terça-feira, 28 de junho de 2011

O Simbolismo Irônico e a Ironia ao Simbolismo


Estimados leitores de o Sacrário das Plangências, esta postagem tem como função mostrar um feitio do movimento Simbolista que não foi conhecido, assim como algumas reações bem-humoradas, mesmo que nem sempre bem executadas, contra o movimento dos Símbolos.

O Simbolismo é mais conhecido pelas temáticas obscuras que tratava, mesmo em torno de imagens do branco (influência de Broquéis, lançado em 1893, por Cruz e Sousa -1861-1898-), mesmo que toda obscuridade fosse posta de uma maneira transcendente, numa forma de transcender os penares do mundo. A influência do Budismo em muitos poetas, inclusive em Cruz e Sousa, era evidente, mesmo sendo conflituosa com as imagens católicas abundantes do estilo. O êxtase búdico (nome, aliás, de um soneto de Cruz e Sousa), ou seja, o Nirvana, era tratado de uma maneira muito tristonha, resignada, qual um clamar impossível por poetas que vão de Edgar Mata (1878-1907) a Narciso Araújo (1877-1944). Ou seja, os conflitos de escapismo deixados pelo Romantismo foram tratados, utilizando-se de outras imagens ou não, pela escola toda.
Mas houve quem, mesmo diante do desalento das tópicas dos versos, demonstrasse bom humor. Talvez não há um exemplo mais de peso para começar a demonstrar isso do que o célebre Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), que teve póstumamente lançados seus Versos Humorísticos, na sua Obra Completa, edição de 1960, mas que na apresentação de sua obra são totalmente deixados de lado, mesmo que alguns tenham real qualidade literária. Os versos de Guimaraens que mostrarei não têm um feitio tipicamente Simbolista, recheado de maiúsculas e de desalento. É, tão somente, uma ironia a uma situação típica no matrimônio em conflito com a imagem da paixão.

VI

Um Moço, à sua Amada:

A vida sonhando passo...
Como o sonho vai de leve!
Divago pelo meu paço...
E a minh'alma, passo a passo,
Sobe ao teu peito tão leve!

Uma Nora, à sua Sogra:

Já não sei por onde passo...
Como a morte vem de leve!
Divago pelo meu paço...
E a minh'alma, passo a passo,
Pede ao diabo que te leve!

(...)

Algumas coisas de Alphonsus de Guimaraens são, de fato, esquecidas para, na concordância do desdém ao Simbolismo que é feito no ensino de literatura no Brasil, ter-se um foco nos mais aplaudidos poemas de Guimaraens, mesmo que muitos não sejam, de fato, os melhores. Para um dado de curiosidade, foi ele que escreveu a letra do hino de Mariana, cidade mineira em que descansa o seu leito derradeiro.
(Na foto: Adolfo Werneck)

No atualmente desconhecido Adolfo Werneck (1879-1932) - atualmente pois este é detentor de uma cadeira da Academia Paranaense de Letras, demonstrando o prestígio que tinha na sua época -, vê-se uma poesia Simbolista, satanista (influenciado muito, então, por Baudelaire -1821-1867-), mas que tinha uma veia sarcástica e musical que ia para além de muitos da época. Eis um exemplo disso:




COVEIRO

De longas barbas, olhar funéreo,
coveiro mau,
Porque habitas o cemitério
como o lacrau?

O teu aspecto... Jesus, que medo!
que medo, xi!
Quando te vejo de manhã cedo
Passeando ali...

Por entre cruzes ziguezagueias
como se foras
negra abantesma, por noite feias,
aterradoras.

Ser desprezível, frio de pedra,
alma de pez,
ao bem estéril, onde só medra
a malvadez...

Mal, a finados, badala o sino,
Sorris, assim
Como se ouvisse tocar um hino
tará-tá-chim!

(...)

Impressionado, por toda parte
bem te lobrigo,
embora busque sempre evitar-te
como um perigo.

Em vão me escondo, mesmo que fuja
vejo-te, a ti,
coruja negra! Corta, coruja,
tirrri-tri-ri!*

Pronta a mortalha. Cessa o agoureiro
corte de azar...
Sinto-me exausto. Negro coveiro,
Podes cantar.

*exatamente com três erres seguidos a composta palavra.

Não seria uma nova ousadia na literatura brasileira ser irônico. No nosso passado colonial tivemos "somente" Gregório de Matos (1636-1695), talvez o mais zombador de nossos letras, e tivemos uma quebra do vulto considerado prostrado e tristonho do nosso Romantismo feito por Álvares de Azevedo (1831-1852), na sua segunda parte de "A Lira dos Vinte Anos" (1853).
Porém, o grande estigma que seguia o movimento Simbolista e que, como coloquei, não era de todo uma falácia, mas não era também um todo, movia as imagens de seriedade, de lugubridade já no primeiro pensar referido aos poetas da escola. Consequentemente, haveriam respostas bem-humoradas para os supostos mal-humorados, como vemos nestes poemas de Francisco Eugênio Brant Horta (1876-1959), que os publicou sob um de seus vários pseudônimos, no Jornal País:

CANÇÃO DA DESPEDIDA

(...)

E fiz Quadras Radiantes,
De versos bons e fortes,
Com Ânsias de Bacantes
Em trêmulas Coortes.

Que falam de Monjas de lívidas faces,
Do Azul, da Harmonia, de Morte e Mistério,
De Véus e Grinaldas de Sonhos fugaces,
De Círios, de Estrelas, de Aromas etéreos.

Mas um dia me vi tão perseguido
De Termos e de Rimas tão veementes,
E da Loucura ouvi tão perto o Ruído
Que mandei para o Diabo os Decadentes.

E, num soneto de ironia clara às temáticas de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, o parnasiano Brant Horta escreveu, de maneira agressiva:

POST ACCESSUM DEMENTIAE

(...)*

Missas! Viáticos! Báratros! Espasmos,
Cores de Sons fragrantes de Guitarras,
Esculturas de Músicas bizarras,
Soluço e Grito de éticos Marasmos.

Beethovens e terríficos Sarcasmos!
Esdrúxulos e Sonhos de Fanfarras!
Monjas brancas, Satãs de negras Garras,
Rimas e Embrulhos que nos trazem pasmos.

Maiúsculas em Penca! Mágoas! Dores!
Círios fúnebres, Morte e mais Horrores,
Confusão onde a Forma é que governa,

Tudo posto com Paciência e Jeito,
É quando basta para de um sujeito
Fazer um Poeta esplêndido, à Moderna!

*Foi retirado a longa epígrafe e que de nada acrescenta ao soneto.

De acordo com Andrade Muricy, o livro de Brant Horta, Lirae Carmen, mesmo com a relatada revolta do autor para com o movimento Simbolista em suas publicações em periódicos, fulge influência da poesia Cruziana, tendo esta feito, assim, mais um parnasiano ajoelhar-se aos Símbolos.

Poderia eu citar mais casos da ironia Simbolista e da Ironia ao Simbolismo, mas não é necessário, creio que já o ponto fiz. O movimento do culto à sugestão, não do bradar imediato, causou uma tormenta no cenário de nossos letras, mas não teve a recepção merecida tanto da alta cultura quanto da alta Sociedade (Cruz e Sousa é um exemplo de que os dois não necessariamente se cruzam), porque seus "inimigos das letras" (o movimento Parnasiano, do qual o Simbolismo derivou "a forma que governa") tinham o prestígio Político e Social.
Mesmo assim foi um incômodo muito grande naquela época, provado pelos poemas mostrados e pelos ataques feitos em jornais contra o estilo (talvez ainda mais no ataque anti-Simbolismo feito na escolha dos membros da ABL, no qual nenhum foi cogitado) - e talvez ainda seja um estilo que causa um rilhar dos dentes, principalmente quando são defendidas as voltas da erudição, da musicalidade e das tópicas pessimistas, passando pelo meio místico. O Simbolismo, aos risonhos, é um incômodo perpétuo.

