quinta-feira, 13 de junho de 2013

Sugestões de Leitura - Parte XII

Caros leitores do Sacrário das Plangências, continuando com as postagens tradicionais, faço-lhes as sugestões de leitura deste mês - a décima segunda desta seção.

E.P. Thompson - Os Românticos - A Inglaterra na Era Revolucionária - Ed. Civilização Brasileira; 1ª Edição: 2002. 308 páginas.  

Nesse livro póstumo (é uma reunião de textos do autor feita por sua mulher), o historiador inglês Thompson - um dos mais renomados, diga-se -, debruça-se no estudo interdisciplinar da literatura, sociedade e historiografia, baseando-se nos autores essenciais da década de 1790, ou seja, Wordsworth, Coleridge e Thelwall. É bem claro que o Romantismo inglês foi bem maior que isso, afinal, teve Byron, Shelley, Keats, Blake, entre outros, mas o foco de Thompson é indicar o deságue inicial dos movimentos históricos e sociais da época - ocorressem eles na Inglaterra ou não -, entre os quais a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. É válido lembrar que a aristocracia sempre esteve no domínio artístico europeu, e o panorama, com o Romantismo, começou a mudar um pouco na teoria, com uma capenga tentativa de aproximação do povo; falha, sim, pois a erudição e o próprio intento de superioridade espiritual do movimento não deixava com que o Romantismo chegasse, de fato, ao viés popular.

STÉPHANE MALLARMÉ - Brinde Fúnebre e Outros Poemas - Trad. Júlio Castañon Guimarães 7 Letras; 3ª Edição: 2012. 98 Páginas.

Pouco posso - e devo - acrescentar sobre Mallarmé. Apesar de ter participado com alento do movimento decadentista francês (chegando a ser uma das inspirações para Huysmans escrever o seu Às Avessas), tem-se dado mais destaque, atualmente, à face experimental da poesia de Mallarmé, o que causa, na verdade, uma certa injustiça com a memória do poeta. Acerca do livro, há poucas traduções com a devida qualidade do revolucionário poeta francês. Tomando tanto a feição decadentista do autor, quanto a feição que iria influenciar de E. E. Cummings aos nossos concretistas, esta edição - muito breve, não obstante a qualidade -, tem qualidade gráfica e pode-se considerar uma pequena introdução à poesia de Mallarmé, que é gigantesca e variada. Conta com um estudo detalhando o processo de tradução - algo que é sempre controverso.


VICTOR HUGO - Poemas - Seleção e Tradução: Manuela Parreira da Silva - Editora: Assirio e Alvim. 2002, Lisboa. 64 Páginas.

Esta pequena reunião de poemas do Romântico Victor Hugo vem para saciar a uma sede poucas vezes referenciada quando ouvimos falar em seu nome: a sede de sua poesia. Se, por um lado, a prosa do autor de Os Miseráveis é amplamente traduzida para o Português, não temos a mesma percepção quando o gênero é o poético. Há edições esparsas publicadas em Portugal (como esta que lhes indico), mas dificilmente chegam às estantes das livrarias brasileiras, fazendo-se necessária a importação e aumentando demasiadamente o seu preço. Este, no caso, chegou (encontrei-o na Livraria Cultura...). É uma edição bilíngue, modesta, sincera, com gravuras e fotos do autor, mas que abranda, não totalmente - apesar - essa sede a que me referi, pois, afinal, Victor Hugo foi um dos maiores espíritos humanos que já passaram por este mundo.





Boa leitura!

