segunda-feira, 9 de maio de 2011

O Pós-Simbolismo

Esta postagem, caros leitores do Sacrário das Plangências, tem certa função didática. Creio que é sabido que "temos" como Simbolismo os poetas Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, mas nem os seus súditos ou precedentes, ou lírios diferentes que brotaram na literatura posteriormente ao arrebatar do Movimento Modernista (mesmo que, não necessariamente os Pós-modernistas viessem depois de 1922, que é a data de marcação do início Modernismo, não da Aurora do movimento propriamente dito), contando, não obstante, com alguns de seus carregadores da fumaça do Ópio da Revolução Moderna.

Um dos pontos em que muito se repara no estilo dos Pós-Simbolistas é o desprendimento da rima, mesmo que esse fator seja quase fugidio para muitos poetas. Não podemos esquecer de que os Simbolistas, em sua origem, tiveram como base estética o Parnasianismo, que tanto criticavam por sua rigidez, mesmo que em seu conteúdo fosse de um misticismo totalmente medonho à poética Parnasiana tradicional. Além do mais, um dos pontos que não podemos renegar é que a leitura de Rimbaud já devia ter sido feita por grande parte dos poetas dessa geração. Sendo esse Francês uma quebra do extremo-formal, que vinha acompanhando o Simbolismo dos Franceses, inclusive, puderam ter os nossos brasilianos, inegavelmente, uma liberdade criativa maior. A falácia de que a poesia pós-1922 é Puramente Tupiniquim está aqui provada, mesmo porque não há nada na literatura que seja de puro sangue, nem na França e muito menos diante da miscigenação ocorrida no Brasil.
Outro ponto, muito importante, é o livre uso de imagens, ou símbolos com maior amplidão de visão poética, talvez até pelo tateamento do bizarro que fez Emiliano Perneta, um dos maiores Simbolistas por exemplo, em poemas como "A Dor", no qual diz que "(...) O céu, como um peixe, o turbilhão desova/ De estrelas a fulgir (...)". Essa imagem estranha causou uma "violenta discussão" entre os simbolistas, segundo Andrade Muricy.

Indo ao ponto e falando, naturalmente, dos vates: Manuel Bandeira e Cecília Meireles, envolvidos já no conhecimento brasileiro, são célebres que participaram do Pós-Simbolismo, mesmo que muitos não saibam disso. Nunca esses negaram a sua admiração por Verlaine, Baudelaire e pelos Simbolistas brasileiros. Bandeira, inclusive, com sua ânsia de retratar a história da Literatura Brasileira, fez uma pequena antologia do movimento contando com um número extremamente pequeno de poetas em comparação ao Panorama de Andrade Muricy (livro que usamos como alicerce para grande parte desta postagem), pois tem cerca de 80 poetas a menos. E ambos, em certa parte de sua Poética, deixavam evidentes os rastros fúlgidos do Simbolismo.

Antes de dar outros exemplos, darei desses dois poetas considerados Modernistas por essência.

DESENCANTO - Manuel Bandeira (1886-1968)

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre...

Vê-se o uso dos Símbolos, que inclusive continuaram durante a sua obra, porém com menor intensidade e menos qualidade, mas um certo fluir do poema estranho ao clássico Simbolismo. Amigo de Manuel Bandeira, Andrade Muricy considera que "o simbolismo foi nele ultrapassado", mas que tem algumas de suas obras, inclusive as de estudo literários, como prediletas. Mesmo porque, em Manuel Bandeira, o Simbolismo permaneceu "entre as raízes válidas de sua poética". Talvez por esse perambular Simbolista que se fincou na poética de Bandeira, muitos o consideraram um poeta que saiu do Parnasianismo e debandou para o Modernismo, um erro de quem não analisa nenhum dos três movimentos com um mínimo de cuidado.

A nossa poeta Cecília Meireles (1901-1964) é um dos casos que, mesmo em versos brancos, que de pecado nada têm, esbanjava um Simbolismo de alta classe. Já prenunciara isso em seu clássico "A Chuva Chove", Soneto no qual diz que "A chuva é a música de um poema de Verlaine...". Em sua poética, vemos tópicas que lembram os melhores simbolistas, não por cópia, mas pela qualidade inegável no tratamento do irreal e do quimérico, que pode atingir dois níveis: o do brando e do terrível. Note no poema que coloco aqui os enjambements que surgem independentemente da métrica ou rima a ser seguida.