Abraços, Cardoso Tardelli

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O Suposto Simbolista na Academia Brasileira de Letras

Poetas,
São tempos malditos
Os tempos em que vivemos...
Em vez de estrofes, há gritos
De desalentos supremos.
Medeiros e Albuquerque - Proclamação Decadente

Caríssimos leitores de o Sacrário das Plangências, não viso nesta postagem fazer um ataque incoerente a uma instituição como a Academia Brasileira de Letras, mas, com o passar dos argumentos, criticá-la pelas escolhas que fitam um cômodo posicionamento em nossa política em detrimento duma luta em favor da evolução de nossas Letras.

Como título deixa evidente, quero evidenciar o único provável Simbolista, ou que, ao menos num suspiro de sentimento, flertou com o movimento iniciado por Charles Baudelaire (1821-1867) que tem uma cadeira na instituição Academia Brasileira de Letras, que, por sua vez, não representa um real laurel aos grandes escritores de nossa nação, pois se o fizesse, Cruz e Sousa (1861-1898) e Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), únicos Simbolistas de fato reconhecidos, não seriam excluídos de tal instituição. Não desdenharei Medeiros e Albuquerque (1867-1934), o autor no tópico em questão, tão menos o colocarei num altar dos deuses da poesia, mesmo que tenha ele tido produções de reconhecimento dignos de eternidade.

(Na foto: J. de C. da Costa de Medeiros e Albuquerque)

Medeiros e Albuquerque teve, queiram os desdenhadores da ABL ou não, uma função essencial na divulgação da poesia Decadentista. Segundo Andrade Muricy, em seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, "Os livros 'decadentes' franceses entraram no Brasil trazidos de Paris por encomenda de Medeiros e Albuquerque, que os passou para Araripe Júnior (...)". Lembremos, sempre e duma maneira incessante, que Araripe Júnior (1848-1911) foi um dos críticos mais vorazes de Cruz e Sousa, mesmo que nele visse alguma poesia para além "dos batuques africanos" e da sensação de "maravilhamento" que Cruz e Sousa, o representante maior da poesia Simbolista de nosso país, sentia a ver a "civilização carioca" num falaz comparar de seus ascendentes africanos, colocando o altivo Cruz e Sousa como um primitivo.

Da leitura dos livros decadentistas parisienses, Medeiros e Albuquerque somente conseguiu florir uma obra com claro feitio Baudelariano, Canções de Decadência, lançado em 1889, do qual um poema transcrevo aqui:

A TEMPESTADE

A Guimarães Passos

Andam por certo na floresta escura
Sátiros ébrios sacudindo os troncos...
Há pavorosos e terríveis roncos
Na goela estéril da montanha dura...

Chove... Desaba catadupas brutas
No dorso negro e funeral da terra...
Chispas rebrilham de medonhas lutas
De mil titãs em temerosa guerra...

A luz estende pelo ar funéreas
Mortalhas brancas de esmaiada tinta;
Dos astros louros e gentis - extinta,
Não brilha a chama nas soidões etéreas.

O mar... o mar alucinado, doudo,
Urra, empolando os vagalhões irados,
Que sobre a praia arremessa a rodo,
Com lastimosos, com plangentes brados.

E há quem agora a tiritar, medroso,
Trema e, de prantos rorejando a prece,
A deus implore que a bonança apresse,
Que se desfaça o temporal iroso!

Oh! não!... Há sempre sob o firmamento
Muito rugido! Muita dor profunda!
Ninguém abafa o perenal lamento
Que em vão de prantos a miséria inunda!

Tu, pois, Tormenta - pra que enfim acabe
Da Dor o negro pesadelo infando -
Vê se, em teus braços colossais a alçando,
Fazes que a Terra com fragor desabe!

Vê se do Nada à solidão sombria
Arrojas tudo com furor insano!
Só mesmo então nessa amplidão vazia
Se há de apagar o sofrimento humano...


Esse poema evidencia tonalidades Simbolistas, muito propriamente pós-românticas. Inegavelmente, foi de importância única toda a obra Canções de Decadência para a divulgação da obra Simbolista entre os que evidenciavam uma postura de enfado com o mero descritivismo feito e cultuado por muitos Parnasianos, mesmo que este movimento não se limitasse a isso. Mas Medeiros e Albuquerque nunca foi, com a exceção ao livro citado, um Simbolista qual Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, para citar os mais célebres.
Medeiros e Albuquerque, inclusive, ficou desconte com sua abordagem Simbolista e recebeu hostilmente as obras dos Simbolistas Brasileiros, tendo assinado numerosos artigos com o pseudônimo de "J. dos Santos".
Albuquerque, o único simbolista com medalha na ABL, tem claro arrependimento de ter um livro com essa tendência, fugindo das temáticas "decadistas" nos posteriores livros. Esse fato tem a ver com a sua escolha para a cadeira nessa instituição? Não podemos esquecer que a Academia Brasileira de Letras foi feita como um alicerce cultural ao regime vidente na época - no caso, a capenga República -, nunca sendo uma base de conhecimento para o povo interessado em ser maior em seu Ser.

O Simbolismo, em muitos casos, não tocava, em sua poética, nos temas Políticos, mesmo porque agir de tal forma era ir de encontro com os princípios da "Torre de Marfim", que é um lugar onde o poeta isola-se castamente-, visualizando os seus Amores acima de si e o tropel de espectros mundanos, ou de Sonhos inalcançáveis, abaixo dessa torre; talvez Ismália, de Alphonsus de Guimaraens, seja um dos casos mais interessantes, num misto de medievalismo e de neo-romantismo. Emiliano Perneta (1866-1921), contrariando a ideia de que os Simbolistas, como cidadãos, cegavam-se às questões públicas, chegou a defender a República no Paraná exatamente no momento em que ela era proclamada no Rio de Janeiro, em 1889, sem o conhecimento natural do eloquente poeta. República, inclusive, que teve o seu Hino composto pelo Medeiros e Albuquerque que está sendo discutido neste tópico.

Inegavelmente, Medeiros e Albuquerque teve uma função inefável à poesia Simbolista brasileira: ora, sem ele, quem saberia supor em qual momento as obras francesas, partindo de Baudelaire, Mallarmé (1842-1898) até Stefan George (1868-1933), chegariam até nós? Não obstante, com a sua recusa de a sua própria semente intelectual plantada no Brasil, qual é a legitimidade de sua convocação ao posto de Eterno por meio da Academia Brasileira de Letras? Soa como um abandono de Machado de Assis (1839-1908) de seu passado romântico, com as devidas proporções, do qual teve um profundamento de sua cultura e temáticas - algo que o escritor fluminense nunca o fez - até chegar ao Realista que é considerado gênio em praticamente todo o mundo.

Ou seja, por mais que haja na ABL um poeta com um livro de temáticas Simbolistas, não há um poeta Simbolista no sentido próprio da vivência poética, pois muitos poetas transfiguravam a poesia como o seu coração terreno, e que, por incrível que pareça, foi moldado em versos em certo arquétipo feito por Medeiros e Albuquerque na Proclamação Decadente, citado no início da postagem, no qual rutila influência da musicalidade de Verlaine (1844-1896) e sua "Arte Poética":

(...)

Que importa a Ideia, contanto
Que vibre a Forma sonora,
Se a Harmonia do canto
Vaga alusão se evapora?

Poetas, eu sei,
Eu sei que, sorrindo,
Zombam de nós os descrentes.
- Deixai! Ao pé desse infindo
Ruir de Ilusões ardentes,

Nós, entre os cantos sagrados,
Que só tu, Poesia! animas,
Passaremos embuçados
Em áureos mantos de rimas!


Diante das atuais escolhas da Academia Brasileira de Letras, há só lamentações para os que amam a poesia Simbolista e lamentam o seu esquecimento na ABL e, por certa consequência, na sociedade letrada. O único lembramento dos "eternos" da Academia de Brasileira Letras ao amplo movimento Simbolista foi declamado por Félix Pacheco (1879-1935), sendo este considerado por Andrade Muricy, qual Manuel Bandeira (1886-1968) - em sua fase inicial - e Cecília Meireles (1901-1964), um Pós-Simbolista. O fato ocorreu em seu Discurso de Recepção, colocado que ele foi escolhido como um membro da ABL, em 14 de Agosto 1913, e foi bem recebido pelos acadêmicos no ato, mas nunca em atos de consagração dos Simbolistas a quem destinava sua defesa. Ou seja, a relembrança dos nomes do Simbolismo ainda depende, única e exclusivamente, do esforço de seus leitores, que poucos são devido à predominância do preconceito sobre a Escola Simbolista, muitas vezes derivadas das leituras malfadadas dos críticos e inimigos primeiros, como notou Andrade Muricy (1895-1984), a quem só coloco as datas de nascimento e morte nesta parte da postagem por um motivo: se há alguém que fez um esforço etereal para do Simbolismo fazer eterno, foi este crítico premiado pela ABL com o prêmio Machado de Assis (ou seja, pelo conjunto da obra) em 1974, mas nunca sendo um terrenalmente-eterno como outros críticos muito inferiores a ele.

