segunda-feira, 30 de maio de 2011

Sugestões Poéticas, Histórico-Literárias e de Estudos Literários

Caros, faço agora uma postagem que nunca foi feita em clarividência, mas os livros que mostrarei a seguir, em sua grande parte, já entravam como fonte de várias abordagens dos tópicos daqui. Não fugirei muito do que o Sacrário das Plangências trata (Romantismo, Simbolismo, Século XIX, Barroco e afins), mas recomendo a atenção devida às sugestões que aqui são dadas. Algumas sugestões são de poetas clássicos, mas feitas por edições novas que chegaram ao mercado, ou de edições que vieram à luz somente agora. Ao mesmo tempo que haverá um esquema de separação das temáticas, não seguirei nenhum esquema bibliográfico-acadêmico, para facilitar a vida dos leitores e do blogueiro que lhes escreve.

OBRAS POÉTICAS:

CASIMIRO DE ABREU - Obra Completa; G. Ermakoff Editorial, Rio de Janeiro, 2010. Edição organizada e comentada por Mário Alves de Oliveira. 616 páginas.

A edição das obras completas do poeta fluminense organizada por Mário A. de Oliveira é absolutamente esplêndida. Além de reunir "As Primaveras", reúne 47 poemas não publicados em livros (alguns eram publicados em jornais da época), além da prosa Casimiriana e da peça Camões e o Jau, encenada quando Casimiro ainda se encontrava em Portugal. Porém, o que mais chama a nossa atenção é o conteúdo que Oliveira nos mostra em seus comentários, sempre baseados em cartas, jornais. Contando também com um álbum de família precioso e de datas importantes, essa edição pode se julgar honrosa para a eternidade do nome de Casimiro nas letras em português.


PANORAMA DO MOVIMENTO SIMBOLISTA BRASILEIRO - Andrade Muricy. Editora Perspectiva, São Paulo, 1987. 3ªEdição. 1356 páginas

A sugestão desse livro na seção de Obras Poéticas tem o seu motivo. Mesmo sendo classificado por muitos como um "estudo literário", é, acima de tudo, um livro de poesia simbolista contando, sim, com um longo estudo literário no início do volume um. Andrade Muricy, amigo de vários simbolistas colocados no livro (tanto que muitos poemas eram dedicados a ele), tinha como função, sendo um pós-simbolista e grande amigo de Nestor Victor, cuja amizade de Cruz e Sousa foi imensa, de nos colocar a par dos acontecimentos de todo movimento no nosso país e também do movimento simbolista de outras plagas. Ao todo, 131 poetas e/ou romancistas são colocados a lume por Muricy.



JOHN KEATS - Ode Sobre a Melancolia e outros Poemas. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Editora Hedra. São Paulo, 2010. 154 páginas.

Esse livro cá mostrado, cuja tradução de Péricles Eugênio é de uma fidelidade muito grande (assim como nas traduções das obras de Shelley e Byron, também lançadas pela editora Hedra), está sendo colocado nessa seleção por alguns motivos. Além da evidente qualidade de Keats, que o coloca na tríade Romântica Inglesa junto Lord Byron e Percy Shelley, um tateamento da obra traduzida pode instigar o leitor a procurar a obra completa, que encontra-se no Brasil somente em inglês. Há pouco, havia edições dela somente em sebos ou por demoradas encomendas; agora, porém, em grandes livrarias há edições de preços variados e que podem ser facilmente encomendadas, caso não se encontre no ato da compra. A obra desse inolvidável poeta é recomendada, independentemente da edição. E para se ter uma noção da importância dessa vinda dos 'Complete Poems of John Keats', o caso dos poemas de Byron, um poeta de maior apelação dentro do movimento, é mais complicado ainda - pois são raríssimos os casos de localização de suas obras completas.

