quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O Desfolhar das "Rimas Ricas, Pobres" e de seus "Valores"

Esta é uma postagem que há muito já pretendia fazer. Não há necessidade de ser longa como uma análise dos "esquecidos de um movimento", como a anterior. A questão da Rima é uma das mais delicadas quando tratamos na análise de um poema contemporâneo.

Eu o digo por vários motivos. Além de uma preferência atual de poetas pelos versos brancos, de quando em quando, com rimas internas, quando algum vate opta por usar as rimas como acessório de musicalidade, muitos parecem procurar em cada quarteto - ou seja qual formato - "os valores das rimas" e, primeiramente, falando "As rimas estão pobres", e desprezando o conteúdo.
Os grifos que eu coloquei em cada frase não foram à toa, evidentemente. Em cada um deles trabalharei agora:

A Rima como acessório de Musicalidade: Um poeta que escreve com Rimas não o faz, somente, por mero capricho estético. A Rima tem uma função, que deve ser clara para todos, musical, não somente rítmica, mesmo porque esta não é intrínseca à musicalidade. O Parnasianismo foi o mestre da amostragem disso, com o Enjambement (quebra de uma frase, sentença, enfim, sem que o verso estivesse terminado, devido à métrica. Mesmo assim, muitas vezes, a última palavra do verso rimava com o verso consequente da estrutura musical, mas causando uma quebra rítmica na leitura em muitas pessoas). Um exemplo disso é esta estrofe de Olavo Bilac, evidenciado no grifo colocado:

A VELHICE DE ASPÁSIA

Velha, Aspásia, como um clarão, na Academia
E na ágora, surgia e ofuscava as mais belas;
E, sob as cãs, e sob as roupagens singelas,
Aureolada do amores de Péricles, sorria...

(...)

O Encavalgamento, nome popular do Enjambement, não é pecado algum quando usa-se a Métrica, como já dito. Quando não se usa da limitação silábica, a inversão das palavras torna-se o melhor método para a selagem das rimas.

Partindo da questão de que as rimas podem parecer internamente, inclusive quando se evidenciam nos finais dos versos (na própria estrofe de Bilac há um exemplo na musicalidade de "Academia", "Surgia", internamente no segundo verso, e, consequentemente, "sorria"), um poeta quando opta pelas rimas - que, creio piamente que desde sempre foram conscientes, diferentemente do que defendeu Mário de Andrade defendeu em sua pseudo-criação das Rimas Harmônicas em seu Prefácio Interessantíssimo -, opta por ela por questões musicais, porque a Rima, por si somente, nada faz. E daqui passo para o outro grifo.

Os "Valores" das Rimas: Creio que, com as definições feitas no exemplo anterior, aqui consigo chegar ao ponto essencial de minha crítica.

Tendo como alicerce que a rima é um Acessório Musical à disposição do poeta, creio que o termo "Valor" não pode ser colocado à Rima. Se Valor na questão poética é um valor de perscrutação interna, este termo pode ser usado na avaliação de um poema como um todo.

A Rima, sendo um princípio de musicalidade, é o fim de uma ideia que é desenvolvida durante a estrofe e, logicamente, durante o poema. De nada adianta ter um poema com vários "tisne/cisne" ou "cabelos/tê-los" se não há um conteúdo anterior a eles.
Como deixei claro, as palavras que compõem a rima são, ora, o fim da ideia - ou seja, parte derradeira do pensamento sendo desenvolvido - e se pouco tiverem a ver com a tópica tratada na estrofe, de nada vale serem as chamadas "Ricas", "Preciosas" ou o nome que tiverem. Se for para ser assim, são preferíveis os versos brancos.

Creio que, ante à nossa língua de vastidão vocabular quase inefável, um poeta que opta pela rima tem de ter um vocabulário extremamente grande. Não para evitar a rima de adjetivos com adjetivos, mas para evitar a limitação da moldura poética que muitos têm pelo vocabulário preguiçoso.

O exemplo que dei ao citar as pessoas que adoram birrar com Rimas e, antes de analisar o conteúdo, analisam os tais "Valores das Rimas", pode tornar-se irrisório, às vezes, quando mostramos um quarteto com variações em plural e singular. Mesmo que estas questões não salvem a coitada da rima da condição de pobre, se eu fizer uma variação da rima mais perseguida pelos enfados dos que não têm música no peito, muitos deixaram passar caso eu misture uma rima no meio (a rima em questão é "amor e dor", muito utilizada, por exemplo, por Florbela Espanca). Eis uma estrofe improvisada, para o exemplo, minha:

Se nesta passagem de dor,
Não puderes percebê-los,
Não creias que não terás amor
Pr'além dos negros capelos.

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A rima "Amor e Dor" salta aos olhos de muitos. Talvez pela vulgarização estética, não temática.

Se nesta passagem de dores,
Não puderes percebê-los,
Não creias que não terás amores
Pra além dos negros capelos.

Colocando em plural as duas palavras (pequenas modificações para não aterrorizar a métrica adotei também, mas no segundo verso segui a mesma), a rima não salta aos olhos, não soa irrisória nem vulgar.

A Rima não tem valor algum quando ela não está dentro de um contexto poético. Mesmo que este poema seja trissílabo (como "A Valsa", de Casimiro de Abreu), todas as rimas estão numa tópica clara e evidente, sem fugir uma vez sequer dela. O valor, acima de tudo, tem de ser dado ao Poema, não a relações gramaticais entre uma palavra e outra.

Abraços, Cardoso Tardelli

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