Abraços, Cardoso Tardelli

"A Moreninha" e a Subscrição: As Auroras do Mercado Editorial Brasileiro

Caros leitores de O Sacrário das Plangências, esta postagem visa findar algumas dúvidas que algumas pessoas talvez tenham em relação ao que podemos nos referir, de uma maneira vaga, de o "Início do Mercado Editorial Brasileiro", mesmo porque seria errado datar tal questão.

O fervor intelectual em que o Brasil vivia nas primeiras décadas do Séc.XIX não encontrava alicerces editoriais próprios, tendo a sua maioria de fontes culturais vindas da Europa. De quando em quando, apareciam livros mal impressos no Rio de Janeiro, sendo toda edição, independentemente da tiragem, custeada pelo autor. O país tinha na figura de Dom Pedro II um grande incentivador da cultura, mas somente sua imponência não bastava para um fulgor maior de nossa auto-suficiência editorial (como exemplo da figura, talvez de influência na divulgação caso a obra fosse do gosto de Pedro II, haviam casos de pequenas tiragens de livros que eram destinados a pessoas queridas do autor e ao Imperador, que, visto atualmente, pode ser considerado um afortunado por ter tido contato com grandes autores e suas obras no nascer-do-sol de suas glórias literárias).

Para se ter uma noção, em Recife, a segunda maior cidade do Brasil naquela época, pelo ano de 1820 não havia sequer uma livraria. Já em meados dessa mesma década no Rio de Janeiro, já havia treze livrarias, se podemos assim chamá-las, pois vendiam diversos itens, desde Missais, livros Políticos até itens totalmente alheios à cultura. Ou seja, o conceito de Livraria como temos hoje não existia mesmo com o crescente interesse por livros e cultura vindo dos estudantes, indo de encontro, consequentemente, com o afã Romântico da época. Não podemos nos esquecer que tendo um número maior de Livrarias e leitores, haverá, por consequência, um número maior de Editoras interessadas em publicar autores nacionais e, também, traduções de internacionais autores, pois tudo estará apontando para um panorama de aumento de interesse pela leitura.

(Foto: F. de Paula Brito)

Um dos grandes responsáveis para uma mudança nesse panorama foi Francisco de Paula Brito (1809-1861). Um "livreiro-editor", como eram chamados, de certa forma pomposa, as pessoas que exerciam essas funções conjuntamente, teve umas das primeiras livrarias dedicadas somente ao ofício de vender livros, estabelecimentos que, por mais necessários fossem para abrandar o afã dos estudantes cariocas por cultura, quase não existiam. Além do mais, em sua livraria havia uma grande reunião dos intelectuais da época, de Machado de Assis (1839-1908) até Casimiro de Abreu (1839-1860), chegando a formar uma sociedade de fato, chamada de Sociedade Petalógica (peta é uma pequena mentira), sendo esta de extrema curiosidade por tratar de temas falazes, como o nome sugere, até de novidades do teatro e da política. (Ubiratan Machado - A Vida Literária no Brasil Durante o Romantismo. Tinta Negra; Rio de Janeiro, 2010).

Paula Brito, como assinava, representou ao mercado editorial, tal qual no mercado livreiro, uma figura de revolução. Como já dito, raríssimas eram as oportunidades de um autor para o lançamento de um livro. Paula Brito mudou esse panorama com um método que se não excluía todas as despesas do autor para com a edição de seu livro, abrandava-as muito (em grande parte dos casos, pois em insucessos editoriais o regime de Subscrição podia jogar o autor à falência e ao esquecimento).
Mas em que, afinal, constituía-se uma Subscrição de um lançamento? Confiava o editor na relativa fama do autor obtida em publicações feitas em folhetins, aceitando os originais sem o pagamento por dinheiro pela publicação no ato. Logo o editor fazia uma lista para que os interessados em comprar aquele livro pagassem adiantado a quantia referente ao custo de uma obra - e dependendo da quantidade de subscrições obtidas, o autor não necessitava financiar sua publicação e o editor tinha lucro antes mesmo da publicação. Esse tipo de prática, então, tornaria-se uma praxe no mercado editorial do Século XIX.

O grande empecilho dessa prática era o custo de algumas obras, além da falta de critério para a obtenção dos preços. Para ter-se o exemplo, As Primaveras (1858), de Casimiro de Abreu, foi lançado por 4$ e, ao mesmo tempo, O Guarani (1857), de José de Alencar (1829-1877) era vendido por 4$000 (quatro mil réis). Tendo uma pequena noção do quanto pesava um livro no bolso de uma família média, usando como fonte o já citado A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo, "o Colégio Vitório, melhor estabelecimento de ensino particular da Corte, cobrava uma mensalidade de 18$ por aluno do primário, em regime de meia pensão (...)".

Como, então, diante de uma sociedade praticamente assolada pelo analfabetismo e pelo desinteresse dos letrados, seja o desdém à literatura ocasionado pelos preços ou não, a efervescência cultural que brotava das livrarias e universidades chegaria a uma vendagem boa?

(Foto: J.M. de Macedo)

Eis que fitamos o livro de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), o célebre A Moreninha, lançado em 1844. Soará estranho a alguns comentar de um livro lançado anos antes dos citados livros de Casimiro de Abreu e de José de Alencar, mas as consequências do livro de Macedo refulgiriam por todo o século, até a chegada do Parnasianismo, quando sua reputação foi desdenhada e toda a sua importância negada.

Para o contexto contemporâneo, o dado de que os livros de Poesia eram mais mais vendidos no Séc.XIX, dentro do que podemos chamar de "mais vendidos", pode causar certo espanto. O primeiro livro de poemas de Machado de Assis, Crisálidas, lançado em 1868, vendeu cerca de 900 exemplares em uma tiragem de 1000, em um ano, o que representava um sucesso de vendas. Para se ter uma noção de como A Moreninha foi um fenômeno de vendas, os 1000 exemplares tradicionais de tiragem para um livro que julgava-se promissor esgotaram-se rapidamente, obrigando editores a consequentes cinco edições em vinte anos, sendo cada uma com tiragens diferentes.
A grande curiosidade é que Macedo mandou seus escravos venderem seus livros na cidade, indo de porta à porta, numa conjunção de temática popular, encontrada no livro, e de evidente esperteza comercial, diante da escassez de livrarias na plaga carioca. Nas posteriores edições do livro de Macedo, o sistema de Subscrição foi usado com empolgação - e abuso de preços - pelos editores. Tal "ação comercial", indo de "porta à porta" com seu produto-cultural, seria repetida por José de Alencar em alguns de seus livros, que também eram muito bem vendidos.

O fato é que A Moreninha foi o primeiro livro de maior qualidade, mesmo que muitos a neguem, a atingir um público maior e, por consequência, atingindo leitores para além do restrito público acadêmico da época. A Academia, porém, não deixaria barato o sucesso comercial da obra de Macedo e a difamaria por meio de jornais, "acusando-a" de ser "uma das publicações mais fáceis de nosso romantismo". Mas o que os Acadêmicos que criticavam a popularidade de A Moreninha não perceberam é que sua publicação obrigou os editores a realizarem reformas na postura em relação à tipografia, que era de baixíssimo nível, fazendo que os textos chegassem aos leitores de maneira medonhamente deturpada quando comparados aos originais.