VENS SOBRE NOITES SEMPRE

Vens sobre noites sempre. E onde vives? Que flama
Pousa enigma de olhar como, entre céus antigos,
Um outro Sol descendo horizontes marinhos?

Jamais se pode ver teu rosto, separado
De tudo: mundo estranho a estas festas humanas,
Onde as palavras são conchas secas, bradando

a vida, a vida, a vida! e sendo apenas cinza.
E sendo apenas longe. E sendo apenas essa
Memória indefinida e inconsolável. Pousa

teu nome aqui, na fina pedra do silêncio,
No ar que frequento, de caminhos extasiados,
Na água que leva cada encontro para tua ausência

com amorosa melancolia.


Poderia de Cecília citar vários sonetos, mas cito esse poema pelas estranhas imagens que ele dá em meio à tópica do amor noturno.
De Soneto, cito de uma outra Poeta, a carioca Gilka Machado (1893-1980) cuja poética muito me lembra a de Florbela Espanca, a mais célebre Simbolista Portuguesa - sim, Simbolista. Andrade Muricy, em sua Introdução, faz elogios imensos à Poética de Florbela, "que de Símbolos e Enigmas é cheia", e seguia a linha do Simbolismo Português, mas muito mais sexualizado do que um Antônio Nobre. E nessa questão no afã feminino, talvez pelas frustrações do viver e pela sensibilidade única, Gilka destaca-se nesta plaga pela lascividade gritante, envolta na dor tremenda da vida:



AMEI O AMOR, ANSIEI O AMOR...

Amei o Amor, ansiei o Amor, sonhei-o
Uma vez, outra vez (sonhos insanos!)...
E desespero haja maior não creio
Que o da esperança dos primeiros anjos...

Guardo nas mãos, nos lábios, guardo em meio
Do meu silêncio, aquém de olhos profanos,
Carícias virgens, para quem não veio
E não virá saber dos meus arcanos.

Desilusão tristríssima, de cada
Momento, infausta e imerecida sorte
De ansiar o Amor a nunca ser amada!

Meu beijo intenso e meu abraço forte,
Com que pesar penetrareis o Nada,
Levando tanta vida para a Morte!...


(Na foto - Gilka Machado)

Tematicamente, aqui temos um típico Pós-Romântico, que bebe das fontes que não secaram do estilo de Álvares de Azevedo, Fagundes Varella e Junqueira Freire (desta poética, o claustro que vate viveu, na poesia Simbolista, é refletida de maneira transcendente, não da forma que foi na realidade de Freire, que muito sofreu em sua vida de Frei), mas de uma ânsia amorosa carnal desiludida raramente atingida em nossas letras até então (e se foi até agora, fô-lo com menor qualidade).



Da Costa e Silva, cujo célebre "Madrigal de um Louco" foi transcrito num post sobre o movimento geral e sua temática de escapismo, viveu de 1885 a 1950 e foi um Pós-Simbolista dos mais rígidos estruturalmente (com exceção, ironicamente, ao Madrigal célebre). Mas, tematicamente, muitas vezes, era um cantor de sua terra: o nordeste. Temos, como esse exemplo, o soneto Saudade:

SAUDADE

Saudade! Olhar de minha mãe rezando
E o pranto lento deslizando em fio...
Saudade! Amor da minha terra... O rio
Cantigas de águas claras soluçando.

Noites de Julho. O caburé com frio,
Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando...
E à noite as folhas lívidas cantando
A saudade infeliz de um sol de estio.

Saudade! Asa de dor do Pensamento!
Gemidos vão de canaviais ao vento...
Ai! mortalhas de neve sobre a serra.

Saudade! O Parnaíba - velho monge
As barbas brancas alongando... E ao longe
O mugido dos bois de minha terra...

Filipe D'Oliveira (1891 - 1933), do estado de Rio Grande do Sul, foi um Simbolista de requinte. Mas o "Mal do Século" que aportava em todo poeta do estilo, nele não tinha passagem, pois, sendo um esportista, era de fisionomia claramente mais viva do que os seus contemporâneos. Morreu, porém, no exílio, decorrente da revolução 1932, num acidente de carro. Deixou-nos grandes poemas e uma reputação Simbolista, mesmo sendo ele um anti-arquétipo do estilo, maior do que muitos do estilo. Transcrevo parte de um dos mais célebres:

UM OUTONO DEPOIS

(...)

