quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Um Curioso Texto de Leminski sobre o Simbolista Dario Vellozo

Caros leitores do Sacrário das Plangências, essa postagem evidenciará uma característica do curitibano Leminski que poucos conhecem – a de sua admiração pelo Simbolismo. É bem evidente que, autor de uma importante biografia sobre Cruz e Sousa – o maior de nosso Simbolismo -, a Leminski não bastava limitar-se à figura em que se fixou um dos apogeus de nossa literatura, mas também ao movimento como um todo,qual um fenômeno social e cultural – como, de fato, configurou-se em Curitiba.

(Na foto: Dario Vellozo)

Leminski, conhecedor da amplitude do movimento Simbolista em Curitiba, reconheceu o seu principal incentivador (e que se saiba – não o principal poeta residente na cidade de curitibana, que foi Emiliano Perneta) e, à sua típica maneira de escrita, dedicou-lhe um texto no Diário do Paraná, no dia 16 de Dezembro de 1976. O texto está na introdução do livro Dario Vellozo - Cinerário e outros poemas”, Coleção Farol do Saber (Curitiba, 1996). O texto, apesar de focar um pouco mais na obra "Atlântida" - póstumo poema épico de Dario -, nos mostra curiosos aspectos da cidade no momento em que o movimento simbolista estava em seu auge de influência sócio-cultural na cidade de Curitiba, concretizando-se como o primeiro movimento literário organizado da cidade paranaense.


COMTEMPLATIO DARIII VELOSSI - Por Paulo Leminski


toda cidade tem corpos estranhos
toda cidade
tem seu corpo estranho
sousândrade
No maranhão
Kilkerry
Na bahia
qorpo santo
No rio grande
(SANTOS DUMONT, em algum lugar)
em Curitiba
DARIO PERSIANO DE CASTRO
VELLOZO
tipógrafo
professor
poeta simbolista
senhor do templo
um louco da ideia

emiliano
dario
eram professores
burocratas de província
que curtiam o pot-pourri
de positivismo
ocultismo
kardecismo
orientalismo
cabala
astrologia
simbolismo

dario foi mais longe
construiu o Templo Neopitagórico
ou das 7 Musas
o seu RETIRO SAUDOSO
templo grego no meio do mato
de pé até hoje

o templo foi construído pelo prof.
dario
para ser centro de irradiação
de uma ressurreição do pensamento
de Pitágoras
séc V a.C.
isso em Curitiba
Paraná
Brasil
1918

a curitiba dessa época
deve ter sido uma cidade muito
estranha
a Salem dos Neopitagóricos
a Wahala dos simbolistas
a Atlântida de Dario Vellozo
o Retiro Saudoso

a poesia de dario
frequentemente patriótica
grandiloquente
retórica de um professor de ginásio
tem alguns estranhos voos
certos versos
e estrofes
ideias
que me fizeram pensar que o prof.
Dario
Era uma pessoa muito especial.

além do Templo
o prof. Dário tinha construído outra
obra
ATLÂNTIDA
poema de 300 páginas
terminado em 1933
editado em 1938
completamente fora de seu tempo
um fóssil
vindo de outras eras
anteriores à Semana de Arte Moderna
- não se esqueçam de publicar a
Atlântida,
disse o Mestre
em seu leito de morte.

A  ATLÂNTIDA de Dario Vellozo
É um produto estranho
poema épico
em verso livre
mas rimas esparsas
indianista
ocultista
com laivos românticos
victor hugo
gonçalves dias
pedantismo de professor provinciano
latinismos
helenismos
exotismos aztecas
egípcios
“nos dilemas subis da Metaphysica”
como está na ATLÂNTIDA

creio fazer justiça
na injustiça tanta
que cerca o nome do prof. Dario Vellozo
hierofanta
monge do Símbolo
mas sobretudo POETA
publicando algumas passagens
da sua obra máxima
ATLÂNTIDA