Tendo o Brasil, naquele momento, livros que eram, inclusive, exportados para Portugal, era inaceitável para editores como Baptiste Luis Garnier (1823-1893), francês que, tal qual Paula Brito, era um "livreiro-editor" e que tinha lembramentos das quase perfeitas tipografias que eram executadas na França. Por consequência, mandava editar algumas obras que publicava na capital francesa e, por lá, manteve um revisor tipográfico brasileiro em Paris para evitar problemas maiores. Faço como ponto de curiosidade que Garnier foi o primeiro editor a pagar 10% sobre o preço-de-capa ao autor, sendo, então, o primeiro editor que, de fato, pagou direitos-autorais a um escritor no Brasil. Lembrando que preço-de-capa é derivado da negociação da editora com a livraria, que, por sua parte, aumentará o preço, na sua venda ao leitor, para a consequente obtenção de lucro.

O Brasil, então, teve nas imagens dos "editores-livreiros" e de seu próprio imperador, além do incentivo movido a queixumes dos autores, certa Aurora do Mercado Editorial Brasileiro, além do início das próprias livrarias do modo como a conhecemos. Temos de ter a consciência de que esse processo foi extremamente lento, com certas falhas, como, por exemplo, a exclusão de obras-primas como Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida (1831-1861), lançado em 1852 e extremamente impopular na época, para alçar à glória livros que seriam vendidos em pequenas bancas e que, na mesma proporção de suas vendas abundantes, seriam esquecidos pelo público ansioso pela leve-cultura, de rasa profundidade. Com a exclusão de grandes gênios, autores hoje eternos - sejam eles eternizados na medalha da Academia Brasileira de Letras ou não -, eis o início da efervescência dos acertos e falhas de nosso contemporâneo contexto brasileiro de aceitação e aclamação dos nossos autores, que, há 160 anos, provavam que não somente o que vinha de Paris tinha qualidade recomendada às mentes aptas a perscrutações.

Abraços, Cardoso Tardelli

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A Poesia Religiosa de Alphonsus de Guimaraens

Ninguém anda com Deus mais do que eu ando,
Ninguém segue os seus passos como eu sigo.
Alphonsus de Guimaraens


Estimados leitores de o Sacrário das Plangências, faço aqui uma das postagens de maior importância para o entendimento não somente da poética Alphonsina, mas da poesia Simbolista como um todo.
Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), simbolista que, ao lado de Cruz e Sousa (1861-1898), figura na literatura de relembranças de nossa cultura. Mas foi Guimaraens, mesmo tendo uma influência da poesia cruziana imensa, um poeta singelo, de características únicas e um dos Simbolistas em cuja obra mais se vê a influência de poemas dos Românticos brasileiros.
Tematicamente, Guimaraens foi um místico - talvez o maior de nosso Simbolismo. E na mística, que, às vezes, entrava na bruma do misticismo, encontra-se a sua temática religiosa, estritamente católica, sendo esta de importância relevante à sua obra.
(Foto: Alphonsus de Guimaraens)

Escreveu o poeta nascido em Ouro Preto um livro dedicado, tão somente, a Nossa-Senhora, chamado de Setenário das Dores de Nossa-Senhora (1899), cuja estrutura se assemelha a de uma missa, tendo uma Antífona no início e uma Epífona no fim, além de ser dividido em "Sete Dores", contendo, cada parte, sete sonetos. É de tocante crença toda a obra e de estro do mais alto nível.

Mesmo tendo a qualidade que contém, foi o livro estranhamente criticado por José Veríssimo (1857-1916) na ocasião de seu lançamento (estranho no sentido de argumentos e da inverossímil e aparente teimosia do crítico para com o Simbolismo), como veremos numa análise posterior. Transcrevo agora dois sonetos do "Setenário":



PRIMEIRA DOR

VII

Em teu louvor, Senhora, estes meus versos,
E a minha Alma aos teus pés para cantar-te.
E os meus olhos mortais, em dor imersos,
Para seguir-te o vulto em toda a parte.

Tu que habitas os brancos universos,
Envolve-me de luz para adorar-te,
Pois evitando os corações perversos
Todo o meu ser para o teu seio parte.

Que é necessário para que eu resuma
As Sete Dores dos teus olhos calmos?
Fé, Esperança, Caridade, em suma.

Que chegue em breve o passo derradeiro:
Oh! dá-me para o corpo os Sete Palmos,
Para a Alma, que não morre, o Céu inteiro!

QUINTA DOR

II

E tu, Senhora, cujo olhar tranquilo
De nuvens brancas a minha Alma veste,
Olhar sublime que foi tudo aquilo
Que no Céu encontrei de mais celeste:

Tu, ermida sagrada onde me exilo,
Longe da fome, e sede, e guerra, e peste,
A mostrar-me no Céu, para segui-lo,
Todo o luar da esperança que me deste:

Mãe dolorosa! num momento incerto
Virás abrir-me os rútilos sacrários
Da tua Alma que está de Deus tão perto...

Virás, talvez, e então, por certo, as minhas
Mãos de sombra debulharão rosários
Para a maior de todas as Rainhas...


A presença de Nossa-Senhora na poesia de Alphonsus de Guimaraens foi constante. Em seu cronologicamente primeiro livro, Kiriale, curiosamente lançado em 1902 (ou seja, três anos depois de Setenário das Dores de Nossa-Senhora), já fulgia na estrofe final no primeiro poema, "Initium", a seguinte imagem que o marcaria por toda a obra:

(...)
E os pesadelos fogem agora...
Talvez me escute quem se levanta:
É a lua... e a lua é Nossa-Senhora,
São dela aquelas cores de Santa!

O estro de Alphonsus de Guimaraens foi, durante muito tempo, confundido com algo parecido a uma versão brasileira de Verlaine (1844-1896). Mesmo tendo evidente influência do poeta francês - chegando a traduzir algumas de suas obras, como "Canção do Outono" -, a poesia de Guimaraens não chegava ao tratamento de palavras quase parnasiano feito por Verlaine, mesmo que hajam sonetos do poeta mineiro estéticamente irretocáveis. Diante da perspectiva de uma "poética confundida" durante muito tempo, vamos a uma pequena análise da crítica primeira de José Veríssimo à poesia Alphonsina.

Na segunda série de seis estudos literários (lançada em 1899), José Veríssimo, o então mais apreciado crítico da época, ao lado de Araripe Júnior, faz as seguintes observações sobre o Setenário das Dores de Nossa-Senhora, do "Sr. Alphonsus de Guimaraens":
"Da tendência intelectual de que ele (o Simbolismo) saiu, esgalhou um grande ramo místico, de um misticismo católico. No misticismo deste fim-de-século positivo há quem veja menos um fenômeno de decadência social ou moral, que uma postura, uma afetação de originalidade, uma forma particular de esnobismo". Crê que o movimento passará rápido, soando uma frase irrisoriamente balsâmica aos Naturalistas, grupo que tinha os maiores afagos de Veríssimo: "Passará breve, estejamos certos". Em todo texto, o crítico faz elogio ao estro de Alphonsus, dizendo que há versos que chegam a ser excelentes, mas que, não obstante, sendo seu "espírito de todo liberto do teu logismo, como diria um positivista", talvez não se encontrasse "nas condições de apreciar esse gênero de poesia". Recomenda ao então jovem Alphonsus se desvincilhar do Simbolismo para não ser mais um estro perdido em nossa poesia.

Na verdade, foi uma crítica, perto da bradada por Veríssimo em relação ao "Broquéis" de Cruz e Sousa, em 1893, de um mau gosto brando, ainda mais vinda de "um inimigo do Símbolo", como o crítico Agripino Griego (1888-1973) considerava José Veríssimo.
A poesia de Alphonsus de Guimaraens, poeta que vivia então na erma Mariana, tinha sido considerada um mero estro estético-místico durante uma era de ideias "positivistas" e deterministas, com as quais já muito havia sofrido Cruz e Sousa. No plano plano popular, tal qual todo o Simbolismo, Guimaraens foi esquecido durante anos até sua obra ser resgatada, mas no plano do movimento, seu culto marial teve representações em vários poetas de grande porte, como em Durval de Moraes (1882-1948):

NOSSA SENHORA DA RENÚNCIA...

Nossa Senhora da Renúncia...
Soba noite estrelada, à meia-noite,
Uma cabeça resplendente de ouro.
Olhos semicerrados...
Lábios semicerrados...
Os cabelos como raios
Iluminando o espaço constelado.
A fronte curva,
Onda luminosa
Pairando no ar.
E o resplendor
Do Amor
Cercando esta cabeça indescritível!

