terça-feira, 19 de julho de 2011

Casimiro de Abreu - Um Romântico de Transição



Caros leitores de o Sacrário das Plangências, esta é uma postagem que visa demonstrar a importância de Casimiro de Abreu (1839-1860) para além de seus clássicos e inolvidáveis poemas presentes no seu único livro As Primaveras, de 1859. O papel de Casimiro nas letras brasileiras é fulgente, mas o seu papel de influenciado por eternos, contemporâneo de personalidades literárias como Machado de Assis (1839-1860) e Castro Alves (1847-1871), e de influente literato até o abalo de sua imagem realizado pelos parnasianistas. E, diante do lugar em que se encaixa Casimiro de Abreu no nosso Romantismo, colocá-lo como um poeta de transição das fases do movimento.

Para dados bibliográficos, a Obra Completa de Casimiro de Abreu utilizada para a postagem é organizada e comentada por Mário Alves de Oliveira, da editora G.Ermakoff, lançado no ano de 2010, ano em que se completa 150 anos da morte do poeta fluminense.

Quanto ao Casimiro influenciado, qual todo Romântico, tinha ele o alicerce cultural na cultura francesa, inglesa e portuguesa, país em que viveu durante certo tempo. Nota-se isso nas várias citações observadas nas Primaveras, que vão de Victor Hugo (1802-1885) até do português Almeida Garrett (1799-1854), a quem Casimiro dedicou um poema, que é encontrado somente em sua obra completa.
O poeta fluminense, de certa forma, estava no meio-período da segunda geração Romântica, tendo esta já nos dado grandes poetas, como Álvares de Azevedo (1831-1852) e Junqueira Freire (1832-1855), tendo o poeta de "Meus Oito Anos" natural influência dos seus antecessores, principalmente do primeiro. Mas sendo carioca e frequentando as livrarias fluminenses, Casimiro de Abreu tinha contato com obras, e com as personalidades, de outras gerações românticas, como é o caso de seu contato, mesmo que efêmero, com Gonçalves Dias (1823-1864), poeta que influenciou de maneira grandiosa a obra de Casimiro.


Para falar do feitio influenciado, soando até como uma "homenagem", talvez um poema, que não é encontrado nas Primaveras seja o exemplo mais eloquente disso. Transcrevo-o por inteiro, pois pouco conhecida é esta obra:

NA TABERNA

Às vezes quando eu cismo no passado,
Nos meus dias de crença e de esperança
Pergunto a Deus: "-De que me serve a vida?
Melhor me fora falecer criança! -"

A minha mocidade passa estéril,
Já morre a primavera e chega o estio;
Ai de mim! sou cadáver do que fora
- Crânio sem fogo, coração vazio!

Vivi? Passei na terra como um eco.
Uma vez, uma só, no meu caminho,
A virgem pensativa da minh'alma
Veio junto de mim falar baixinho!

Era doce essa voz!... Morreu? - Quem sabe?
Suspirava de amor? - Não sei... que importa?
Murchas as flores de um futuro rico
Lamento agora a mocidade morta!

Pálida sombra, nas caladas horas
Mudo divago nos jardins queridos
Da minha fantasia - hoje desertos -
Mas em vez de canções ouço gemidos.

Morreste, coração? oh! foi bem cedo,
Pobre louco de amor, a morte tua!
Nunca mais soltarás os teus suspiros
Nessas noites de abril, a sós co'a lua.

As minhas ilusões foram caindo
Como os frutos do tronco que se esgalha,
Agora solitário tenho frio,
E tremendo me embrulho na mortalha.

Ouço um canto, mas triste, mas pausado,
Como um convite para pátria nova...
Tateio a escuridão, caminho... caio...
Na pedra tropecei da minha cova!

Tão funda a sepultura!... vou descendo...
A aurora nasce... vou dormir no leito,
Depois encontro uma mulher deitada,
Vestidos brancos - uma cruz ao peito.