Andrade Muricy
em seu Panorama do Movimento
Simbolista
Brasileiro
conta coisas de Dario
“mestre da mocidade”
“príncipe de espírito”
fisicamente
Dario lembra valéry
“olhos azuis enigmáticos”
“seus imaginativos e curiosos empreen-
dimentos”
“cerimônias ritualísticas do Instituto
Neopitagórico”
“tinha no templo
uma pequena imprensa
onde editava seus próprios livros”
“doutrinas ocultistas, o wagnerismos,
o anti-clericalismo, a maçonaria,
o socialista humanitarista”
“Foi alguém que realmente viveu
e impressionou”
editou revistas:
AZUL
O CENÁCULO
ESFINGE
RAMO DE ACÁCIA
PITÁGORAS
MIRTO E ACÁCIA
GALÁXIA

ATLÂNTIDA
É um longo texto
dividido em 7 partes
(em dario
versado em Artes Ocultas
este 7 deve ser proposital)
depois de um preâmbulo
e um prelúdio

A MORTE DE POSSEIDON (CANTO I)
O REINO DE PAITITI (CANTO II)
O ROTEIRO SAGRADO (CANTO III)
NO LIMIAR DE “MYSTERIOS” (CANTO IV)
CELTIDA DRUÍDICA (CANTO V)
ATHENÊ (CANTO VI)
TERRA UNIVERSAL (CANTO VII)

ATLÂNTIDA termina
com a identificação
ATLÂNTIDA
                                   BRAZIL!
é uma história utópica
vivida por Aztizian
mago azteca\atlante
ancestral de um Brasil
terra de paz
amor
liberdade
uma utopia
a mais.

EFÊMERAS
ESQUIFES
ESOTÉRICAS
HÉLICON
RUDEL
CINERÁRIO
E (por fim) ATLÂNTIDA

essas obras de dario
que deixou larga produção
em muitos gêneros

andrade muricy
o grande historiador do simbolismo
chama ATLÂNTIDA
de “imensa epopeia póstuma”
e diz que tem “complexa e difícil com-
posição”.

o prefaciador
diz que dario chocou “seis lustros”
sua ATLÂNTIDA
30 ANOS

pensar que a gestação
é contemporânea
das utopias
bem mais eficientes
de Oswald de Andrade
e da antropofagia.

É-me bem claro que, apesar da ênfase de Leminski em “Atlântida”, Dario Vellozo tem, em sua obra poética alguns cantos com destaque, como Palingenesia, Rosa Alquímica, Ângelus, Cruz e Sousa, Alfa e Ômega, Fênix, Campo Santo, Anoitecer, enfim, são poemas realmente consideráveis do momento poético (final do século XIX) e para o estilo dele (poesia metafísica e ocultista).

Foto: Templo Neopitagórico - ou Templo das Musas (Créditos: Guia de Turismo de Curitiba)

Mas tenho de discordar de uma coisa com Lemiski: o Simbolismo nunca teve um intento de ser popular (ou de ser uma fábrica de utopias eficientes, ao modo simplório de “tupi or not tupi”), mas também, ao contrário dos decadentistas franceses, não buscava uma aristocracia social (coisa que Oswald de Andrade, burguês paulista, era-o bem), mas sim ao absoluto espiritual, à transcendência, ao descobrimento das sensações daqui e de além, por meio das correspondências; se há uma palavra mais próxima ao que foi o simbolismo brasileiro é metafísico, e é por isso que chamavam os simbolistas de “aristocratas do espírito”. Houve quem, ao criticar Farias Brito, considerado por Andrade Muricy o filósofo do movimento, dissesse que “quem, em país de carnaval, vai pensar no infinito?”. E é, portanto, que, eficiente ou não (ou seria – popular ou não?) “Atlântida” tem a sua importância nesse contexto de “utopias fluidas” do Simbolismo, pois tudo, afinal, no estilo fica à mercê de uma interpretação do leitor – que é a boa e velha sugestividade indicada por Mallarmé.

Abraços,
Cardoso Tardelli

Nenhum comentário:

Postar um comentário