CRUZ E SOUSA - Antologia Poética; Série Bom Livro. Organização Ivone Daré Rabello. Editora Ática, 2009. São Paulo. 224 páginas

Essa antologia da poética Cruziana feita pela especialista na temática, que já muito foi tratada aqui, apresenta-nos o período histórico, científico e literário na introdução. Além do mais, não divide a antologia por poemas escolhidos de cada livro e colocados lado a lado, mas espalhados dentro das três temáticas traçadas por ela (Refúgio e Tormento do Ideal; Desejo e Aniquilação; Mundos sem Redenção). Sabendo-se que é um livro destinado a um ensino mais didático, em cada poema há um glossário das palavras que podem causar dúvidas, mas que raramente será utilizado depois de cem páginas de leitura, porque o leitor se acostuma ao vocabulário e suas variações. E para quem gostar dos poemas de Cruz e Sousa - os livros Broquéis, Faróis e Últimos Sonetos, que são as obras de verso da poética Cruziana, são de relativa facilidade de acesso.

GOETHE - Poesias Escolhidas. Organização de Samuel Pfromm Netto. Editora Átomo. Edições PNA. 2ºEdição. Campinas, SP. 2005. 182 páginas.

Como Pfromm deixa claro na introdução, no Brasil quase não havia traduções publicadas do poeta Romântico alemão, que é possivelmente o mais influente do estilo nos dias de hoje. E com exceção aos clássicos Os Sofrimentos do Jovem Werther e Fausto, espalhadas traduções víamos de Goethe pelo país. E vendo esse oco nas edições em Português, trataram de reunir as mais fiéis traduções dos poemas, além de informações sobre a vida e obra. Como o alemão não é uma língua parecida com a portuguesa, a tradução é complicada e, muitas vezes, as rimas são sacrificadas pelo bem do conteúdo, mesmo que em Distante Amor rima e métrica sejam mantidas, por exemplo. Na introdução o organizador da obra faz uma comparação entre uma tradução de "livre-interpretação" e outra mais ao "pé-da-letra", mesmo que toda tradução de um poema Romântico alemão para o português que pretende ser fiel seja uma interpretação passada em outra língua. Coube aos tradutores serem o mais fiel à alma inatingível de Goethe. Livro recomendado não só aos amantes do Romantismo, mas àqueles que cultuam a boa cultura.

ALPHONSUS DE GUIMARAENS - Melhores Poemas; Organizado por Alphonsus de Guimaraens Filho. Global Editora. 4ª Edição, 2ª reimpressão; São Paulo, 2008. 176 páginas.

Aqui fazendo também a minha dedicação à memória dos Simbolistas, o poeta mineiro modernista, Alphonsus de Guimaraens Filho, reuniu os melhores poemas, se podemos falar assim, de seu pai e os colocou em edições muito felizes. Em tudo fulgura Alphonsus: da capa que nos lembra Ismália ao espaço único para cada poema - e sendo que algumas estrofes ficam solitárias numa página quase toda branca, como os ermos que via o Alphonsus pai nas cidades de Mariana, Ouro Preto e outras históricas que residiu em Minas Gerais. Um livro de crença no Simbolismo, na Fé - pois contém muitos poemas dedicados à Virgem Maria - no Amor e na Morte, inclusive na conjunção de todos depois de cerrados os olhos. Termina a seleção poética, exatamente, com os "Últimos Versos", que foram escritos dias antes da morte do autor. Contém biografia e análise escritas pelo filho.

ARTHUR RIMBAUD - Poesia Completa. Edição Bilingüe Comemorativa do Sesquicentenário. Trad. por Ivo Barroso. Topbooks, Rio de Janeiro, Reimpressão de 2009. 392 páginas.

Aqui faço ponto: sugerir aqui Rimbaud não é sugerir a vocês, necessariamente, um simbolista, mas também não é o contrário, como um pré-modernista. E é esta a graça do poeta francês que tão jovem morreu para a literatura. A maioria dos Simbolistas ficavam alheios às questões políticas... Rimbaud não (a Comuna Francesa é tratada com furor por ele), mas, tal qual os Simbolistas, ataca os Parnasianos e, com uma ironia terrível, os Românticos também em O que Dizem ao Poeta a Propósito das Flores, em tradução de Ivo Barroso (o livro é muito bem traduzido e há comentários fecundos sobre os poemas no final da obra). A leitura de Rimbaud leva-nos a um mundo jovial de complexidade etérea, ébria e conflituosa, como era a vida dos meios poéticos parisienses por volta de 1875.

