quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Ambiente Intelectual durante o Simbolismo

Caros leitores do Sacrário das Plangências, como às vezes faço, transcreverei um pequeno trecho de um livro que convém às temáticas do blog. No caso, alguns parágrafos do "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro", de Andrade Muricy, nos quais o autor discorre sobre o ambiente intelectual em que os autores brasileiros desenvolveram as suas obras. Tal trecho está nas páginas 41 e 42 da introdução presente no referido Panorama.

"Os simbolistas brasileiros formaram o seu espírito num ambiente intelectual bastante simplista: um rousseauísmo básico, recebido através da Revolução Francesa e do enciclopedismo, e conservado em parte mercê das tradições maçônicas, o qual comportava o vago teísmo do Século XVIII, e em parte devido aos primeiros sucessos, entre nós - onde tanto se radicaram - do Positivismo, do Spencerismo, do Monismo, do Fenomenismo, do Evolucionismo.

Os movimentos abolicionista e de propaganda republicana estavam impregnados daquele positivismo, modificado pelas influências combinadas do renanismo cientificista e anticlerical e do naturalismo literário. O catolicismo tradicional, radicado profundamente na sensibilidade brasileira, mantinha-se como num arrière-founds da consciência filosófica. Nabuco e Eduardo Prado constituíam exceções.

O objetivismo poético, reação contra o sentimentalismo expansivo dos românticos, não proporcionava elementos ideológicos aos novos. Do Romantismo receberam estes o anti-burguesismo à Murger, à Flaubert, à Baudelaire. Mais profundo, se bem que indireto, foi o influxo do idealismo hegeliano, ao qual se deve acrescentar o "inconsciente" de Hartmann e o pessimismo de Schopenhauer. Desligados do catolicismo, beiravam o panteísmo, ou nele diretamente incidiram. Vários encontraram refúgio no esoterismo, no ilusionismo, sob as formas literárias do satanismo.

(Na foto: Farias Brito)
Farias Brito, filósofo representativo do Simbolismo brasileiro, constituiu um fenômeno até certo ponto análogo ao de Bergson, de quem foi o primeiro e percuciente crítico entre nós. O "primado do espírito", preconizado pelo autor de O Mundo Interior, estava obscuramente na consciência dos simbolistas, cuja ânsia de absoluto, de infinito, não significava, como depois se afirmou, atitude de evasão, mas uma tendência incoercível para contraporem-se à imposição e à constrição da relatividade compulsória do positivismo e do cientificismo. A vida do espírito, tal como eles a concebiam, trazia dilatação e amplitude para o âmbito da experiência poética: incorporava realidades metafísicas - e também, no extremo oposto, subconscientes e até inconscientes - à pequena superfície de consciência que era iluminada pela razão prática."


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Caros, acerca do objetivismo a que Andrade Muricy se refere, recomendo a leitura das críticas que o ótimo poeta Alexei Bueno fez acerca dessa questão na "Carta Aberta aos Poetas Brasileiros", de 31/01/2002, no Jornal do Brasil. A tendência é antiga, como Muricy notou, e, como vemos na crítica de Alexei, mantém-se:

"O FETICHISMO DA OBJETIVIDADE:

O Brasil continua, até hoje, atolado na Escola do Recife e no Positivismo. É o fetichismo da objetividade, que serve de base para as maiores sandices críticas entre nós. Daí talvez tenha vindo o fracasso social do Simbolismo perante o Parnasianismo no Brasil, fato único no mundo. Há subjetividades muito mais exatas e diretas que mil objetividades. Falarão também contra a “metafísica”. Mas se há algum problema com a metafísica, A paixão segundo G. H., de Clarice Lispector, que é tão puramente metafísica que às vezes não parece literatura, deveria ser jogado ao lixo. Depois falarão que a obra literária, como disse um sr. da Folha de São Paulo, deve ser racional e concisa. Concisa no país que deu Os sertões e o Grande sertão: veredas! Depois virão com a “escadinha” das escolas, as genealogias literárias, etc. Para o diabo! Toda a grande literatura é continuidade e sobretudo ruptura. Nenhum crítico sabia que Augusto dos Anjos ou Guimarães Rosa apareceriam antes de aparecer. O espírito humano é irrefreável e imprevisível."