A paisagem mudou... a paisagem me acena...
Há convulsões nos gestos da paisagem...
Eu tenho medo...
Estão a se mover as roupas da ramagem...

É o vento... (O vendaval, na calma do arvoredo,
Simula adormentar essas fúrias tamanhas...)
Anda uma sombra na alameda adormecida...
Anda alguém a acordar todo o arvoredo...

... Eu tenho um grito estrangulado nas entranhas...

... E tu ficaste lá... longe... na minha vida...


A figura de Cruz e Sousa, que tanto foi cultuada no Simbolismo tradicional, aparece vez ou outra no posteriori do movimento. O exemplo mais notável desse culto ao Cisne Negro nesse movimento foi, talvez, uma prosa envolvida de versos de Cruz e Sousa, escrita por Álvaro Moreyra, que viveu entre 1888 e 1964. Em seu "Que bom encontrar você aqui...", em tom pessoal, questiona, citando poemas cruzianos, qual transcendente terra, quais imortais segredos estão com Cruz e Sousa:

QUE BOM ENCONTRAR VOCÊ AQUI...

Que bom encontrar você aqui, Cruz e Sousa. Você foi-se embora com 36 anos, em 1898, e é assim que volta, com os mesmos olhos acesos, as mesmas mãos inquietas, e a sua doçura e a sua amargura, meu grande poeta negro do Brasil! Agora já sabe, vivendo entre elas, o que são as estrelas. Mas não conte. Quero guardar as dúvidas d"As Estrelas":

"-Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancólico da esfera,
Nos caminhos da eterna primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão, errantes,
Quantas almas em busca da quimera,
Lá nas estrelas nessa paz austera,
Soluçando, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insana.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas não são os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!"

(...)

Citando o poema "As Estrelas" completo, contido em Faróis, Moreyra nos dá um novo tom de prosa poética, chegando a ser um cumprimento ad-eternum aos versos de Cruz e Sousa numa prosa.

O gaúcho Eduardo Guimaraens, nascido em 1892 e falecido em 1928 é um dos exemplos mais impressionantes da versatilidade poética do Pós-Simbolismo. Poderia, ao mesmo tempo, escrever um soneto chamado "Túmulo de Baudelaire" e também escrever um poema cujo ritmo é estranhamente silábico-tenro - e não rígido. O referido é este magnífico poema em termos de imagens:

NA TARDE MORTA

Na tarde
morta,
que sino
chora?

Não chora,
canta,
repica,
tine...
dos matos
Vago
perfume
sobe...

Na tarde
morta,
que sino
dobra?

Não dobra...
Canta
por simples
gozo

das coisas
belas
que apenas
vivem,

a esta hora
triste,
divina-
mente.

Das águas
mortas,
dos campos
Quietos,

Dos bosques
Murchos,
Dos charcos
Secos,

Dos cerros
claros
que se erguem
longe,

Dos ninhos
No alto
dos galhos
tortos...

E sobre-
tudo
das cria-
turas!

A quebra das palavras seria impraticável se o Parnasianismo não houvesse perdido grande parte de sua força no território nacional. E tenhamos notícia: isso demorou muito.
Segundo Nestor Victor, "No movimento simbolista, tivemos mais uma vez sinal de como somos tardígrados. O Brasil é o único país da américa do sul em que os parnasianos têm direito de cidade (...)", escreveu em seu Folhas que Ficam, anterior ao movimento Modernista, pois foi editado em 1920, mas já com o Pós-Simbolismo perambulando pela literatura nacional.

O fato implacável é que o Simbolismo atuou com força na Literatura do Século XX enquanto ela existiu, independentemente se o influenciado declarava-se um "Assinalado" pelo movimento. O que não podemos fazer é jogar no esquecimento tantas obras de qualidade para colocar no Altar o vácuo contemporâneo. Pois, não nos esqueçamos, todos esses que citei, além dos 130 que não citei, tinham erudição e cultura - e prezavam por estas para ampliar a sua Poética de Símbolos. Hoje há um desdém quase que total pela simbologia, e pela erudição um nojo quase que relativo aos vermes.

Abraços, Cardoso Tardelli.

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