Livros como a Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo ou Obras Completas de Castro Alves são de leitura obrigatória. Tolice minha, na verdade, seria sugerir alguma editora sendo que há várias boas com o conteúdo básico da poesia. Ambas as obras necessitam de uma leitura atenta para o leitor construir, em sua mente, a divisória das águas entre a falaz divisão-mórbida do terceiro movimento Romântico e do Segundo que muitos bradam e, então, reger a música das percepções das diferenças entre os dois estilos.

HISTÓRICO-LITERÁRIAS:

UBIRATAN MACHADO - A Vida Literária no Brasil Durante o Romantismo - Editora Tinta Negra. Rio de Janeiro. 2009. 392 páginas.

Aqui está um livro interessante desse estilo que é raro. Escrito por um jornalista, preza por uma linguagem não acadêmica para tratar de temáticas normalmente limitadas a esse meio. Em todas as livrarias está cadastrado como "Teoria Literária", mas trata, acima de tudo, do período histórico em que o Romantismo e seus textos surgiam. Tudo é colocado com contexto e não há, como num clássico livro de teoria literária, um poema base e longas divagações sobre tal. Há fatos, trechos de poemas, caricaturas da época e análises de possíveis ligações desses meios. Um livro muito leve e de rápida leitura. Comete alguns pecados, mas é muito interessante para os que querem Literatura e História e não pretendem comprar um livro especifico sobre o século XIX no Brasil para entender sobre o que se passava rigidamente na época em que Fagundes Varela escreveu seu "Estandarte Auriverde".

BERNARDO RICUPERO - O Romantismo e a Idéia de Nação no Brasil (1830-1870). Editora Martins Fontes. São Paulo, 2004. 330 páginas.

O cientista político Bernardo Ricupero faz aqui uma análise da época do Romantismo que é bem diferente da de Ubiratan Machado, principalmente pelo sentido que os dois conduzem o tema, mesmo que, muitas vezes, os personagens sejam os mesmos. Começando a análise oito anos depois da proclamação da independência de nossa nação, quando a ideia de nação ainda estava sendo construída no consciente popular, Ricupero se baseia em escritores Românticos que tiveram ligação assinada com a política, como José de Alencar, que chegou a ser senador, mas não tratando de autores errantes em tais questões, como Fagundes Varela, como fez Ubiratan Machado. A comparação entre os movimentos Românticos Argentino e Brasileiro no final do livro nos concede uma noção, mesmo que leve, da importância dessa corrente literária para a construção da identidade latino-americana, mesmo que a influência dela tivesse alicerces na Europa.

RICHARD MORSE - Formação Histórica de São Paulo - Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1970. 421 páginas.

Desse clássico da historiografia não consegui nenhuma foto de sua capa, o que já deixa clara a dificuldade que será encontrar esse livro (a minha edição é a última que saiu, em 1970, o que claramente é uma injustiça com esse brasilianista magnífico). Sendo um livro de história que evidencia que falará sobre a formação da cidade que conhecemos como São Paulo, Morse foi de uma esperteza que raramente vimos nos historiadores atuais. Utilizou, pois, como base de vários pontos de sua análise os poetas, escritores e movimentos literários de várias épocas. Ora, nada seria a cidade de São Paulo sem a Academia de Direito do Largo de São Francisco, por exemplo, que atraiu estudantes de vários lugares do país, entre os quais Castro Alves (nascido na Bahia), Fagundes Varela (nascido em Niterói, mas na época residente em Goiás).
Impossível seria analisar a transfiguração de uma cidade que vivia um clima ainda de colônia para uma cidade de furor estudantil e intelectual sem analisar os pontos essenciais do Romantismo. Para tal, teve um capítulo especial para descrições da cidade por meio de cartas de grandes Românticos, além de uma análise curiosa de uma parte da peça Macário, de Álvares de Azevedo. E para além do Século XIX, passa pelo movimento Modernista com a justiça que lhe é devida históricamente; e por tratar de literatura com o respeito merecido, coloco na parte Histórico-Literária. Um livro alheio a grande parte dos historiadores contemporâneos.