Para quem se interessar pela carta inteira (e o porquê dela, os deságues, etc etc), eis o link: http://www.jornaldepoesia.jor.br/disseram40.html#carta

A discussão, porém, é longa e, como tal, vale uma postagem unicamente para ela, principalmente por agregar questões muito básicas e presentes em nossa sociedade contemporânea, entre as quais o empirismo tácito com que lidamos, a lei do menor esforço, a rapidez das informações e a transformação da cultura em um objeto de consumo como qualquer outro (daí a necessidade, para muitos, da concisão facilidade das obras).

Enfim,

Abraços,
Cardoso Tardelli

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A Boa Fase Editorial da Poesia Brasileira

Caros leitores do Sacrário das Plangências, quem acompanha de longa data este blog sabe da minha postura cautelosa acerca do gênero poético e de sua recepção e divulgação no Brasil. Em posts mais delicados, como no que eu analisei a lista de leituras para a Fuvest/Unicamp de 2011/2012, percebia que, ao menos no que cinge o Ensino Médio, a poesia tem sido deixada de lado - ou por ser considerada "muito difícil" por acostumados à sintaxe da prosa, ou por um mau ensino do gênero literário - que o demonstra muito mais como uma ciência (cheio de métricas, métodos, formas - que existem, sim -, mas com pouca sensibilidade para contextos históricos, filosóficos e literários, mais condizentes do que exercícios de contagem de decassílabos ou polimétricos...). Mas o que é evidente é que a poesia em terras brasilianas começou, em determinado momento do Século XX, a ficar cercada de um certo "misticismo", tanto das editoras quanto dos leitores, quando se declarou seca a fonte intelectual do gênero, e mais seca ainda a fonte de leitores, fazendo convir, com o passar do tempo, a pergunta: "Quem tem medo de poesia?".

Mas é flagrante que o momento editorial para a poesia, no Brasil, mostra-nos um panorama interessante e em plena transfiguração. Alguns fatos me fazem dizê-lo. Quando soube que Toda Poesia, de Leminski, vendeu, em seis meses, mais de 50 mil exemplares (sendo 20 mil só em um mês e meio), animei-me. Não que Leminski, apesar de sua erudição magnífica, fosse um poeta de complexidade e hermetismo textual como Ernâni Rosas, mas é um poeta, com a justa assinatura do ofício... e, mesmo assim, superou qualquer expectativa de venda para a poesia. É, claro, foi um fenômeno, pois a prosa é que detém essas marcas tão significativas. Mas um fenômeno que nos indica o que está ocorrendo no mercado editorial da poesia.

No último domingo (dia 11/08/2013), na Folha de São Paulo, foi divulgada a notícia de que a Companhia das Letras (a mesma editora que republicou com sucesso o Leminski), republicará a obra de Ana Cristina Cesar, poetisa carioca, falecida em 1983 e que já estava fora de catálogo. Uma editora de tamanho porte republicar obras completas de dois poetas (é bem claro, contemporâneos e de estilos condizentes, por exemplo, ao curto dizer das redes sociais) significa uma clara aposta na poesia. E que se diga, a "Ilustríssima", caderno cultural da Folha, tinha 4 das suas 7 páginas dedicadas ao gênero poético, neste último domingo. É uma exposição deveras interessante. 
Não se pode, no contexto de relançamentos de algumas obras clássicas (independentemente da escola poética), passar desapercebido o relançamento das obras de Cecília Meireles, que até pouco tempo tinha as suas poesias somente encontráveis em Sebos.

Um ponto que é evidente: basta uma passada por livrarias de grande porte para perceber que, na seção "Poesia", a variedade de editoras é enorme. Vai da Multifoco (pela qual publiquei a "Poética das Quimeras") até a emergente Patuá, passando por IbisLibris, Giostri, 7Letras, Escrituras, entre outras (é claro, incluindo-se aí as gigantescas). Nenhum gênero literário cresce e é valorizado sem que tanto as editoras quanto os autores lutem nos literários meios e com os cabíveis esforços para que ele chegue ao público. Toda Poesia, de Leminski, vendeu em tamanha proporção porque a editora (que é uma gigante), é bem claro, distribuiu e divulgou a obra, fazendo com que o público tivesse ampla informação sobre o poeta e, acima de tudo, fácil acesso ao livro. O que percebo é que as obras de poesia, sejam elas de autores iniciantes ou não, estão chegando mais facilmente às estantes das livrarias. Nunca se encontrou tanto poesia quanto agora - consequentemente, nunca se vendeu tanto.