Mesmo tendo esse poema uma linguagem muito mais fácil do que a usada por Alphonsus de Guimaraens, a influência do "solitário de Mariana" é evidente. Em si, a mística religiosa do Simbolismo deve muito ao Romantismo, cujo culto às "Ave-Marias" era constante em quase todo poeta do estilo, mas não se trata de plágio das fontes, principalmente porque, na maioria dos casos referentes ao Simbolismo e ao Pós-Simbolismo, a fé era exprimida de uma maneira poética e também por meio da vivência.

Voltando à poética Alphonsina, vamos ao poema escrito na véspera de sua morte, publicado em Pulvis (1938), tendo-o como um dado de fé, de Sonho e de fidelidade ao afã que, durante a vida, sempre o acompanhou:

ÚLTIMOS VERSOS

Na tristeza do céu, na tristeza do mar,
eu vi a lua cintilar.
Como seguia tranquilamente
por entre nuvens divinais!
Seguia tranquilamente
como se fora a minh'Alma,
silente,
calma,
cheia de ais.
A abóboda celeste,
que se reveste
de astros tão belos,
era um país repleto de castelos.
E a alva lua, formosa castelã,
Seguia
envolva num sudário alvíssimo de lã,
como se fosse
a mais que pura Virgem Maria...
Lua serena, tão suave e doce,
do meu eterno cismar,
anda dentro de ti a mágoa imensa
do meu olhar!
Vaga dentro de ti a minha crença,
ai! toda a minha fé,
como as nuvens de incenso que vagueiam
por entre as aras de uma Sé...
Como as nuvens de incenso que coleiam
e fogem rapidamente
até o teto das catedrais,
dentro de ti, numa espiral silente,
vão gemendo os meus ais.
Mais uma vez a mágoa imensa
do teu clarão,
veio, tremendo na onda clara e densa,
até meu coração.
E pude ver-te, contemplar-te pude,
como a imagem da virtude
e da pureza,
cheia de luz,
como Santa Teresa
de Jesus!

O poeta volta-se à sua amada morta de nome Constança, finada aos 18 anos por consequência duma tuberculose, numa alusão já feita várias vezes por ele, chamado-a de "Santa Teresa de Jesus". Volta-se à Lua, ao Mar e a Virgem Maria. Lendo esse musical canto derradeiro, nenhuma conclusão a mais teríamos a não ser de que a poesia de Alphonsus de Guimaraens é uma poesia de meditação, cuja ermida de infinita fé tinha portas abertas ao movimento Simbolista e aos leitores de alma ampla.

Abraços, Cardoso Tardelli

quinta-feira, 16 de junho de 2011

"A Lira dos Vinte Anos", de Álvares de Azevedo - Uma Leitura Pessoal


Caros leitores de O Sacrário das Plangências, cá está uma postagem que, provavelmente, levar-nos-á à uma conclusão teoricamente evidente sobre uma obra das mais célebres de nossa literatura - por mais que tenha a oposição por desconhecimento de muitas pessoas.

Não me aprofundarei na "história da obra", somente falarei o que nesse momento é importante. Depois da frustrada tentativa de lançar, conjuntamente com Aureliano Lessa (1828-1861) e Bernardo Guimarães (1825-1884), seus colegas da Academia de Direito do Largo de São Francisco, um livro intitulado As Três Liras, Álvares de Azevedo (1831-1852) planejou, com os poemas que tinha em mãos, a Lira dos Vinte Anos, dividida, já tinha na ocasião de seu lançamento, nas três partes que serão aqui trabalhadas. Mas sabemos que alguns cantos foram adicionados à obra e ao contexto de cada parte, além do prefácio do livro completo, que foi omitido na primeira edição.

Álvares de Azevedo, na visualização pessoal de sua obra, fez a divisão citada, tendo como consequência um resumo da Lira em temáticas supostas: platônica/irônica/platônica. Nomeando-as Azevedo de Ariel e Caliban (sendo Ariel a primeira e terceira partes e Caliban a segunda), numa influência clara de A Tempestade, de Shakespeare, Álvares de Azevedo deixava a interpretação do leitor tendenciada a essa divisão citada.

(Foto: Álvares de Azevedo com 17 anos)

Se procurarmos informações em livros didáticos ou em sites sobre a Lira de Azevedo, veríamos que essa divisão seria, no geral, reforçada por alguns detalhes e poemas, inclusive, em muitas vezes, classificando Azevedo como um escritor gótico por citar, vez ou outra, cemitérios em sua poesia, tal qual muitos poetas já o fizeram. Mas será que o representante maior de toda uma geração de escritores, idolatrado pelos poetas da época mais respeitados atualmente, como é o caso de Castro Alves (1847-1871), não tem algo para além do feitio mórbido que lhe dão?
Das três partes, pegarei trechos de poemas que, talvez, sejam citados em tais questões, mas que reforçam muito a divisória feita por Azevedo:




PARTE I

V

Quando falo contigo, no meu peito
Esquece-me esta dor que me consome:
Talvez corre o prazer nas fibras d'alma
E ouso ainda murmurar teu nome!

Que existência, mulher! se tu souberas
A dor de coração do teu amante,
E os ais que pela noite, no silêncio,
Arquejam no seu peito delirante!

E quando sofre e padeceu, e a febre
Como seus lábios desbotou na vida,
E sua alma cansou na dor convulsa
E adormeceu na cinza consumida!

Talvez terias dó da mágoa insana
Que minh'alma votou ao desalento,
E consentiria a virgem dos amores
Descansar-me no seio um só momento!

Sou um doudo talvez de assim amar-te,
De murchar minha vida no delírio...
Se nos sonhos de amor nunca tremeste
Sonhando meu amor e meu martírio!

(...)

PARTE II

Um Cadáver de Poeta

(...)

E quem era Camões? Por ter perdido
Um olho na batalha e ser valente,
As esmolas valeu. Mas quanto ao resto,
Por fazer umas trovas de vadio,
Deveriam lhe dar, além da glória
- E essa deram-lhe à farta - algum bispado,
Alguma dessas gordas sinecuras
Que se davam a idiotas fidalguias?

Sinecura: Emprego no qual não é preciso praticamente se trabalhar.

PARTE III

Por Mim?

Teus negros olhos uma vez fitando
Senti que luz mais branda os acendia,
Pálida de langor, eu vi-te olhando -
Mulher do meu amor, meu serafim,
Esse amor que em teus olhos refletia...
Talvez! - era por mim?

(...)

Julguei necessário colocar uma parte do longo poema V, de uma série amplamente platônica da primeira parte da obra, pois as imagens clássicas ao platonismo e à agonia do sujeito-lírico são dadas pouco a pouco - na verdade, até mesmo nas epígrafes de Dante, Gautier e Almeida Freitas, as quais preferi não colocar para não ocupar um espaço desnecessário. Ou seja, o poema, em suas imagens, representa um "cântico de resignação", confirmadas nas estrofes derradeiras com os versos:

Adeus, anjo de amor! tu não mentiste!
Foi minha essa ilusão, e o sonho ardente:
Sinto que morrerei... tu, dorme e sonha
No amor dos anjos, pálida inocente!
(...)

O grande ponto a se colocar é que a tão louvada percepção de morte, uma das coisas que mais aprendemos sobre Álvares de Azevedo em Escolas, é evidente como não poderia deixar de ser. Sempre teve ele uma saúde frágil - evidenciada logo depois da perda da irmã, quando Maneco tinha três anos, causando-lhe uma grave doença. Além das mortes de alguns de seus companheiros de faculdade (como João Batista da Silva Pereira Júnior, para o qual Azevedo dedicou um poema como epígrafe), fizeram que a morte sempre estivesse presente, não somente na obra, mas perambulando em sua vida como um vulto incansável.