ANÁLISES LITERÁRIAS

ROBERTO DE OLIVEIRA BRANDÃO - Poética e Poesia no Brasil (Colônia). Editora Unesp, Imprensa Oficial. São Paulo. 2001. 320 páginas.

Eis um livro que vale a pena ler, independentemente do teor acadêmico que carrega consigo, principalmente quando somos bombardeados com besteiras como as que Gregório de Matos foi uma farça, uma grife e um dedo-duro da inquisição (e as pessoas acreditam e dizem 'amém'). Analisando toda a poética vinda do Brasil colônia, ou seja, antes da vinda da Família Real, passa desde Bento Teixeira, indo de Gregório de Matos até os poetas da inconfidência. E sobre Gregório, não nega que era um copiador de alguns temas de seus mestres, fazendo leves modificações nos copiados sonetos e oitavas; mas, como disse, o próprio Gregório se dizia um "copiador", o que hoje dir-se-ia um "plagiador". Sabendo que, somente durante o estilo Barroco começou a se assinar as obras, não negou Oliveira Brandão o fato de haver cópias de Gregório - mas a autenticidade desse poeta está evidente nesse livro e exposta com provas. Em si, um grande livro para os que querem conhecer os princípios da poesia Brasileira, quando esta terra ainda era ligada por alma, sangue e documentos em Portugal.

IVONE DARÉ RABELLO - Um Canto à Margem - Uma Leitura da Poética de Cruz e Sousa. EDUSP, Nankin Editorial. São Paulo, 2006. 296 páginas.

Esse estudo de Rabello, que é muito utilizado aqui em análises de Cruz e Sousa, é de extrema serventia para aqueles que procuram um livro de Análise Literária do maior poeta de nosso Simbolismo. Além de pontuar alguns poemas, de várias fases de sua carreira (inclusive de antes de Broquéis, seu primeiro livro em versos ou Missal, seu primeiro em prosa), com eles lembra a biografia de Cruz e Sousa e de qual modo a vida do poeta influenciou na obra (algo que muitos esquecem, pois têm a crença de que a obra não tem relação com a vida do autor). Além do mais, sendo uma análise - e uma tese de Doutorado - sobre um autor Simbolista, tudo que é colocado é uma cogitação. A conclusão, ou seja, é uma "Tentativa de Conclusão", pois a base do livro todo são possibilidades em cima de uma obra que dá várias interpretações e divagações. Um estudo para quem é fã de Cruz e Sousa, do Simbolismo e da época em que escrevia o autor, principalmente pelas trágicas e "curiosas" reações relatadas por consequência do lançamento de seus livros, com altos teores de preconceito étnico (estávamos, então, cinco anos depois da abolição da escravatura).


Caros leitores de Sacrário das Plangências, creio que minhas sugestões, por hora, tateam o contexto do blog, independentemente de terem um comentário mais aprofundado ou não. Por enquanto, fico por aqui, mas no futuro mais dessas postagens farei.

Abraços, Cardoso Tardelli

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O Pós-Simbolismo

Esta postagem, caros leitores do Sacrário das Plangências, tem certa função didática. Creio que é sabido que "temos" como Simbolismo os poetas Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, mas nem os seus súditos ou precedentes, ou lírios diferentes que brotaram na literatura posteriormente ao arrebatar do Movimento Modernista (mesmo que, não necessariamente os Pós-modernistas viessem depois de 1922, que é a data de marcação do início Modernismo, não da Aurora do movimento propriamente dito), contando, não obstante, com alguns de seus carregadores da fumaça do Ópio da Revolução Moderna.