Porém, ainda há paradigmas a serem quebrados. Existem ainda pessoas que bradam o clichê "poesia não vende", ou pior, "no Brasil, quem lerá poesia?". Esse último já era dito - e satirizado - no Século XIX, quando Simbolistas e Filósofos, um dos quais Farias Brito, foram nivelados a outro mundo, não ao Brasil, "pois, em país de carnaval, quem vai ler sobre espiritualidade?"; e, como vimos, apesar do fenômeno Leminski, a poesia vende, sim, apesar da prosa ser ainda o claro foco dos leitores. 
Há também um curioso paradigma a ser rompido: o dos editores. Alguns ainda se sentem inseguros quando o assunto é poesia, mesmo que o gênero já tenha dado sinais de sobrevida e de crescimento no mercado. É evidente que nem todos poetas que mandam originais são realmente bons, mas o que não exclui o fato de que muitos editores ainda vivem em um mercado passado, no qual a poesia era divulgada tão somente nos eventos comandados pela editora ou em um ou outro jornal com interessante aporte (que é até hoje um jeito bom de se divulgar), não tendo uma ferramenta como a internet para auxiliar na divulgação e nas vendas dos livros. Não digo, porém, nas vendas encomendadas por demanda - mas as por E-book. Creio que a editora que tiver tanto o livro físico disponível nas estantes das Livrarias quanto o E-book disponível em seu site sairá na frente no mercado da poesia. E há um motivo para isso: muitas pessoas enxergam ainda um livro de poesia como um livro de "esparsos", não como uma obra com um meio, começo e fim. Cada poema é uma obra independente, mas, se postos em um livro, em ordem determinada pelo autor, há uma lógica e um porquê; mas, mesmo assim, é pelo motivo de um livro de poesia ter essa capacidade excepcional de divisão e singularização de cada poema é que o e-book poderia ser mais utilizado pelas editoras que pretendem publicar o gênero. Utilizá-lo juntamente com a publicação impressa, como eu evidenciei.

Aliás, acerca da internet, é-me claro que o crescimento da poesia está ligado com o crescimento de seu uso. Há muitos bons sites de literatura, e até mesmo uma ferramenta como a Wikipédia auxilia a um leitor interessado, mas com poucas informações sobre um autor ou um estilo, a obter nomes de alguns livros para, enfim, comprá-los em uma livraria. Muitos autores foram redescobertos após o advento da rede digital; muitos, após esse lume, tiveram a sua obra completa disponibilidade - fosse por meio de e-books ou por publicação impressa.

Se, por um lado, não tenho a pretensão de achar que a poesia emplacará dez best-sellers, por outro, suponho melhores ares para o gênero (seja para os poetas futuros ou do passado). O Brasil sempre foi terra de magníficos poetas - muitos dos quais reconhecidos no estrangeiro (apesar, vejam bem, da dificuldade de se traduzir uma poesia em Português) - e não há motivos pelos quais da continuidade desse misticismo de um Brasil anti-poético, sem leitores de poesia - ou fechados na Academia -, mesmo porque os fatos demonstram o contrário. E ei-los que assim continuarão.

Abraços,
Cardoso Tardelli

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Lembramentos - Cardoso Tardelli

Caros leitores do Sacrário das Plangências, posto-lhes um poema presente na Poética das Quimeras (Selo FuturarteEd. Multifoco, 2012). 

A obra está disponível na Livraria Cultura (clique aqui para o link) e no site da editora (clique aqui para o link). Há agora também o e-book da Poética das Quimeras (clique aqui para comprá-lo na Amazon.)

LEMBRAMENTOS - Cardoso Tardelli

Deparo-me com o Sonho,
Tristonho,
E lembro-me de ti,
E tal qual entressonho,
No negror algo me sorri.

Ante tal forma d'alento,
Lamento,
Pois inda vasto de negror
Era aquele momento
Com o rir de teu fulgor.