Arreda-te, mulher! filha do vício
Erraste o teu caminho, é longe a estrada,
Diz: por que nesta noite de tormenta
Na minha cama vim te achar deitada?

- Não me toques - disse ela despertando,
Tremo de frio... há muita neve fora,
Nas trevas procurei este refúgio,
Oh! não me mandes eu te peço, embora -

Mas a cama é pra mim, pois tu não sabes
Que esses leito, mulher, é meu jazigo?
- Eu sei, mas tenho frio, não te zangues...
A cama é larga - vem dormir comigo...

..................................................................

Sim, dormiremos, minha branca virgem,
Dá-me o teu lábio, chega-me o teu seio...
Queima-me o sangue nos teus beijos mornos,
- Amor e morte - nos teus olhos leio.

Tremes! Soluças!

.................................................................

Que diabo escrevi? - Estou sonhando,
Ou vazia a botelha quer reforma?
Quando eu bebo conhaque fico alegre,
Gaguejo os salmos e estropio a Norma!

Quanta asneira que eu disse! Prantos, beijos,
Vozes rouquenhas de alaúdes em lutos!
- Oh lá! Roberto - maldito dorminhoco,
Traz mais vinho e vai buscar charutos!

.............................................................

Nesse poema, desde o título até os desdobramentos do personagem, assim como suas relações perante a sua própria história, lembram a Noite na Taverna (1855), de Álvares de Azevedo. Casimiro de Abreu tinha grande sensibilidade musical em seus poemas, então a quebra de ritmo, de métrica e de rima pode parecer estranha a quem está acostumado com seus versos extremamente musicais. Mas, como a persona-lírica justificou, quando há o uso do conhaque (imagem extremamente usada no Romantismo, muito também por Álvares de Azevedo), além dos delírios que, por mais lutuosos possam ser, crescem num coração que fica alegre com a bebida, há também a quebra das normas de um poema daquela época (no trecho gaguejo o salmo e estropio a Norma).

Colocada em evidência a face influenciada de Casimiro, e provavelmente desconhecida, comentarei da influência exercida pela poética do poeta das Primaveras. É inevitável discutir Machado de Assis quando tratamos dos influenciados por Casimiro de Abreu. Machado foi amigo de Casimiro e pelo cantor da infância nunca negou a admiração tanto pessoal quanto artística. Talvez o retrato mais clarividente dessa admiração esteja no conto "Questão de Vaidade", publicado em 1865, quando já finado estava Casimiro, e em que há uma descrição de uma valsa entre os personagens, interrompida pelo diálogo de Machado e Casimiro de Abreu:

(...)
- Casimiro, objetava eu, para dois corações que se amam, a multidão não é isolamento? E quando um par se atira à sala, aos primeiros compassos de uma valsa, não lhe desaparece tudo, não ficam eles, sós, ermos, confundidos?
Casimiro adorava a valsa. Todos conhecem a bela poesia das Primaveras que traz este título.
(...)

E, de fato, o poema "A Valsa" é um dos mais célebres de Casimiro. Talvez, ao lado de seus "Os meus Oito Anos", figure entre os poemas Românticos de maior popularidade nas nossas letras. A presença de Casimiro de Abreu em todo movimento Romântico posterior a sua morte manteve-se intacta. Fagundes Varela (1841-1875), o último grande poeta da segunda geração, se essa divisão pode ser aceita nos moldes que é ensinada, não tinha uma poesia à lá Casimiro, mas o admirava. Neste poema, vemos uma amostra disso:

ELEGIA

(...)

Era o tímido Abreu, vítima imbele
Do prosaísmo estólido da vida,
Coração de donzela e de criança,
Alma sentida como a rola aflita!
(...)