A moda Byroniana nas obras da época era evidente, mas limitá-la a toda obra de Álvares de Azevedo soa como uma teimosa tese de "plagiador brasileiro" (até mesmo Péricles Eugênio da Silva Ramos escreveu que na segunda parte do livro é a parte em que as evidências de "cópia" ficam mais claras, principalmente na comédia Boêmios, cuja semelhança a uma obra de Byron fulge). Teimam em mostrar o pequeno trecho de uma carta José de Alencar, na qual o autor de "O Guarani" diz que "não havia um moço que não quisesse parecer com Byron naquele momento". Repito: a influência de Byron, tal qual a de Victor Hugo, Musset, Goethe, Shelley, enfim, do movimento Romântico europeu, além da Poesia Clássica, era obrigatória aos poetas de bom nível. Keats, Romântico inglês da segunda geração, inclinava-se mais para a cultura clássica do que para as influências contemporâneas de seu tempo, sendo uma influência aos nossos Românticos de extrema serventia.
Diante disso, volto-me aos versos citados da parte segunda da obra.

Pouco se comenta do Álvares de Azevedo irônico, de uma mórbida genialidade com o riso desgostoso (como em certos contos de Noite na Taverna podemos atestar). Mas, acima de tudo, Maneco era um questionador. Digo-o pois em vários pontos da segunda parte há divagações versadas, muitas com a tópica do tratamento que se devia dar à poesia, ao dinheiro, aos membros da igreja e aos Poetas - estes, aliás, nas ironias teatrais de Azevedo, tinham o tratamento de um ser que nasceu para ser esquecido.

Nesses versos, além da já citada Cultura Clássica, atesta-se o que disse:

E quem era Camões? Por ter perdido
Um olho na batalha e ser valente,
As esmolas valeu.
(...)

Soa, inclusive, curioso o fato de Álvares de Azevedo dar tamanha importância ao dinheiro, tendo um canto ambíguo em homenagem, sendo um elogio crítico:

DINHEIRO

(...)*

Sem ele não há cova - quem enterra
Assim grátis - a deo? - O batizado
Também custa dinheiro. Quem namora
Sem pagar as pratinhas ao Mercúrio?
Demais, as Danais também o adoram.
Quem imprime seus versos, quem passeia,
Quem sobe a Deputado, até Ministro,
Quem é mesmo Eleitor, embora sábio,
Embora gênio, talentosa fronte,
Alma Romana, se não tem dinheiro?
Fora a canalha de vazios bolsos!
O mundo é para todos... Certamente,
Assim o disse Deus - mas esse texto
Explica-se melhor e doutro modo.
Houve um erro de imprensa no Evangelho:
O mundo é um festim - concordo nisso,
Mas não entra ninguém sem ter as louras.

*Foi retirada a longa epígrafe, em francês, de Chateaubriand.

Que fique como curiosidade que outro poeta da chamada segunda geração do Romantismo Brasileiro também expunha críticas sociais: Casimiro de Abreu (1839-1860), que em muitas vezes tinha um tom crítico à sociedade que se formava na época, sendo que Mário Alves de Oliveira, organizador da edição de das suas Obras Completas mais recente, chegou a cogitar que, se Casimiro vivesse nos atuais dias, seria, provavelmente, um poeta engajado socialmente.

Ainda sobre a questão financeira que é tratada por Álvares de Azevedo, em cartas para a sua mãe, sempre o poeta sentia-se incomodado com o alto custo de vida que se tinha numa cidade que pouco tinha a lhe oferecer, mas que estava num movimento de aumento de custo por consequência da vinda de alunos para a Academia de Direito do Largo de São Francisco, atual Faculdade de Direito da USP. Então as dificuldades financeiras e sociais de Azevedo, que nunca demonstrou grande deleite de estar no pequeno, mas agitado meio acadêmico paulistano, eram transcritas por meio de queixosas cartas e por meio de seus poemas. (Arcadas: Largo de São Francisco - História da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ana Luíza Martins e Heloísa Barbuy. Melhoramentos, São Paulo. 1999). Não obstante, Álvares de Azevedo, segundo Ubiratan Machado - em seu A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo -, provavelmente tinha ligações com a Maçonaria (assim como vários outros poetas), pendendo também à um lado de certo "fraternalismo-de-capital", como é típico dessa Instituição.

Passando para a última parte do livro, devo adiantar que, mesmo tendo as partes primeira e terceira o "mesmo nome", tratá-las igualmente pode nos levar a um caminho de falácia literária, porque na última ainda há o que se tratar numa essencial diferenciação.
Talvez, creio, uma das coisas que mais tenham chamado a atenção é a "Fixação na Imagem dos Olhos", que é uma imagem tipicamente utilizada em tópicas relativas à sedução, lascividade, como a literatura provaria na poética de Cruz e Sousa, Alphunsus de Guimaraens e, num geral, de todo Simbolismo (olhos como a vaga imagem de um todo). Se na primeira parte do livro a imagem das mãos, símbolo também de sensualidade, era amplamente utilizado, na derradeira parte o uso dos olhos era utilizado de várias maneiras. Desde uma redenção, até numa esperança (que não se concretizaria no final do poema), como vemos aqui:

Teus negros olhos uma vez fitando
Senti que luz mais branda os acendia,
(...)

Mas, em um dos Sonetos mais célebres dele, o ponto da "Fixação na Imagem dos Olhos" e o tratamento que é dado para a palavra "Olhos" durante o poema, sendo ele repetido algumas vezes na estrutura de tercetos (algo que seria condenado na poética Simbolista), dá-nos uma impressão de quão foi ousado e, ao mesmo tempo, bem-sucedido o soneto a seguir:

SONETO

Já da morte o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito embalde no macio encosto
Tento o sono reter!... já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.

Dá-me esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!

No caso desse poema, que já continha o enjambement que seria típico dos Parnasianos e Simbolistas no verso primeiro do segundo quarteto, além do já citado uso repetido da mesma palavra em plural ("Olhos"), o que fez com que o soneto ganhasse uma musicalidade majestosa, vemos um Álvares de Azevedo sendo estéticamente ousado. E são poemas assim que, aliás, ficaram de fonte para o Simbolismo, movimento que é considerado pós-romântico.

E ainda no ponto do Álvares de Azevedo ousado e inovador, mas voltando à segunda parte do livro, mostro-lhes um poema que é certamente conhecido por alguns, o Ideias Íntimas, mostra uma abundante descrição do quarto em que vivia Maneco, algo totalmente novo na poesia brasileira:

IDEIAS ÍNTIMAS

(...)

XI

Junto do leito meus poetas dormem
- O Dante, a Bíblia, Shakespeare e Byron -
Na mesa confundidos. Junto deles
Meu velho candeeiro se espreguiça
E parece pedir formatura.
(...)
XIII

(...)

Vem, fogoso Cognac! É só contigo
Que sinto-me viver. Inda palpito,
Quando os eflúvios dessas gotas áureas
Filtram no sangue meu correndo a vida,
Vibram-me os nervos e as artérias queimam,
Os meus olhos ardentes se escurecem
E no cérebro passam delirosos
Assomos de poesia... Dentre a sombra
Vejo num leito d'oiro a imagem dela
Palpitante, que dorme e que suspira,
Que seus braços me estende...
Eu me esquecia:
Faz-se a noite; traz fogo e dous charutos
E na mesa do estudo acende a lâmpada...

No trecho posto está mais que claro que não se trata de uma descrição à lá parnasianos, em seus momentos de puro descritivismo poético. Mas sem o passo da clarividência do ambiente que Álvares de Azevedo nos mostrou, poemas como o Vaso Grego, de Alberto de Oliveira (1857-1937) - um dos mais conhecidos da escola, mas que passa longe de ser um dos melhores do autor ou do parnasianismo brasileiro -, provavelmente não teriam sido recebidos com tamanhos afagos pelo público.

Sendo assim, vemos, na Lira dos Vinte Anos, um Álvares de Azevedo que tem muito mais a apresentar do que os belíssimos versos de "Lembrança de Morrer" e "Luar de Verão", que sempre figuram nos didáticos livros e nas explicações on-line sobre o poeta, numa falaz globalização Byroniana de uma poética que muito para além vai. Temos um poeta que retrata ironicamente uma sociedade de poderes desiguais, de culto aos que fazem Cultos e que, fora da ironia, de uma maneira pequena, fez a alavanca para certos métodos parnasianos, sendo, não obstante, o primeiro fio de uma corrente de pensamentos que transbordariam nos Simbolistas do final do Século XIX.