Mas crescias, resplandecias,
Como dias,
Quando cantam d'aurora
Os hinos das alegrias
Dos tempos de outrora.

E em minha terna visão,
Na ilusão,
Ouço a tua voz d'esperança
Que vinha de teu coração:
Canto angélico de bonança.

Porém, passavas medos,
Segredos,
Em todos teus brandos cantos,
Soando todos tredos,
Lassos, de tristes encantos.

E no lúgubre perturbar,
No Sonhar,
Tremulava tu'imagem,
Em ardentoso prantear
Sem o bálsamo d'aragem.

E qual tenro delírio,
Martírio,
Vejo o negror tornar ao Sonho,
E o afável Círio
Fanou-se em luto medonho.

18/12/2010

Abraços,
Cardoso Tardelli

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A Sexualidade no Movimento Romântico

Caros leitores do Sacrário das Plangências, a temática deste tópico tentará, de certa forma, desmitificar com certas percepções que perambulam comumente acerca do movimento Romântico e de sua época. Ainda há a ideia de que os Românticos viveram sob o regime de castidade, à procura das também castas mulheres "pálidas, doentias e tristonhas" - imagens tão corriqueiras à época. Mas é só procurar o cotidiano das cidades onde viviam os poetas - muitos dos quais estudantes de direito -, para ver como a postura de castidade era, em sua grande maioria, estritamente literária.

Criou-se uma convenção de ideias que só prejudicam a leitura e a contextualização do Romantismo. O conceito completamente desconexo de "amor romântico" que "só existe no ocidente" é uma dessas. Um amor "idealizado", "nunca concretizado", "platônico por essência" (fica sempre a sugestão da leitura do Banquete, de Platão, para entender a totalidade do conceito amor platônico), e que criou sérios problemas para a mentalidade ocidental, muito correta no modo de amar. Creio porém, que não há algum grau de correção ou não nesse ponto - simplesmente todos os movimentos Românticos tinham como contexto uma sociedade conservadora - e a perspectiva ocidental, de lá para cá, não mudou muita coisa - e não foi culpa do Romantismo.

Tornando ao que importa: em 1850, época em que Álvares de Azevedo já estudava na Academia de Direito do Largo de São Francisco, a cidade de São Paulo tinha em torno de 14 mil habitantes (fonte: Formação Histórica de São Paulo, de Richard Morse) - sendo ainda pouco mais que uma cidade provinciana com uma universidade em seu centro -, e é por essa época que os bordéis começam a surgir na cidade de São Paulo. Segundo Ubiratan Machado, em seu A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo, já era tradição, desde 1840, o meretrício em São Paulo - mas o de mestiços, em que muitas das mulheres eram exploradas pelas próprias mães. Nas palavras de Ubiratan: "O desfile começava à noite, depois que o comércio fechava. Cobertas de mantilhas, elas seguiam pelas ruas garoentas e mal iluminadas, em direção às repúblicas dos estudantes e às casas noturnas, que permaneciam abertas até a madrugada. Entre essas vendedoras do amor, não era raro misturarem-se leprosas, aproveitando-se das sombras da noite." Vale lembrar que já à época de 1850, os alugueis de repúblicas se tornaram muito rentáveis aos cidadão da cidade de São Paulo, ao contrário do panorama inicial encontrado pelos estudantes, em 1827, quando tiveram de morar nas celas do convento da própria faculdade. 

