terça-feira, 22 de janeiro de 2013

"O Amigo Devotado", de Oscar Wilde, e a Sociedade de Exploração

Caros leitores do Sacrário das Plangências, nesta postagem tratarei de um conto do célebre escritor irlandês Oscar Wilde ao qual pode-se dar a característica de um "conto social", mesmo que Wilde não fugisse, em momento algum, da observação da vitoriana sociedade em que residia (observações nas quais, muitas vezes, luziam grandes controversas e hipocrisias da época).

O conto "O Amigo Devotado" (também encontrado como "O Amigo Dedicado", como na tradução em que achei disponível para a postagem) é de uma clareza imensa, não obstante a época em que o autor vivia, na crítica à sociedade de exploração do "homem pelo homem", como Marx descreveu as relações dos meios de trabalho na sociedade capitalista, e, de certa forma, metaforizando, na relação de amizade do Moleiro (explorador) e de Hans (explorado) a falsa expectativa de um esforço do ser para outro ser imersa nas ilusões de recompensa afetiva ou financeira (tal qual a relação de capital). Faço aqui uma leitura - que não é a única.

Antes de qualquer ampliação no tema, disponibilizo neste link o conto para uma melhor apreciação (é necessário ter leitor de PDF).

No que se refere às imagens e aos símbolos, inclusive aos animais - envolvidos na narração e crítica da história -, podemos destacar que o único animal que apoia a atitude do Moleiro é um rato (que apesar de, no caso, estar em ambiente florestal - evidenciado por ser um rato d'água), símbolo de asco social. Hans, um "distinto" jardineiro, tinha por afeição (as flores) o símbolo da pureza, do encanto - da parte mais fina de um objeto, enfim.

(Na foto: Oscar Wilde)

Claramente, há o desenvolvimento da tópica do egoísmo no decorrer da estória, mas não é excludente ao fator social referido (aliás, é implícito). Sabendo que a sociedade do capital é baseada na mercadoria, no preço, no valor e na troca de mercadoria (havendo "justiça de valores e preços") - lembrando sempre que o dinheiro é uma mercadoria -, em determinada parte do conto - a aguda e fatal - a relação do Moleiro e de Hans ficou baseada na troca de excessivos serviços do jardineiro pela troca de um quebrado carrinho de mão do Moleiro (que seria de nula utilidade), num claro regime de exploração, mas na maquiagem de uma "amizade devotada", a qual o Moleiro se referia a todo momento.

A relação de Hans e do Moleiro sempre foi baseada na promessa da recompensa material - já que o Moleiro convencia que a afetuosa estava sendo cumprida somente com as suas visitas eventuais (sempre na Primavera), muito embora nas épocas frias o jardineiro padecesse em abandono. Soa-me qual a relação interesse e de exploração por domínio dos meios de conhecimento na sociedade contemporânea (veja que, aos olhos de Hans, o Moleiro sabia as regras da amizade devotada, como se houvessem tais normas e o Moleiro, na pompa de um abismo de falsas estrelas, ensinava ao jardineiro tais asneiras). O jeito pelo qual Wilde discorre sobre admiração de Hans pelo Moleiro nos lembra a admiração de classes baixas pelas classes altas (quando há tutelagem midiática e cultural, na famosa demonstração "nós conseguimos - se vocês servirem a nós, a meritocracia fará vocês conseguirem, talvez, também").

O culto ao material em detrimento da pessoa (e, claro, a falaciosa amizade devotada do Moleiro tem sérias provas - como se já não houvessem - que é por interesses torpes) fica clarividente quando o filho do proprietário do moinho adoece e o fidalgo resolve pedir ajuda ao seu "sempre disponível" Hans, mas o impede que usasse, numa noite tempestuosa, "a lanterna nova". No deságue do conto, a posição de recuo em prol da matéria causou a morte daquele que cultuava a essência das coisas - o jardineiro.


E, no funeral de Hans, a postura do Moleiro, ao dizer que podia "afirmar que fui bastante bom, comprometendo-me em dar-lhe o meu carrinho de mão e agora não sei realmente o que fazer com ele. Atravanca a minha casa e está em tão más condições que se o vendesse, não lucraria nada. Asseguro a vocês que daqui por diante não darei nada a ninguém. A gente paga sempre por ser generoso". Suponho que esse discurso de invertida generosidade remete-nos a muitas cenas cotidianas - e sobre as quais não preciso prolongar discurso.

Enfim, como pontuei no início da postagem, essa é uma das leituras possíveis, mas, ao pesquisar na internet, vi que as outras leituras passam por territórios próximos, e, como já pontuei, intrínsecos (egoísmo, cegueira  e falácia social e moral...), ou seja, não é somente um conto que pontua falhas da sociedade vitoriana, à maneira comum de Oscar Wilde, mas um conto de plenos rumores sociais, independentemente da leitura que se faça.

Abraços,
Cardoso Tardelli 



2 comentários:

  1. Gostei da sua análise deste conto do Oscar Wilde. Interessante.

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  2. Gostei do comentário e do blog. Havia visto esta história em um canal de tv e achei muito interessante.

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