Abraços,
Cardoso Tardellis

segunda-feira, 3 de junho de 2013

O Simbolismo, a Moral e a Boêmia

Caros leitores do Sacrário das Plangências, transcrevo-lhes um trecho da introdução do Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, de Andrade Muricy. Lembro-lhes que, para muitos, o Simbolismo brasileiro pode soar demasiadamente moralista e católico (Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, como discorrerá Muricy, claramente tiveram tons moralizantes em suas poesias... e como foram os "sobreviventes" do Simbolismo brasileiro diante de sua clara desvalorização em nossa Literatura, é bem evidente que a falsa percepção moralista que o movimento passa também tem a ver com a permanência dos dois únicos ícones do movimento, atualmente). A contra-posição ao Decadentismo e ao Simbolismo francês é evidente, mas errada, já que grande parte do movimento foi maçom e anti-clerical, chegando, em muitos casos, ao viés satanista à Baudelaire. Andrade Muricy, discorrendo sobre tais temas, chega até o "paraíso artificial", a boêmia que, de certa forma, em pose poética ou em constância  vida,  foi uma importante questão para o movimento - atingindo-o socialmente e artisticamente, sendo uma das várias "torres de marfim" erigidas pelos nossos poetas simbolistas.

O trecho que transcreverei está nas páginas 78, 79, 80 do Panorama do Movimento Simbolismo Brasileiro.

"O Simbolismo nasceu amoralista. Exagerando o conceito de Baudelaire: 'Muita gente imagina que a finalidade da poesia é um ensinamento qualquer, que ela deve ora aperfeiçoar a consciência, ora, afinal, demonstrar qualquer coisa de útil..." "A poesia não pode, sob pena de morte ou de decadência, ser assimilada à ciência ou à moral." Essa noção é de nítido caráter tomista. Contudo, o próprio Baudelaire, na sua dolorosa vida, teve atitudes excessivas, levadas a maiores extremos ainda por Wilde - que, aliás, ficavam longe, apesar das alarmadas observações "clínicas" de Nordau, do sinistro androginismo de jovens "existencialistas" de hoje.

No panorama brasileiro, os simbolistas, representados pelas suas maiores figuras, nem sequer foram propriamente boêmios. É ainda cedo para mencionar traços biográficos atinentes à vida privada desses autores. Ninguém ignora, entretanto, a dipsomania progressiva de B. Lopes - que o levou ao Hospício dos Alienados - para citar um que não deixou responsáveis pela defesa ciosa de sua memória. A moléstia reduziu Emiliano Perneta à sobriedade radical, já, porém,  nos últimos anos de sua vida, que não foi longa.

Aliás, o álcool - em França, a "fée verte", o absinto - era o "paraíso artificial" (a expressão, sabem todos, é de Baudelaire), por assim dizer normal entre os poetas brasileiros. No Parnasianismo e no Naturalismo, foi geral o abuso alcoólico, ainda de tradução romântica. Caso quase único - Alberto de Oliveira era abstêmio e de vida rigorosamente regular. A época admirada os Pardais Mallet, Paulas Ney, Guimarães Passos. O romance, tão vivaz, A Conquista, de Coelho Neto, dá  acerca dos seus companheiros depoimento irrecusável, naquele sentido. Entre os simbolistas havia os boêmios à Murger, ou ao modo do Chat Noir e outros cabarés de Paris. Assim, Emiliano Perneta, Gonzaga Duque, Santa Rita, Venceslau de Queirós, Oscar Rosas, Lima Campos, Orlando Teixeira, Carlos D. Fernandes, Zeferino Brasil, Leite Júnior, Marcelo Gama, Edgar Mata, Max de Vasconcelos, Maranhão Sobrinho, Tiago Peixoto, Pedro Kilkerry, Ernâni Rosas. Para quase todos esses o "paraíso artificial" era ritual, uma torre de marfim; Marcelo Gama foi vítima ocasional dele; Edgar Mata chegou a sofrer verdadeira desintegração da personalidade. Certa impulsividade subitânea, frequente em tantas páginas de nosso Simbolismo, tiveram, talvez, em parte, aquela origem.

Nesse terreno, foi notória a sobriedade radical de Cruz e Sousa, Silveira Neto, Nestor Vítor, Rocha Pombo, Graça Aranha, Domingos do Nascimento, Dário Vellozo, João Itiberê, Pethion de Vilar, Ad. Guerra Duval, Maurício Jubim, Saturnino de Meireles, Euclides Bandeira, Tristão da Cunha, Félix Pacheco, Durval de Moraes...