(Na foto: Bernardo Guimarães)
Tornou-se épica a Sociedade Epicureia, pensada e criada pelos maiores talentos da época - Bernardo Guimarães, Aureliano Lessa e Álvares de Azevedo, apesar do Maneco não ter tido saúde suficiente para a participação das históricas orgias feitas na Chácara dos Ingleses, que ficava na Rua da Consolação. Bernardo Guimarães depõe, acerca das farras: "Alguns estudantes que se entregaram mais doidamente a esses excessos, ou que eram dotados de uma constituição menos robusta, de lá saíram com moléstias de que depois morreram". Segundo Ubiratan Machado, Guimarães dizia de uma orgia em que estudantes e prostitutas passaram mais de quinze dias trancafiados e na qual, muito provavelmente, Ernesto Ferreira França teria contraído lepra, morrendo posteriormente.
O próprio Guimarães, lembrado sempre por sua "Escrava Isaura", mas cuja poesia tem fortes feitios irônicos contra o próprio Romantismo, tem como um dos pontos altos de sua obra poética a curiosa "A Orgia dos Duendes".
Sobre a obra de Álvares de Azevedo, é a sua sua obra em prosa que mais palpita sexualidade. Seja nos contos de "Noite na Taverna" ou na peça "Macário", há claras referências ao ato sexual - ou, ao menos, ao meretrício ("Macário", por exemplo, termina com o demônio e Macário começando a observar uma orgia). Na "Noite na Taverna", no capítulo de Solfieri, há talvez uma das mais clássicas e sexualizadas passagens de nosso Romantismo, pois naquela intensa passagem em que Solfieri descreve um "gozo fervoroso" com a amante, é que se destacou-se o caráter necrófilo de sua luxúria.

Fagundes Varela, o segundo maior da geração "mal do século", teve um caso de três meses com Ritinha Sorocabana, atriz circense que se entregou à vida da prostituição ao chegar em São Paulo (Ritinha, diga-se foi uma das mais constantes musas do poeta), quando a cidade já colhia a evolução advinda do café, transformando a prostituição em algo mais requintado do que em meras filas à frente de repúblicas. E, no que se refere à sexualidade, é muito mais evidente, com certeza, a de Castro Alves, que além de ter tido um público caso com Eugênia Câmara, famosa atriz portuguesa da época, relatou em seus poemas o "amor carnal" de forma clara, não substancial, culpada, com aquele medo de macular a virgem, como era comum aos Românticos brasileiros - afetados pela tradição portuguesa conservadora quase intrínseca ao nosso povo.

Mas, fora do contexto universitário, no Rio de Janeiro, pensamos em um contexto cultural e que, pouco a pouco, crescia durante o Segundo Reinado: o teatro. Normalmente, as peças apresentadas, além de raras, eram popularescas e ruins - fossem elas daqui ou da França. Poucas vezes os autores brasileiros renomados obtinham alguma chance de apresentar as suas peças, muitos menos as que tentavam trazer algum questionamento ou ousadia. Com o advento da iluminação a gás - muito mais intensa do que a por azeite -, as saídas noturnas se tornaram mais comuns à elite. A prostituição, por consequência, sofisticou-se também. E é nesse contexto, pelo ano de 1857, que a casa-concerto Alcazar Lyrique Français é inaugurada.

Segundo Ubiratan Machado, a casa viveu o seu auge em 1864, quando o seu diretor, Arnaud, trouxe de Paris várias artistas "esfuziantes". Segundo o autor, "numa época em que as mulheres mal mostravam a ponta dos sapatos, imagine-se a excitação provocada por artistas seminuas, atirando as pernocas bem contornadas par ao alto, em lascivos números de cancã". Em uma época em que os costumes familiares eram tão preciosos, uma casa como essa não podia passar desapercebida por "mosqueteiros da moral e dos bons costumes", e era muito comum que policiais interrompessem as apresentações (a mando das esposas e de incautos da ética) que, diga-se, tinham grande qualidade intelectual e teatral, ao contrário de grande parte das companhias de teatro brasileiras. 
O grande sucesso do Alcazar foi Orphée aux Enfers, de Offenbach, apresentada em 1865, e cuja grande estrela foi Aimée, grande musa da casa. A paixão dos estudantes e dos homens, em geral, por Aimée foi tão grande que, na ocasião de sua partida, as mulheres cariocas chegaram a soltar foguetes. Segundo Ubiratan, há um desenho de Henrique Fleuiss, na Semana Ilustrada, que mostra "mulheres ajoelhadas, agradecendo a Deus, padres retornando às igrejas, estudantes se interessando de novo pelo estudo" - tudo, enfim, porque Aimée partira.

As atrizes francesas do Alcazar se prostituíam por um alto valor. Somente, portanto, os muito endinheirados podiam arcar com os seus programas. Porém, havia as alcazarinas, brasileiras que ficavam na plateia, à espera de propostas - e eram, em suma, bem mais baratas do que as atrizes. Os casais, findos os espetáculos, iam para a Rua do Ouvidor, onde ficavam alguns hotéis especializados em encontros amorosos.
Frequentavam a casa, entre outros, o jovem Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, Laurindo Rabelo, Francisco Otaviano, além de muitos políticos da época.