Um dos pontos em que muito se repara no estilo dos Pós-Simbolistas é o desprendimento da rima, mesmo que esse fator seja quase fugidio para muitos poetas. Não podemos esquecer de que os Simbolistas, em sua origem, tiveram como base estética o Parnasianismo, que tanto criticavam por sua rigidez, mesmo que em seu conteúdo fosse de um misticismo totalmente medonho à poética Parnasiana tradicional. Além do mais, um dos pontos que não podemos renegar é que a leitura de Rimbaud já devia ter sido feita por grande parte dos poetas dessa geração. Sendo esse Francês uma quebra do extremo-formal, que vinha acompanhando o Simbolismo dos Franceses, inclusive, puderam ter os nossos brasilianos, inegavelmente, uma liberdade criativa maior. A falácia de que a poesia pós-1922 é Puramente Tupiniquim está aqui provada, mesmo porque não há nada na literatura que seja de puro sangue, nem na França e muito menos diante da miscigenação ocorrida no Brasil.
Outro ponto, muito importante, é o livre uso de imagens, ou símbolos com maior amplidão de visão poética, talvez até pelo tateamento do bizarro que fez Emiliano Perneta, um dos maiores Simbolistas por exemplo, em poemas como "A Dor", no qual diz que "(...) O céu, como um peixe, o turbilhão desova/ De estrelas a fulgir (...)". Essa imagem estranha causou uma "violenta discussão" entre os simbolistas, segundo Andrade Muricy.

Indo ao ponto e falando, naturalmente, dos vates: Manuel Bandeira e Cecília Meireles, envolvidos já no conhecimento brasileiro, são célebres que participaram do Pós-Simbolismo, mesmo que muitos não saibam disso. Nunca esses negaram a sua admiração por Verlaine, Baudelaire e pelos Simbolistas brasileiros. Bandeira, inclusive, com sua ânsia de retratar a história da Literatura Brasileira, fez uma pequena antologia do movimento contando com um número extremamente pequeno de poetas em comparação ao Panorama de Andrade Muricy (livro que usamos como alicerce para grande parte desta postagem), pois tem cerca de 80 poetas a menos. E ambos, em certa parte de sua Poética, deixavam evidentes os rastros fúlgidos do Simbolismo.

Antes de dar outros exemplos, darei desses dois poetas considerados Modernistas por essência.

DESENCANTO - Manuel Bandeira (1886-1968)

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre...

Vê-se o uso dos Símbolos, que inclusive continuaram durante a sua obra, porém com menor intensidade e menos qualidade, mas um certo fluir do poema estranho ao clássico Simbolismo. Amigo de Manuel Bandeira, Andrade Muricy considera que "o simbolismo foi nele ultrapassado", mas que tem algumas de suas obras, inclusive as de estudo literários, como prediletas. Mesmo porque, em Manuel Bandeira, o Simbolismo permaneceu "entre as raízes válidas de sua poética". Talvez por esse perambular Simbolista que se fincou na poética de Bandeira, muitos o consideraram um poeta que saiu do Parnasianismo e debandou para o Modernismo, um erro de quem não analisa nenhum dos três movimentos com um mínimo de cuidado.

A nossa poeta Cecília Meireles (1901-1964) é um dos casos que, mesmo em versos brancos, que de pecado nada têm, esbanjava um Simbolismo de alta classe. Já prenunciara isso em seu clássico "A Chuva Chove", Soneto no qual diz que "A chuva é a música de um poema de Verlaine...". Em sua poética, vemos tópicas que lembram os melhores simbolistas, não por cópia, mas pela qualidade inegável no tratamento do irreal e do quimérico, que pode atingir dois níveis: o do brando e do terrível. Note no poema que coloco aqui os enjambements que surgem independentemente da métrica ou rima a ser seguida.

VENS SOBRE NOITES SEMPRE

Vens sobre noites sempre. E onde vives? Que flama
Pousa enigma de olhar como, entre céus antigos,
Um outro Sol descendo horizontes marinhos?

Jamais se pode ver teu rosto, separado
De tudo: mundo estranho a estas festas humanas,
Onde as palavras são conchas secas, bradando

a vida, a vida, a vida! e sendo apenas cinza.
E sendo apenas longe. E sendo apenas essa
Memória indefinida e inconsolável. Pousa

teu nome aqui, na fina pedra do silêncio,
No ar que frequento, de caminhos extasiados,
Na água que leva cada encontro para tua ausência

com amorosa melancolia.


