhosa relembrança à dolorosa e belíssima "Estalactite" do poeta. Salvou-o a tradição oral que havia em Minas Gerais, pois os seus poemas passaram de boca à boca por intermédio da declamação; sem tal tradição, muito provavelmente os códices não bastariam para que a memória de Edgar Mata, mesmo que capengamente, tivesse ainda brilho.

Transcrevo-lhes alguns poemas deste fabuloso poeta, sobre o qual o nosso reconhecimento ainda precisa ser maior e mais bem apurado - já que o período em que escrevera e em que ainda a sua poesia viveu plenamente (entre 1896-1920) parece-nos ainda como um elo perdido de nossa Literatura, tamanho foco dado a Semana de Arte Moderna e em seus artistas. Reparem como a pontuação de Edgar Mata é escassa (o que restou de sua obra foi transcrito pelas irmãs do poeta. Não se sabe se elas preservaram em totalidade a pontuação original do texto ou se o texto encontrado nos códices é cheio de gralhas gramaticais; sobre a veracidade ou não dessa característica da poesia de Edgar Mata, um parente do poeta - e também bardo - escreveu, em 1916, que "estas suas poesias (...), como se vê, não estão bem pontuadas. Edgar sempre usou de uma pontuação muito simples, mas não tão escassa como esta"); no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, Andrade Muricy chegou a incluir alguns pontos e vírgulas no texto para que se chegasse a um padrão temático e textual.

POEMAS DE EDGAR MATA

OUVI-ME, IRMÃOS

Aos que me entendem

Ouvi-me, Irmãos: eu sou o mais tristonho
Habitador das Trapas e Conventos;
Trago um burel em que se escondem bentos,
Sagrados breves de um solene sonho.

Todo o meu ser em contrições deponho
Num grande altar, ante uns perfis nevoentos;
Nem mesmo sabe o meu olhar bisonho
Se altar de sonhos ou desalentos...

Seu que na Terra ando cantando à Lua...
Que as portas se abrem sepulcrais dos poentes,
Por onde, em brumas, a visão flutua.

No grande oceano eu já vislumbro escolhos,
Quando eu cerrar, agonizante, os dentes,
Ouvi-me, Irmãos: vinde fechar-me os olhos.

ESTALACTITE



A gota vagarosa,
Infiltrada no dorso hirsuto da montanha,
Atravessa da gruta a abóbada porosa
E forma lentamente incrustação estranha.

Também na alma humana
A lágrima cruel, caindo dia a dia,
A lágrima que gera a negra dor insana
Forma a Estalactite enorme da agonia.



ENFERMO


Enfermo. . . e os olhos pálidos descerra
Tão fatigados e tão cismadores,
Que uma visão de sonolências erra
A pressagiar misteriosas dores.

As faces têm esbatidas cores
Do luar de Agosto num país de serra. . .
Há no sorriso que um lamento encerra
Um poema ignoto de saudade e amores.

Tudo é sereno neste estranho enfermo
E no fulgor do seu olhar tristonho
Sentem-se as velhas nostalgias do Ermo.

Fala. . . e a palavra é tão solene e mansa
Que penso que anda o derradeiro Sonho
A povoar-lhe as solidões da Esp'rança.


FÉRETRO DO SONHO

Passa um féretro leve, carregado
Por borboletas brancas como os lírios;
Da luz dos pirilampos - áureos círios -
Vai o pequeno esquife iluminado.

A lua chora um pranto magoado,
Pranto talvez de siderais martírios
- Monja do eterno claustro dos Empíreos,
Monja que traz o coração roxeado.

E o esquife passa. E nele, morto, dorme
Um sonho meu, um sonho multiforme,
Que sucumbiu nos gelos do Nirvana.

Amortalhado por neblinas vagas,
Vai-se elevando às luminosas plagas,
Longe, bem longe da Paixão humana.

LEMBRO-ME DESSE MISTERIOSO POENTE...

Lembro-me desse misterioso poente
Quando meus olhos sobre os teus poisados
Tinham presságios de uma Dor latente
E as agonias dos que são amados.

E a tarde morre sonolenta e fria
Como morreste de saudade e mágoas
E a lua triste como a Nostalgia
Chora na branca quietação das águas.

CANÇÃO

Ao cair da tarde, pelos montes quedos,
Alma de Nirvana soluçando mágoas,
Vou ouvindo os tristes, vesperais segredos
Que pelas ravinas vão dizendo as águas.

Serras à distância, desmaiando as cores
Num delíquio manso de quem vai morrendo...
Chora o Outono e há muito não brotam flores,
Caem folhas mortas amarelecendo...