(No retrato: Casimiro de Abreu)
Quem não podia arcar com as despesas das atrizes do Alcazar Lyrique Français, ou tampouco das alcazarinas, optava por prostitutas de rua, que, na grande maioria, eram escravas ou portuguesas. Foi o caso, segundo Ubiratan, de Casimiro de Abreu - e o preço do programa, em 1857, era de 5 mil réis, possível para um caixeiro, profissão do poeta.
Aliás, acerca de Casimiro de Abreu, alguns comentários de Mário Alves de Oliveira, na Obra Completa de Casimiro de Abreu (Editora G. Ermakoff, 2010), fazem-se necessários neste tópico. Segundo Oliveira, a palavra virgem (e seus sinônimos virgíneo, virginal e virgindade) aparece mais de cem vezes na obra de Casimiro, e tal fenômeno é comum em todo o nosso Romantismo - de Álvares de Azevedo a Castro Alves, passando por Junqueira Freire (em breve comentarei sobre ele). Casimiro, como um bom jovem, tinha um lado sensual, folgazão, que fica claro neste trecho de uma carta destacada por Oliveira:

"Dizem que a lua se parece com as mulheres porque faz crescer os pepinos; a mim não sei se é a lua ou o que é que me faz crescer a tristeza ou o aborrecimento" (em 17 de Mario de 1859).

No poema "Clara", por exemplo, ele deixa claro uma inclinação sensual em sua poesia:

(...)
Mulher morena é ardente:
Prende o amante demente
Nos fios do seu cabelo;
(...)

Como Oliveira destacou, Mário de Andrade já tinha notado essa feição sensual na poesia dos Românticos e teceu, nos Aspectos da Literatura Brasileira, de 1972, o seguinte comentário:

"Em Castro Alves se sente sempre, ou pelo menos mais que nos outros, a mulher. Ele foi de fato um sexual perigoso, duma sexualidade animal bem correta. É exatamente o contrário de Casimiro de Abreu, que irrita pelas perversõezinhas com que recama a sua burguês dulcidão. Casimiro de Abreu é mestre nesse gênero de poesia graciosa, própria dos assustados familiares, que a gente vive esquecendo que no fundo é bem pouco inocente."

E sobre Junqueira Freire, que partiu para a vida monástica por pressão familiar e morreu muito cedo por consequência de problemas cardíacos, pode-se dizer que o claustro, mesmo sendo um fator fisicamente limitante, não o foi no que se refere à criação da poesia de Junqueira Freire, talvez um dos pontos mais altos de nosso Romantismo da segunda geração. E apesar de monge, a palavra "virgem" (não necessariamente no sentido de pureza, de "lirial objeto") não era esquecida em sua obra, sendo, muitas vezes, utilizada como . Um dos casos é o poema "Saudade", dedicado a um companheiro de claustro - o Frei Beto.

(...)
Não serias mais belo, em áureo engaste,
No colo de uma virgem?


Creio que com essa pequena amostragem já mostrei, em alguns âmbitos, alguns feitios da sexualidade durante o movimento Romântico, fosse ele em um contexto universitário, fosse ele em um contexto elitista ou, simplesmente, literário. Negar tal característica para representar os nossos Românticos como meros idealizadores do amor - alheios, inclusive, à sociedade que os cercava - soa como desonestidade intelectual. Inclusive porque, no Romantismo, além das temáticas amorosas, houve as temáticas sociais - de Gonçalves Dias, Fagundes Varela a, evidentemente, Castro Alves. E que se diga, no final do Século XIX, no auge da luta contra a Escravidão, a figura de Castro Alves foi utilizada muitas vezes como a representação do "poeta dos cativos", um símbolo da luta dos negros. Hoje, a imagem dele, aos olhos do movimento negro, não significa muita coisa. E, talvez, seja mais um exemplo de como o Romantismo, seja no amor, na morte ou no social, é lembrado de uma forma aquém do que deveria.

Abraços,
Cardoso Tardelli