Poderia de Cecília citar vários sonetos, mas cito esse poema pelas estranhas imagens que ele dá em meio à tópica do amor noturno.
De Soneto, cito de uma outra Poeta, a carioca Gilka Machado (1893-1980) cuja poética muito me lembra a de Florbela Espanca, a mais célebre Simbolista Portuguesa - sim, Simbolista. Andrade Muricy, em sua Introdução, faz elogios imensos à Poética de Florbela, "que de Símbolos e Enigmas é cheia", e seguia a linha do Simbolismo Português, mas muito mais sexualizado do que um Antônio Nobre. E nessa questão no afã feminino, talvez pelas frustrações do viver e pela sensibilidade única, Gilka destaca-se nesta plaga pela lascividade gritante, envolta na dor tremenda da vida:



AMEI O AMOR, ANSIEI O AMOR...

Amei o Amor, ansiei o Amor, sonhei-o
Uma vez, outra vez (sonhos insanos!)...
E desespero haja maior não creio
Que o da esperança dos primeiros anjos...

Guardo nas mãos, nos lábios, guardo em meio
Do meu silêncio, aquém de olhos profanos,
Carícias virgens, para quem não veio
E não virá saber dos meus arcanos.

Desilusão tristríssima, de cada
Momento, infausta e imerecida sorte
De ansiar o Amor a nunca ser amada!

Meu beijo intenso e meu abraço forte,
Com que pesar penetrareis o Nada,
Levando tanta vida para a Morte!...


(Na foto - Gilka Machado)

Tematicamente, aqui temos um típico Pós-Romântico, que bebe das fontes que não secaram do estilo de Álvares de Azevedo, Fagundes Varella e Junqueira Freire (desta poética, o claustro que vate viveu, na poesia Simbolista, é refletida de maneira transcendente, não da forma que foi na realidade de Freire, que muito sofreu em sua vida de Frei), mas de uma ânsia amorosa carnal desiludida raramente atingida em nossas letras até então (e se foi até agora, fô-lo com menor qualidade).



Da Costa e Silva, cujo célebre "Madrigal de um Louco" foi transcrito num post sobre o movimento geral e sua temática de escapismo, viveu de 1885 a 1950 e foi um Pós-Simbolista dos mais rígidos estruturalmente (com exceção, ironicamente, ao Madrigal célebre). Mas, tematicamente, muitas vezes, era um cantor de sua terra: o nordeste. Temos, como esse exemplo, o soneto Saudade:

SAUDADE

Saudade! Olhar de minha mãe rezando
E o pranto lento deslizando em fio...
Saudade! Amor da minha terra... O rio
Cantigas de águas claras soluçando.

Noites de Julho. O caburé com frio,
Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando...
E à noite as folhas lívidas cantando
A saudade infeliz de um sol de estio.

Saudade! Asa de dor do Pensamento!
Gemidos vão de canaviais ao vento...
Ai! mortalhas de neve sobre a serra.

Saudade! O Parnaíba - velho monge
As barbas brancas alongando... E ao longe
O mugido dos bois de minha terra...

Filipe D'Oliveira (1891 - 1933), do estado de Rio Grande do Sul, foi um Simbolista de requinte. Mas o "Mal do Século" que aportava em todo poeta do estilo, nele não tinha passagem, pois, sendo um esportista, era de fisionomia claramente mais viva do que os seus contemporâneos. Morreu, porém, no exílio, decorrente da revolução 1932, num acidente de carro. Deixou-nos grandes poemas e uma reputação Simbolista, mesmo sendo ele um anti-arquétipo do estilo, maior do que muitos do estilo. Transcrevo parte de um dos mais célebres:

UM OUTONO DEPOIS

(...)

A paisagem mudou... a paisagem me acena...
Há convulsões nos gestos da paisagem...
Eu tenho medo...
Estão a se mover as roupas da ramagem...