Abraços, Cardoso Tardelli

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A Silenciosa Rendição Parnasiana ao Simbolismo

Caros visitantes de o Sacrário das Plangências, quem já perambulou pelas postagens antes feitas já deve ter notado que eu adoto uma postura de defesa ao movimento Simbolista em muitas questões. Muitos dos meus argumentos vêm da verdade implacável de que o Simbolismo nunca foi um movimento artístico que teve uma real atenção do público, talvez pelo surgimento e domínio do Modernismo e confusão de muitos de seus artistas com o movimento que combatiam - o Parnasianismo. Consequentemente, tivemos um desdém que é raramente dado a uma Escola Artística que deixou letras no Brasil, deixando, no consciente popular, os Parnasianos muito maiores do que os Simbolistas.

Sendo assim, começo o tópico com uma citação do pequeno texto de Nestor Victor - O Simbolismo Entre Nós -, no qual ele, que conviveu com Simbolistas da primeira geração e Pós-Simbolistas, como Andrade Muricy, demonstrava sua insatisfação com a permanência do poder literário dos Parnasianos.

"No Movimento simbolista tivemos mais uma vez sinal de como somos tardígrados. O Brasil é o único país da América do Sul em que os parnasianos ainda têm direito de cidade, ainda predominam como senhores das posições. (...)".

Fato inexorável que, durante todo o furor do Movimento Simbolista, o Parnasianismo teve o seu prestígio intacto e blindado pelos críticos da época; também é um fato que foi no Brasil que o estilo Parnasiano obteve seu prestígio maior e mais duradouro. Na França, por exemplo, não passou de uma leve transição para a tempestade instalada por Baudelaire e, ironicamente, Verlaine, um dissidente do estilo.
Na brasiliana terra, porém, o próprio estilo de Olavo Bilac dava sinais de influência temática e, quando não rara, estética das obras do Simbolismo dos poetas de Broquéis (Cruz e Sousa) e Dona Mística (Alphonsus de Guimaraens).
Um dos casos, talvez, de maior curiosidade seja o do próprio Olavo Bilac (1865-1918). Quando já havia chegado em sua derradeira fase de produção poética - e quando o livro de Cruz e Sousa, Últimos Sonetos, consequentemente já havia sido lançado (1905)-, sua produção começou a ganhar tonalidades que fugiam da mera descrição ornada que lhe era peculiar. Não se pode afirmar se, de fato, Bilac aderiu derradeiramente ao Simbolismo, mesmo porque a este detinha muitas discordâncias e, além do mais, antes dos Quatro Estudos Sobre Cruz e Sousa, de Roger Bastide, que quebrou alguns preconceitos em relação ao movimento e ao seu maior representante no Brasil, ser relacionado com o Simbolismo poderia causar uma ruptura com a sua fama que atingia um nível de utopia.

Contudo, num soneto como Diamante Negro, com seu vocabulário e com o nome que detém uma, no mínimo, coincidência com um dos apelidos de Cruz e Sousa, Bilac atinge um nível espiritual nunca antes visto em sua poética, e de andamento musical muito semelhante aos últimos sonetos escritos por Cruz e Sousa.

DIAMANTE NEGRO

Vi-te uma vez e estremeci de medo...
Havia um susto no ar quando passavas:
Vida, morta, enterrada num segredo,
Letárgico vulcão de ignotas lavas.

Ias como quem vai para um degredo,
De invisíveis grilhões as mãos escravas,
A marcha dúbia, o olhar turvado e quedo
No roxo abismo das olheiras cavas...

Aonde ias? Aonde vais? Foge o teu vulto;
Mas fica o assombro do teu passo errante,
E fica o sopro desse inferno oculto,

O horrível fogo que contigo levas,
Incompreendido mal, negro diamante,
Sol sinistro e abafado ardendo em trevas.

A tríade Parnasiana, como temos de ensinamento geral, foi formada por Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. Todos eles, já desfolhado o feitio parnasiano imaculado de Bilac, teriam flertes com a poesia Simbolista, mas Alberto de Oliveira (1857-1937) , conhecido, tal qual Olavo Bilac, pela sua ortodoxia de estética, deixou versos a serem publicados após a sua morte (no livro Póstuma) que, para o espanto de muitos, tinha uma evidente influência Simbolista, não somente do movimento Brasileiro, mas do Francês, como podemos ler no poema Longe... Mais Longe Ainda!

LONGE... MAIS LONGE AINDA!

N'inporte où! N'inporte où!
pourvu que ce soit hors de ce monde!
Baudelaire - Petits Poèmes en prose

Eis-nos longe de tudo, em pleno Oceano. Ao Poente
E ao Levante o que vês são água e céus, somente,
Oh! céus e água! e ao Norte, e ao Sul, por toda parte!
Alma, alma sofredora, eternamente inquieta!

- Leva-me inda mais longe, além, mais longe, poeta!
Neve. Perpétua neve. Alvas serras de neve.
Neve o mar. Neve o céu. Certo aprazer-te deve
Esta horrível região! pisas da terra o termo.

- Oh! mais longe! mais longe!
- Onde, espírito enfermo?

- Onde nem possa eu mesma ouvir-me ou ver-me! Ao fundo
Do Caos, por trás do Céu, na outra banda do mundo!
Lá no sem cor, no sem nome, no sem batismo,
Onde acaba o Universo e começa o Abismo!

O poema citado acima demonstra uma rendição ao Simbolismo explícita. As maiúsculas abundantes, a temática do Abismo como escape, a repetição de palavras e a perscrutação com tonalidades de horror. A epígrafe do poema em prosa de Baudelaire expõe um caso de aceitação do Simbolista Francês por um dos maiores Parnasianos de nossa terra.


Para Andrade Muricy, um dos parnasianos que mais se encaixaria no contexto de proximidade do movimento Parnasianista com o movimento Simbolista foi Vicente de Carvalho (1866-1924), cujo parnasianismo lhe parecia "branco, duma transparência de linfa de montanha", fugindo de qualquer descrição natural de uma poética do estilo. O seu poema "Pequenino Morto", que não nega a influência Romântica, principalmente do romantismo de Junqueira Freire - e lembremos que o Simbolismo é considerado um pós-romantismo -, foi um dos poemas mais populares em sua época de publicação. Devido ao tamanho do texto, coloco as duas estrofes finais.


PEQUENINO MORTO

(...)

Tange o sino, tange, numa voz de choro,
Numa voz de choro... tão desconsolado...
No caixão dourado, como em berço de ouro,
Pequenino, levam-te dormindo... Acorda!
Olha que te levam para o mesmo lado
De onde o sino tange numa voz de choro...
Pequenino, acorda!...

....................................................

Eis fechada a cova. Lá ficaste... A enorme
Noute sem aurora todo amortalhou-te.
Nem caminho deixam para quem lá dorme,
Para quem lá fica e que não volta nunca...
Tão sozinho sempre por tamanha noute!...
Pequenino, dorme! Pequenino, dorme...
Nem acordes nunca!

Emílio de Menezes (1867-1918), nascido em Coritiba como grande parte dos Simbolistas - e um dos seus exponenciais representantes, Emiliano Perneta (1866-1921) -, era um Parnasiano de estética incorrigível, de temática, muitas vezes, meramente decorativa e descritiva (uma falha dos parnasianos que venho pontuando). Mas teve em sua cidade o ambiente propício para, se não abandonar a estética parnasiana (algo que muitos Simbolistas declarados não o fizeram), para cantar temáticas típicas do Decadentismo. O movimento que crescia naquela cidade, ao lado do próprio clima frio e lúgubre de Curitiba, inspiraram-no os Poemas da Morte, lançado em 1901. Transcreverei um Soneto da mais alta representatividade na tópica que defendo:

MARCHA FÚNEBRE

Baixaste sobre mim teu olhar funerário
Numa resignação piedosa de hora extrema,
E as pálpebras caindo em alvas de sudário
Velaram-me de todo a luz clara e suprema,

E tateante no mundo hostil, no mundo vário,
Sem outro guia, sem outra alma que o meu poema
Ilumine e engrinalde e o faça extraordinário,
- Um poema em que minh'alma artista ria ou gema -

Vou para além ouvindo uma música nova
Feita de pás de terra a te cair no peito
Como que para pôr o meu amor à prova;

E essa música ouvindo, estranha em seu efeito,
Sinto a luz a morrer e cantarem-lhe à cova
Um funéreo e feral réquiem de luares feito.

