quarta-feira, 27 de julho de 2011

Cogitações sobre o Desprestígio da Poesia


Estimados leitores de o Sacrário das Plangências, nesta postagem discorrerei sobre alguns aspectos que vêm-me chamando a atenção em relação ao tratamento do gênero Poesia. Que este tem seus seguidores fiéis não há dúvida, mas que passa esse Ofício por crises internas (leia-se: temática e estrutural) e externas (a relação do leitor para com as obras, sejam antigas ou novas, além do esclarecimento do que é, de fato, a Poesia) são fatos inexoráveis e incômodos.

Recentemente, foi realizada a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na qual houve a divulgação das inscrições para a Revista Granta, da Universidade de Cambridge, para uma edição que nomeará os Melhores Jovens Escritores Brasileiros, numa tentativa de jogar a lume os tendenciadores da nossa Nova-Literatura. As restrições para que o autor concorra ao prêmio, que é um "selo de qualidade", são: ter, ao menos, um texto publicado em livro e ter como gêneros enviados Contos ou Romances.
Vendo o histórico atual da revista, há tempos ela vem selecionando somente romancistas e contistas. Mas faço uma pergunta franca: como estampar numa capa a ostentação de que naquela coletânea há os vinte melhores escritores de um país, no anseio de delinear o futuro de uma literatura, se o gênero Poesia é excluído da seleção?
Inclusive, se formos perscrutar a proposta da Granta, é impossível chegar a uma padronização de Literatura, por mais relativa que esta seja, sem pôr todos os Gêneros Literários em prática. O tempo, por consequência, mostrará qual é a corrente de ideias mais forte e que influenciará do verso ao teatro.

Esse ato da Granta, que soou ao ouvido da maioria como uma brisa matutina, tamanha a naturalidade com que receberam a notícia, pode ser a consequência de vários erros de "relacionamento", posto de uma maneira simples, do público para com a Poesia. Ora, esta é vista em qualquer lugar, lugares nos quais nunca imaginou estar: letras de música, fotografias, filmes e entre outros meios de arte.
Não me refiro aqui às fotografias que possuem trechos de poemas, ou filmes que retratam vidas de poetas, com consequentes declamações, mas de elogios como "Essa fotografia é um poema", celebração também utilizada para filmes. O "poema" deixa de ser gênero para tornar-se adjetivo, excluindo o ofício do poeta de transformar uma paisagem (que pode ser a da fotografia referida) em estrofes lancinantes. No caso de filmes, cujos alicerces no teatro e nos romances não precisa ser exposto, pois estes vêm da lógica, o adjetivo poema subjetiva o "belo", sendo que nem toda obra em verso é bela, ou feita para dar tal impressão. Vemos, nos casos citados, por incrível que pareça, uma necessidade vívida de Poesia, mesmo que ela apareça em outra forma, mas contenha "a pompa" de seu nome.

Talvez o caso mais incômodo seja o das letras de música. Após o movimento Modernista, em 1922, e dos constantes cultos ao verso-livre, cujo nome é bem questionável se o poeta não for bom o bastante para se libertar da visão primeira e concreta que nos inunda por toda a vida, tornou-se comum denominar "Poesia" as letras de compositores. Não à toa, muitas vezes vemos biografias de figuras de nossa música com títulos como Vida, Música e Poesia de...; inegavelmente, há algumas que têm trechos mais inspirados do que os menos inspirados trechos dos nosso célebres, mas a desassociação da Melodia e da Letra torna-se impossível após ouvido o trecho, mesmo porque a letra ganhou pompa com o carregamento melódico e vocal. Além do mais, muito mais sacrificante do que a métrica - se é esta uma ceifadora para os grandes poetas - é adaptar uma letra a um andamento harmonioso.

Se o público enxerga o gênero, mesmo que diluto num adjetivo-subjetivo, em vários outros tipos de arte, por que ele procuraria a Poesia no incorrupto grau em que ela é composta? Essa ação, nota-se, ganha maior força nestes tempos de "lei do menor esforço".

Muitas pessoas cogitam a possibilidade de que a Poesia é um retrato das altas classes intelectuais - e assim sempre o foi. O Modernismo quebrou com qualquer perspectiva de exclusão do gênero num grupo acadêmico, pois fez do ofício poético algo como um grande compêndio de vulgaridades, mas tornando a estética, às vezes também a temática, muito vulgares também. Inclusive sobre a questão Acadêmica, vê-se que mesmo na Academia, suposto reduto de conhecimento, o desdém ao Gênero retumba.


(Na foto: Goethe)

Indo para além do aspecto das Artes, irei cogitar algo mais remoto, quase inconsciente. A Poesia, por muito tempo, caminhou ao lado da Filosofia e da mais alta elevação de pensamento, tanto que, por muitas vezes, os poetas escreviam versos, prosa poética - fazendo desta um manto de teorizações para a Poética e para a vida - até para a prosa clássica, mesmo que não abandonassem o estilo poético de escrita, ou seja, repleto de inversões de sentenças, sendo que estas eram feitas para desaguar num ritmo não comum em prosas. Esse estilo de vate ganhou intensidade na época do Romantismo e Simbolismo, tendo em Goethe (1749-1832) um grande exemplo, passando também por Edgar Allan Poe (1809-1849), Baudelaire (1821-1867) e, no Brasil, como exemplo, Cruz e Sousa (1861-1898). Todos estes, sendo que ainda excluí muitos, tinham como a Arte e o Conhecimento como afãs que os prendiam ao chão mundano.


Além da arte, do conhecimento, os poetas referidos tinham ideais de perpetuidade do pensamento terreno. Cruz e Sousa, em "Post-Mortem", deixa o exemplo claro disso:

POST-MORTEM

(...)

Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!


A negação da matéria, sendo esta efêmera para cada um de nós, foi tema corriqueiro nos tratamentos de perpetuidade das ideias. Acima de tudo, sempre se teve a percepção de que, mesmo passada a vida do poeta, o maior legado que ele poderia deixar seria seus ideais e pensamentos. Uma das grandes maneiras de fazê-lo era por meio da Poesia. O inegável é que a sociedade hoje tem a ideia de legado como algo Material, além da constante ideia juvenil de que nada adianta o conhecimento se a morte é o abrigo derradeiro de todos nós. Notem que a visualização do legado altivo, que é a perpetuidade de um ser por intermédio de suas ideias, é excluída na premissa materialista de que não há ideia que vive sem o pensador ao lado, pois a predominância da ânsia pela fama faz criou a retórica do "Que adianta ser eterno se não há o deleite da notoriedade?". Findada a força de perpetuidade da ideia, esta deixa de ser motivo interesse aos que têm domínio das letras, preferindo a efemeridade dos best-sellers atuais a um tateamento do ser, que por gerações diversas bramiria.

Voltamos, então, à questão da revista Granta. Está sendo ela displicente diante de uma evidente decadência do tratamento feito ao gênero Poesia ou somente sendo um espelho da sociedade? Mas como uma revista de uma das mais importantes Universidades do mundo, e sendo na mesma pátria em que nasceram Byron (1788-1824), Keats (1795-1821), Percy B. Shelley (1792-1822), entre outros grandes, não estariam sendo os editores gigantescos espectros apoiados na confortável cegueira popular diante de uma história de eloquência e erudição?

(Na foto: Cruz e Sousa)

Como o título desta postagem deixa claro, são cogitações - mas todas sobre um fato: a Poesia teve o prestígio abalado a partir do momento em que o público se esqueceu, ou deixou de ter a percepção, de que ele também é um personagem de cada poema, e por esse ser alheio à obra e à sua alma, procura preencher com outros personagens a sua amplidão vazia por meio de romances de fácil entendimento ou, como já dito, diluindo a necessidade de Poesia em outras artes, na transfiguração do gênero para o adjetivo.

Não há outro meio de reverter essa situação se não for por intermédio dos poetas, que estão, ao mesmo tempo unidos na preocupação da valorização de sua obra e do gênero, mas dissipados por consequência do vácuo que é o esquecimento de seus alicerces. Para o público, muito além de "Nova-Literatura Brasileira", se o caso é poesia, eles querem observar poetas que se valorizam e que têm do verso como Ofício, independentemente das vendas. Acima de tudo, creio que os poetas têm de ser poetas e escrever para o legado, "desdenhando de toda a recompensa", como escreveu Cruz e Sousa, um dos mais injustiçados poetas brasileiros.

Abraços, Cardoso Tardelli

4 comentários:

  1. Não concebo "Negação da Matéria" no tema apresentado, mas "Elevação da Matéria: nossa dedicação ao Transcendente levando (tambem por uma intencionalidade) à evolução, "formatação", depuração, "cinzelamento" das Imanencias. Creio que foi Paulinho da Viola que numa MPB aprcveitou Ralph (Waldo?) Emerson em "Amarre seu (sic) Arado a Uma Estrela"; uma amiga minha tem por divisa: "Per Aspera Ad Astra", ou algo assim. E para os catolicões, esta é toda a teologia do metabolismo intrinseco da Santissima Trindade. Gostaria de receber alguma devolutiva tua. e=mail m.morales@terra.com.br

    ResponderExcluir
  2. Hunn.. então, se eu penso que há "Transcendencia"- certo, como unidade, senão seria contraditorio, não seria trans-cendente, e se penso que há no mundo real as "Imanencias" (sendo "O" Imanente uma categoria da razão humana)... oras !, preciso redefinir a minha percepção da pintura "A Escola de Atenas". Eu intuitivamente olhava para Platão e Aristóteles, um apontando para o céu, outro para o chão, e via uma oposição - coisa juvenil, talvez influencia do "Zeitgeist" onde estou imerso... Passo a manejar vários conceitos pensando em termos de complementariedade, de diálogo, de "via-de-mão-dupla" entre o pensamento daqueles dois filósofos seminais.

    ResponderExcluir
  3. Morales, respondido via e-mail, como pedido!
    Abraços

    ResponderExcluir
  4. A primeira ordem, quero aqui deixar meus préstimos a tua abordagem - eficiente e categórica - sobre a poesia, ou talvez o fazer poético, de maneira geral.
    Existe no mundo editorial, não sei se ainda, ou é algo novo: uma espécie de colonialismo das idéias; segundo qual o que fazemos e pensamos aqui na América necessita de uma atribuição; ou um regalo intelectual, talvez um empurrão de um irmão mais velho... quero dizer que a construção intelectual latino americana é sempre colocada em cheque com propostas como estas, que não submetem diretamente o escritor a uma chance, mas constroem um fetiche que subordina retorno mercantil a estes financiadores.
    Eis que surge o tempo de assumirmos a mastigação da literatura universal, para produzirmos com nossos temperos, cores e sabores aquilo que sonhamos; e diria que não precisamos fazer como fizeram os artistas modernistas que bebiam no bîstro de Paris para vir arrotar na Paulicéia.
    De mais, a poesia passa por um processo de retraimento: mas ousemos jaz contrair os valores ditos por intelectuais academicos e editores capitalistas, que sugam os bagos de escritores velhos e mortos, para elevarem seus escritos críticos sempre ao seu prazer e deleite, distante do povo e da realidade.

    Marcelo Portuária

    Visitem: alfarrabiosdeoutrora.blogspot.com
    cidadaniadoscapitais.blogspot.com

    ResponderExcluir