quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O filme "Bright Star" e Keats, de fato.

Creio que ante ao belíssimo filme que é "Bright Star", muitos ficaram curiosos por mais informações sobre John Keats e, por vezes, nos deparamos com informações confusas e falsas na internet. Não sou especialista em filmes, portanto focarei nas questões poéticas e biográficas intrínsecas à obra cinematográfica.

É interessante utilizar uma fonte que tenha uma análise razoável do poeta, de sua vida e da poesia. Utilizarei nesta postagem a edição da Hedra de alguns poemas de Keats, que se encontram por um preço bem em conta, com a tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, um poeta Modernista e reconhecido tradutor. Será também fonte de certas partes bibliográficas o livro, da mesma editora e traduzido também por Péricles, de Percy B. Shelley, que em Londres conviveu com Keats.

(Na imagem, temos uma pintura de Keats)

Keats nasceu em Finsbury, Londres, em 1795. Sem fazer demasiadas citações biográficas aqui, Keats comenta que sua mãe havia morrido de tuberculose (o que haveria de acometer ao seu irmão e, posteriormente, a ele próprio), morte que ocorreu em 1810, um ano depois que a literatura já o havia fascinado.
A falada carreira de Médico frustrada de Keats teve um motivo. Nunca o interessou seguir a carreira das ciências, mesmo tendo um tutor - Thomas Hammond - insistindo nessa ideia. Encantava-o a mitologia grega, algo que ficaria evidente nos poemas de sua maturidade poética, como na Ode Sobre uma Urna Grega. Temos de convir que, mesmo com as penas financeiras que Keats haveria de passar em sua breve vida, sua opção foi, para o mundo, mais produtiva.

Keats conheceu Fanny - já fazendo um parelelo com o filme e "cortando" os pormenores, se assim podemos heregemente falar - de sua vida no mês de Setembro de 1818, exatamente quando borbulhavam as críticas negativas ao seu Endimião, o que gera um ponto positivo ao filme em termos biográficos. Aliás, o foco que Fanny dá ao primeiro verso da obra "O que é belo há de ser uma alegria para sempre" é algo a ser notado, pois essa obra, mesmo com suas irregularidades, mostra evidências de um poeta esplêndido que estava diante de todos e que, mesmo assim, poucos viam a radiância de seus versos.

O filme relata com exatidão certos fatos que cercaram a relação de ambos, inclusive algo que soa menor - como a dor de garganta que incomodava muito a Keats - e as procelas, que eram constantes - com o devido furor (as cartas, perfeitamente passadas para a película, demonstram isso) - tal qual as bonanças que tinham ar edênico, perfeitamente representada na cena de Fanny correndo pelo jardim florido, em meio às borboletas, quando ia narrando uma carta pela qual discorria Keats qual "palavra mais bela seria do que 'bela' para a sensação que ele sentia".

Como o foco do filme é a relação do poeta Romântico com Fanny, mesmo desta tirando as relações conturbadas com o poeta Brown e mostrando um pouco do retrato da própria sociedade (quando personagens, como a mãe de Fanny ou amigas de desta dizem que a musa de Keats esta sendo alvos de fofocas. Além do mais, pela própria condição de humildade que Keats resignou-se, ao negar a medicina, para dedicar-se às Letras). Faltou, contudo, em minha visão uma amostragem, mesmo que em perpassares, das idas do poeta à cidade de Londres. Lá ele teria uma relação conflituosa com Byron e de admiração com Percy B. Shelley (marido de Mary Shelley, autora de Frankeinstein). Shelley o admirava muito, julgando-o um poeta excepcional (na ocasião da morte de Keats, dedicou-lhe uma Elegia (Adonais - An Elegy on the Death of John Keats), no entanto, Keats se mantinha, de certa forma, distante Shelley, talvez por não julgar sua condição social - superior - atraente. Aliás, não podemos nos esquecer que Keats e Shelley eram perscrutores do ofício do Soneto. Em muitas cartas, ambos discutiam qual era o método de se ter uma musicalidade e ritmo mais aceitável à língua inglesa do que o esquema padrão feito naquela língua.

Já Lorde Byron - por uma crítica que Keats fez a Pope, cujos elogios e defesas vindo do Lorde Romântico eram as mais efervescentes -, criticou o poeta de Endimião e pediu que o "esfolassem vivo". Dedicou-lhe, porém, após um mea-culpa em carta a Percy Shelley um canto em Don Juan.
Com tais dados, porém, o filme ficaria muito mais poético/biográfico do que um Romântico/Dramático.

(Na imagem, uma foto da real Fanny)
Um dado de curiosidade, que seria praticamente impossível à diretora do filme cumprir com exatidão, é a questão da altura de Keats. Ele tinha "por volta de cinco pés de altura", o que vale cerca de 1,52 metro. Fanny tinha, mais ou menos, sua altura, o que, de fato, é um dado acertado do filme (nota-se que os dois atores são muito parecidos em estatura). Em cartas, muito chamavam Keats de "little poet", num tom ambíguo de poeta pequeno em ofício e altura.

A obra poética de Keats perdura até hoje, qual todas as dos Românticos Ingleses. Mas se há um poema que teve uma influência para as gerações futuras artísticas foi "La Belle Dame Sans Merci" (A Bela Dama Impiedosa, em tradução livre do francês), que ecoou em todos os viés da arte Pré-Rafaelita, que utilizava, e abusava, da imagem claramente dada por Keats, em suas criações artísticas.

Keats só se queixou das críticas à sua poesia em seus derradeiros momentos. Quando havia ainda a flama do estro em sua alma não se deixou intimidar por críticas de outros. A viagem para Roma, que havia sido sugerida por Shelley há muito, por meio de cartas, pouco resultou para sua condição combalida, morrendo lá, qual o filme diz, aos 25 anos.

Pela frase escrita em sua campa "Aqui jaz alguém cujo nome foi escrito n'água", ao invés de ter seu nome escrito na lápide, evidente fica que sua confiança em ser um Grande dos poetas Ingleses havia ido para o lodo consigo. A história, entrementes, é a melhor resposta para os que sofrem de limitrofia poética, mesmo que muitos julguem-no, tal qual os Românticos, sem moral ou ultrapassados.

Abraços, Cardoso Tardelli

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