Da tríade, o próprio Raimundo Correia (1859-1911) teve sua passagem pelas temáticas Simbolistas, evidenciadas em alguns poemas, como Plenilúnio, Três Estâncias e A Cavalgada, o qual retrato aqui:

A CAVALGADA

A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... Mas além, confuso e brando,
O som longínquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando.
E as trompas a soar vão agitando
O remando da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce...
E límpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha...

Há mais casos de Parnasianos que flertam com a temática Simbolista, inclusive ocasionando a já referida confusão consequente da transição do Parnasianismo para o Simbolismo, no tópico "Augusto dos Anjos e Outros Simbolistas Postos em Outros Movimentos Literários".
Mas o que pergunto aqui, diante do que foi mostrado, é: por que o estilo, cuja preservação estética, política e popular era tão intensa, nunca demonstrou tais feições espirituais, em alto brado, ao invés de negá-las e atacar o movimento pelo qual eles próprios se inclinavam em silêncio? O medo de perder o prestígio é possível, mas este era tão grande que a possibilidade dele não ser abalado e de, por consequência, dar renome aos Simbolistas era grande.
Muitas obras Parnasianas com feitios Simbolistas só foram publicadas após a morte de seus autores, confidenciando, no silêncio funesto e no brado das obras, o temor da conjunção natural Parnasiana-Simbolista, algo que Cruz e Sousa aqui já tinha feito e que, muito antes, Verlaine, na França, havia realizado com sucesso.

Abraços, Cardoso Tardelli


domingo, 5 de junho de 2011

O Pecado da Palavra Exata

Caros leitores de o Sacrário das Plangências, escrevo aqui uma postagem com uma temática que já havia sido tratada de uma maneira intrínseca às tópicas de Literatura Contemporânea. Aqui serei, evidentemente, mais especifico - mas também fluindo, de certa forma, às questões de nossa sociedade que me levaram a escrever este tópico. Lembrando, somente para fins de justiça, que as definições de algumas palavras que estão entre aspas e em itálico foram tiradas do Dicionário Aurélio Séc.XXI.

Por muitas vezes já vi literatos, jornalistas e pessoas formadas em Letras, independentemente da área de especialização, criticando o uso de palavras que fujam de nosso Contexto Contemporâneo, ao mesmo tempo que cometem alguns erros inaceitáveis para seus ofícios, como usar a palavra "Ledo", que é um sinônimo de "contente, alegre", como um sinônimo de ingenuidade. E não se trata aqui de se fazer um culto às definições antigas de palavras como "Formidável", cujo sentido obsoleto e muito comum nas poesias do Século XIX era de "perigoso, que inspira terror, terrificante", que se transfigurou para "algo que desperta respeito, colossal". Trata-se esta postagem, na verdade, de um questionamento ao tal Contexto Contemporâneo.

Teoricamente, no Ensino Médio tem-se a leitura de várias escolas literárias, passando por algumas cujo vocabulário nos força idas diversas ao dicionário (se é que a edição sugerida pela escola já não nos concede tais definições). Inclusive o atualmente imaculado Machado de Assis tem um vocabulário complexo, além de trocadilhos que necessitam de um conhecimento mínimo do que se chamada, pelos meios do brasiliano Século XIX, de A Alta Cultura, devido as referências várias aos grandes escritores europeus e brasileiros. Sabendo, então, que esses livros antigos são sugeridos, lidos e sentidos, não fazem parte também, consequentemente, do nosso Contexto Contemporâneo os vocábulos usados nessas obras?

E quando coloco esses vocábulos em nosso tempo contemporâneo, não os coloco necessariamente em conversas corriqueiras, mas em textos cuja necessidade de ampliação do terreno imaginativo seja maior (e não se trata, somente, de textos acadêmicos, como teimam muitos). A arte, que, de qualidade ou não, é presente em nossas vidas, adentra no que me refiro.

Aliás, esse Contexto que estou tentando entender foi pressentido por Andrade Muricy, quando este criticou a tendência da "lei do menor esforço" que via no Século XX, inclusive com o tom melancólico de um presságio de esquecimento do Simbolismo, cujo culto à palavra rara e à palavra exata era gigantesco. Na França e nesse movimento literário, então, coloco meu raciocínio para lembrar de um poeta: Rimbaud.

(Foto: A. Rimbaud, em sua juventude)
Arthur Rimbaud chocou a enebriante Paris do Século XIX com seus poemas anti-clericais e de vocabulário por vezes científicos, por vezes de tamanha precisão na sutil língua Francesa que, para muitos tradutores, fazia que o engenho de suas mãos fosse, muitas vezes, de uma perscrutação pela língua Francesa e pela língua-alvo da tradução, pois Rimbaud, para atingir o ponto exato de seu símbolo, procurava o sinônimo mais rigoroso à imagem de sua mente em dicionários franceses. Inegável é o fato que o poeta francês era um leitor assíduo de dicionários, como testemunhavam seus companheiros de ofício. Nunca, porém, Rimbaud foi chamado de pecador por procurar sinônimos e mais imaginação à poesia francesa. Quando fala-se da procura do autor pela "palavra exata", falamos sobre uma representação em que fulja relativa exatidão do sentimento (não é à toa que há neologismos por várias Escolas Literárias, numa derivação de algumas palavras, para obter essa fidelidade), sendo algo relativo pois as interpretações pelos leitores hão de ser diversas.

Na atualidade o cenário é completamente diferente, o escritor que procurar sinônimos para atingir o máximo de fidelidade ao seu afã é tachado como pedante, no sentido, ironicamente, errado dessa palavra. Se o escritor procurou palavras para se expressar - e as domina - não "se expressa exibindo conhecimentos que não possui", nem é pretensioso, pois não é vaidade, nem ostentação falsa, ser fiel ao que sente no ofício da arte. Caso queiram queixar-se da definição de "uma pessoa livreira", devem se lembrar de que, com certeza, alguém que chama um indivíduo de pedante não pretende ser elogioso.

Ora, a Língua Portuguesa é uma das mais ricas e preciosas do mundo, tendo variações de palavras quase infindas. Além disso, é uma das poucas que têm a possibilidade de comunicação por meio de sentidos exatos os sentimentos mais abstratos (a palavra "Saudade" é um exemplo disso). No entanto, inegavelmente ela está perdendo o brilho quando os próprios supostos defensores da língua a crucificam e a deixam perder o que ela tem de melhor: a sua riqueza. E tendo a proteção dos mais velhos, os jovens da tal, e lamentável, "Geração Y" trocarão, por consequência, o ouro por ouropel.

Preocupa-me o fato de que, com esse olvidar da língua e da leitura, tenha-se uma caminhada maior ainda para a prostração cultural que o nosso país vive, sob aplausos de muitos, e seja ainda maior a Ditadura dos Limites, que impõe, em nosso Contexto, que as Ciências Humanas estão limitadas aos acadêmicos, as Ciências Exatas igualmente, e assim por diante. Não se trata somente de um sistema de escolas eficientes e ensino de qualidade: trata-se de um impulso da sociedade por um culto à cultura. O que vemos hoje é um culto aos que nada detém de cultura na mente e são postos num pedestal, como messias indomáveis de nosso futuro.

O Contexto Contemporâneo do qual estou falando é, exatamente e infelizmente, cercado do véu de moleza que Andrade Muricy previu. Mas o que mais chama a atenção é que, ao mesmo tempo em que há A Lei do Menor Esforço, esta nos traz, com sua fluidez de possibilidades, um acesso muito fácil aos livros e aos dicionários. O que concluo, então, é que há uma Lei do Esforço Menor não somente na área da linguagem, mas em todas que requerem um momento de divagação com o abstracionismo de nossas vidas, mesmo porque a linguagem e a cultura moldam formas pulsantes perante o que é efuso da nossa vivência.

Abraços, Cardoso Tardelli