É o vento... (O vendaval, na calma do arvoredo,
Simula adormentar essas fúrias tamanhas...)
Anda uma sombra na alameda adormecida...
Anda alguém a acordar todo o arvoredo...

... Eu tenho um grito estrangulado nas entranhas...

... E tu ficaste lá... longe... na minha vida...


A figura de Cruz e Sousa, que tanto foi cultuada no Simbolismo tradicional, aparece vez ou outra no posteriori do movimento. O exemplo mais notável desse culto ao Cisne Negro nesse movimento foi, talvez, uma prosa envolvida de versos de Cruz e Sousa, escrita por Álvaro Moreyra, que viveu entre 1888 e 1964. Em seu "Que bom encontrar você aqui...", em tom pessoal, questiona, citando poemas cruzianos, qual transcendente terra, quais imortais segredos estão com Cruz e Sousa:

QUE BOM ENCONTRAR VOCÊ AQUI...

Que bom encontrar você aqui, Cruz e Sousa. Você foi-se embora com 36 anos, em 1898, e é assim que volta, com os mesmos olhos acesos, as mesmas mãos inquietas, e a sua doçura e a sua amargura, meu grande poeta negro do Brasil! Agora já sabe, vivendo entre elas, o que são as estrelas. Mas não conte. Quero guardar as dúvidas d"As Estrelas":

"-Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancólico da esfera,
Nos caminhos da eterna primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão, errantes,
Quantas almas em busca da quimera,
Lá nas estrelas nessa paz austera,
Soluçando, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insana.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas não são os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!"

(...)

Citando o poema "As Estrelas" completo, contido em Faróis, Moreyra nos dá um novo tom de prosa poética, chegando a ser um cumprimento ad-eternum aos versos de Cruz e Sousa numa prosa.

O gaúcho Eduardo Guimaraens, nascido em 1892 e falecido em 1928 é um dos exemplos mais impressionantes da versatilidade poética do Pós-Simbolismo. Poderia, ao mesmo tempo, escrever um soneto chamado "Túmulo de Baudelaire" e também escrever um poema cujo ritmo é estranhamente silábico-tenro - e não rígido. O referido é este magnífico poema em termos de imagens:

NA TARDE MORTA

Na tarde
morta,
que sino
chora?

Não chora,
canta,
repica,
tine...
dos matos
Vago
perfume
sobe...

Na tarde
morta,
que sino
dobra?

Não dobra...
Canta
por simples
gozo

das coisas
belas
que apenas
vivem,

a esta hora
triste,
divina-
mente.

Das águas
mortas,
dos campos
Quietos,

Dos bosques
Murchos,
Dos charcos
Secos,

Dos cerros
claros
que se erguem
longe,

Dos ninhos
No alto
dos galhos
tortos...

E sobre-
tudo
das cria-
turas!

A quebra das palavras seria impraticável se o Parnasianismo não houvesse perdido grande parte de sua força no território nacional. E tenhamos notícia: isso demorou muito.
Segundo Nestor Victor, "No movimento simbolista, tivemos mais uma vez sinal de como somos tardígrados. O Brasil é o único país da américa do sul em que os parnasianos têm direito de cidade (...)", escreveu em seu Folhas que Ficam, anterior ao movimento Modernista, pois foi editado em 1920, mas já com o Pós-Simbolismo perambulando pela literatura nacional.

O fato implacável é que o Simbolismo atuou com força na Literatura do Século XX enquanto ela existiu, independentemente se o influenciado declarava-se um "Assinalado" pelo movimento. O que não podemos fazer é jogar no esquecimento tantas obras de qualidade para colocar no Altar o vácuo contemporâneo. Pois, não nos esqueçamos, todos esses que citei, além dos 130 que não citei, tinham erudição e cultura - e prezavam por estas para ampliar a sua Poética de Símbolos. Hoje há um desdém quase que total pela simbologia, e pela erudição um nojo quase que relativo aos vermes.