(Na foto: Alphonsus de Guimaraens)


Não me parece útil, e seria, seguramente, ingênuo, distribuir os restantes pelas duas colunas deste quadro. Quero porém lembrar um fato de capital significação: quase nenhum simbolista fez o louvor da boêmia e do álcool. Em alguns, até, este último aparece como um mal de ordem estritamente privada e quase secreto. O ambiente antropogeográfico e as condições de formação espiritual conficionaram infinitamente melhor a criação poética de Alphonsus de Guimaraens do que poderia fazê-lo algum paraíso artificial. No pólo oposto a outros, em cuja obra há manifestos sobressaltos de dipsomania, Alphonsus de Guimaraens mantém, na sua, igualdade extraordinária e admirável unidade de vida interior. A sua produção significativa foi realizada no período entre 1891 (poemas insertos em Kiriale e Dona Mística) e 1921, quando faleceu: trinta anos de fecunda produtividade, só comparável, no Brasil, no concerne à regularidade e equanimidade, à de Machado de Assis. Reina em toda a sua extensão uma gravidade, uma honestidade, uma pureza admiráveis.

Cruz e Sousa, esse tomou postura moralizante explícita. O seu inconformismo e o seu antiburguesismo não o levaram à busca do paraíso artificial de Baudelaire, de Verlaine, de Edgar Poe. Nada existe, na sua obra, que seja mais fundamental que o seu moralismo. Não há nele nada convencional. Os seus terríveis sonetos finais: "Piedade", "A Perfeição", "Fogos-Fátuos", mas sobretudo "Consolo Amargo", "Ódio Sagrado", "Sorriso Interior", "Triunfo Supremo" e "Assim Seja!", exprimem inabalável sentimento de dever transcendente, resignação dolorosa, e um estoicismo atingido com esforço quase sobre-humano, tanto fremem, por baixo dessa disciplina  moral, as suas fibras profundas de sensibilidade, feridas pela vida. Nele não havia vestígios de tédio diletantesco de tantos "decadentes", nem o pessimismo era atitude voluntária ou meramente filosófica.

Os seus discípulos, muita vez paradoxalmente, assumiam a mesma postura moralizadora e estoica, mas somente na obra poética... Aquele heroísmo tornava-se, nas mãos desses epígonos, meramente vocabular.

A parte significativa da obra de Cruz e Sousa foi escrita apenas em seus anos - 1892 (quando se fixou no Rio) a março de 1898 (quando faleceu), quinta parte do que dispôs Alphonsus de Guimaraens para realizar a sua - mas escrita febrilmente, e à custa da própria saúde, da própria vida, como o destino se encarregou de demonstrar, e com a pressa de quem sabia ser um "assinalado" - o averti de Maeterlinck. Condenado (a sua obra está cheia desse pressentimento), Cruz e Sousa teve de apressar vertiginosamente a sua mensagem total e o seu "testamento". Quase inteiramente "póstuma" nas suas partes mais altas, não pôde sofrer nenhum trabalho suplementar de aprimoramento, nenhum acabamento. É quase uma improvisação, mas genial e revestida da sua forma necessária. As escórias - também existentes em obras realizadas com refletidos vagares - são despiciendas; é justo que como tal sejam tratadas. Nenhuma poesia menos arte-pela-arte, até a despeito de convicções, menos meditadas pelo próprio poeta.

Observado o panorama da época, fica evidente o contraste entre os simbolistas, de um lado, nem todos puros, insistindo na nota da pureza, da honestidade, do heroísmo interior, falando em "lírios", e cuja sensualidade era violentamente idealizada, ligada ao satanismo, ao sucubato, a um profundo sentimento misticismo - e de outro os parnasianos, muitos dos quais cantavam a carne pela carne, sem o sentimento do pecado, mas também sem saudável alegria. Estão nos extremos: Alphonsus e Bilac."

Abraços,
Cardoso Tardelli