Quanta dor esparsa pela etérea altura!
Que soluço imenso no infinito vaga!
Morre o sol cansado; sonhadora e pura
Sobe a Lua, a monja da cerúlea Plaga.

Ah! pelo crepúsculo, tenho poentes n'Alma
Roxos de saudade que me dilacera.
Nem o amor eterno que o Soluço acalma,
Nem  uma esperança que me fale - Espera -

E o teu rosto surge para mais magoar-me
No horizonte antigo da saudade extrema...
Tu, que nunca e nunca poderás amar-me,
Tu, a nota branca desse meu poema.

Pela merencória evocação dorida
Desse sentimento que me traz magoado
Sinto-te a meu lado, virginal, vestida
De cetins e rendas para o meu noivado.

Lá nos céus distantes, lá nos céus benditos,
Altar-mor da grande Catedral dos Sonhos,
Tudo se prepara por estranhos ritos,
Filha, para os nossos Esponsais risonhos.

E os teus olhos negros, Siderais, dolentes,
Repousando em meus aniquilados olhos,
São faróis acesos, são faróis ardentes
Clareando mares e afastando escolhos.

Falas-me baixinho como que em segredo
Do País do Sonho, de Quimera e luzes.
Eu te escuto as vozes, mas do meu degredo,
Só contemplo esguios os perfis das cruzes.

Sinto-te o perfume do cabelo umbroso,
Florestal aroma que me vem dos longes
Da montanha adusta onde, ao luar formoso,
Como ascetas vagam legendários monges.

Os teus lábios feitos de ideais orientes,
Das manhãs de Maio, das manhãs radiosas,
Vêm poisas agora sobre os meus dolentes
Lábios, onde há cores vesperais, saudosas.

E eu sempre à espera de que sobre a nave
Venha o Padre para me dizer - é tua -
Na floresta escura já se escuta uma ave,
No horizonte imenso vai morrendo a Lua...


Caso vocês tenham ficado curiosos sobre o poema escrito por Mariana Higina, em homenagem a Edgar Mata, ei-lo:

SAUDADE - MARIANA HIGINA

Hoje, a estalactite enorme da agonia
Já não te oprime o peito e não te pesa n'alma:
Recuperaste a fé, recuperaste a calma,
A sorte te sorriu, ao menos neste dia.

Aqui viveste, mas teu coração sentia
Uma amargura atroz, dessas que nada acalma,
Eras poeta, eras moço, e não quiseste a Palma,
E o espírito exilado a Deus voltar queria.

E a lágrima de sangue, a lágrima cruel
Que em ti se irregelou, a lágrima de fel
Que assim te fez morrer na flor da mocidade,

Em nosso coração agora, lentamente,
Há de ir formando, triste e dolorosamente,
- A estalactite enorme da saudade.

Abraços,
Cardoso Tardelli

4 comentários:

  1. Olá! Tudo bem!
    Gostaria de te agradecer. Estou fazendo um trabalho sobre poesia simbolista e seu blog me ajudou muito. Obrigada.

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  2. Já li o livro da Cilene Cunha e este cara - Edgard Mata - realmente é um grande poeta, melhor do que muitos outros mais famosos. Vc sabe se ele é pelo menos nome de alguma em Minas?

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  3. Genial! Também estou envolvido com alguns trabalhos acerca desse movimento literário e é excelente encontrar esses assuntos nos Blogs.

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  4. O Drummond reconheceu o valor do Edgard Mata e escreveu um poema para ele. Peço licença para publicar aqui:

    O poeta é notoriamente Prior do Desgosto,
    mora na Trapa da Tristeza,
    que é também castelo assombrado
    desde a Idade Média ou desde Vila Rica.
    O poeta confessa crimes etéreos.
    Cultiva um amor noturno, pecaminoso:
    a Monja Lua.
    É da raça dos que morrem cedo,
    não tem tempo a perder com a alegria.
    Há sempre outono e inverno e tarde
    em suas manhãs.
    Segue a esmo, entre grotões do País de Minas.
    Lágrimas e agonias vão com ele.
    Satã, na sombra, o espreita.
    Súbito, voo sonoro flecha o céu.
    São anjos? Duendes africanos?
    É o bando de maritacas
    e enche de cor seu coração e o mundo.
    O poeta, por um instante, vislumbra a vida.
    Ah, se tivesse nascido em Diamantina,
    seria talvez saudável cantor do Peixe-Vivo.

    Carlos Drummond de Andrade

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