É evidenciado no trecho o conhecimento de Varela sobre a vida de Casimiro de Abreu. Os problemas com o pai e com uma sociedade da qual só tirava desgostos estando fora do meio literário, jogavam Casimiro de Abreu numa gangorra sentimental, podendo ele louvar a vida ou simplesmente avisar um amigo, por intermédio de uma carta, para que não se assustasse "caso recebesse a notícia de que havia se suicidado".

Um outro Romântico que é muito mais celebrado do que o poeta carioca, Castro Alves, que é considerado da terceira geração, tem em sua obra o quase olvidado Espumas Flutuantes, de 1870, cujos traços de rebelião social eram muito semelhantes aos de Casimiro de Abreu e da fase derradeira de Fagundes Varela, nunca negou a sua admiração ao poeta fluminense. Certa vez, chegou a falar dos poetas que admirava: "Dos antigos - Casimiro de Abreu. Dos contemporâneos - Fagundes Varela" (A Vida Literária durante o Romantismo. Ubiratan Machado; Tinta Negra, 2010). Como eu já havia comentado em outros tópicos, Casimiro de Abreu tinha um feitio social em sua poesia, mesmo que este aparecesse nas Primaveras de relance. Sua obra completa nos dá uma ampla visão de como Castro Alves, em seus poemas de temáticas sociais, intensificou o brado de Casimiro de Abreu.

Casimiro de Abreu poderia ser um poeta de transição-fluida da primeira geração para a terceira. Ao ler a obra do poeta, fica clara a impressão de que os arrebatamentos dos versos de Álvares de Azevedo e de Junqueira Freire foram como gritos grandiosos, cessados pelo findar das vidas que os plangiam. Mesmo que o viver de Casimiro tenha sido curto, sempre foi ele um poeta mais "leve" tematicamente do que os dois citados, sendo singelo dentro do movimento, pois tinha em sua poética elementos de Gonçalves Dias, dos ultra-românticos e dos condoreiros, que sequer pensavam em existir quando As Primaveras estava sendo escrita. Casimiro de Abreu é um poeta de Transição-fluida porque, com ele, há só um Romantismo - o Brasileiro -, não denominadamente três.

De um todo, o poeta fluminense hoje é lembrado pelos versos de "Meus Oito Anos" e pela musicalidade de "A Valsa", como já havia sido exposto. Mas o aspecto de transitoriedade na poesia dele não é tratado como deveria ser. Ora, Casimiro de Abreu era um poeta situado entre a primeira geração e a terceira, mas que mantinha contato com poetas da primeira geração - e os admirava -, além de ser admirado por poetas do momento derradeiro da segunda fase e da terceira geração do Romantismo. Colocado isso, a imagem do poeta fluminense deve vir qual a de um cortejo de conteúdos: sejam eles anteriores a Casimiro ou posteriores... pois o ser inolvidável abrasa o seu vulto em toda alma que fulge.

Abraços, Cardoso Tardelli

3 comentários:

  1. Talvez o trecho "estropio a Norma" seja tão-só uma referencia à Ópera "Norma" - trágica, inspirada em Medéia -, que fazia sucesso naquela época. Casimiro poderia ter adjucado um desabafo de manifestar inconformismo com os padrões de ortodoxia vigentes, porem tive a impressão que nessa poesia o seu "animus" era mais introspectivo: "estropiar a Norma" era só "maltratar a música", mal-e-mole-ntemente. m.morales@terra.com.br

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  2. A propósito: que tango não sairia destes versos, hein ? "Qué milonga!..."

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  3. Há essa possibilidade, de fato. Um grande fato é que Casimiro sempre foi um adepto da musicalidade (mesmo que em suas obras completas hajam muitos poemas em versos brancos) mas nem sempre da métrica. A poesia dele já é de uma "anti-formalidade", naturalmente, não à toa foi detestada pelos Parnasianos.

    Francamente? Poucos poemas do Casimiro que não dão em música tamanho o tratamento rítmico de seus versos.

    Abraços

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