Abraços, Cardoso Tardelli.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A Autoridade Autoral

Caros leitores do Sacrário das Plangências, caso achem que o blogueiro cometeu um erro ao colocar o título do Post de "A Autoridade Autoral", faço o meu ponto: tratarei de Poesia, não de dinheiro referente aos Direitos sob as vendas dos livros que contenham poemas de um autor, além de outros processos que podem ser relativos ao Direito Autoral.

Poderia definir a Autoridade Autoral como o que o autor, pondo em prática o seu Ofício, deixa em seu Autógrafo (Manuscrito que contém o autógrafo do autor), independentemente de aparentes erros estruturais ou
ortográficos para futuras gerações, o Conteúdo de sua Arte com o total saber de seus caminhos. A Autoridade é mental-própria e não flui para modificações posteriores, com a exceção aos acordos ortográficos - ainda sim, sabendo colocar o Autor no referente estilo em que se encaixava, na certeza de deixar o texto em sua forma mais límpida e leal ao Original.

Não estou tratando, contudo, das vulgares Licenças Poéticas, pois hoje elas são usadas para o mal da Arte Poética (ou, numa ampliação rompida de seus véus, das letras musicais, que muito fazem de medonho em seus conteúdos); a Autoridade Autoral é a Autoridade total do Autor sob o conteúdo do Original, esteja ele vivo ou morto.

Diferenciações feitas, parto para alguns exemplos que causaram-me a ideia desta postagem. A minha edição de Últimos Sonetos, de Cruz e Sousa (Editora UFSC.
Florianópolis, 1997), tem passagens que demarcam as alterações dos textos originais feitas pelos editores mesmo com os Autógrafos do livro estando em perfeito estado de conservação. O que mais chama a atenção é o fato de que Nestor Victor, o melhor amigo do poeta e para quem Dante Negro destinou os três sonetos derradeiros do livro, editor de duas publicações de Últimos Sonetos (1905 e 1923) fez modificações estranhas aos Originais Cruzianos, sendo seguido pelas edições de Andrade Muricy, um grande amigo de Nestor Victor (edições de 1945 e 1961).

(Na foto - Nestor Victor)



Visualizando o clássico soneto "Supremo Verbo", vê-se na edição que tenho em mãos (que contém, de alguns poemas, os fac-similares de seus Originais) que as modificações apontadas por Adriano da Gama Kury, autor das correções feitas nas edições antigas com base nos Autógrafos de Cruz e Sousa doados para a Casa Rui Barbosa, partem desde um desdém à Autoridade Autoral e chegam ao erro de leitura, o que nos surpreende pelo fato de que alguns já eram conhecidos quando Cruz e Sousa era vivo.


Na primeira estrofe, por exemplo:


SUPREMO VERBO

- Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu'alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidões do pranto

O travessão, que essencial é ao entendimento da poesia, pois é o início de certo Sermão Supremo da Natureza para o Poeta, foi retirado das edições feitas sob os cuidados de Andrade Muricy. Na segunda estrofe:

Ei-lo, do Amor o cálix sacrossanto!
Bebe-o, o feliz, nas tuas mão o entrego...
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.

Quanto ao "Cálix", que está no original, foi usado um sinônimo que mudava a métrica - "Cálice" - na primeira edição organizada por Andrade Muricy. O "És" está no Original, mas foi suprimido pelo erro de leitura que me referi anteriormente. No Autógrafo de Cruz e Sousa é possível confundir-se por "Eis", como está marcado em todas as edições anteriores a que tenho em mãos, mas soaria estranho ao encaminhamento da poesia.
Em todo livro há uma série de estranhas modificações que se fosse eu colocá-las, ficaria a maior postagem do blog.

Devemos, porém, entender o que é uma modificação consciente e que é um erro tipográfico. Para tal, basta um pouco de discernimento e atenção. Mudarei de autor para discutir esse tipo de erro e mostrar o quão diferente é.

Casimiro de Abreu teve suas "Obras Completas" lançadas, pela primeira vez, em 1871, quase onze anos depois de sua precoce morte, editadas por Joaquim Noberto de Sousa e Silva, publicada pela editora Garnier, provavelmente para comemorar 10 anos do falecimento do poeta fluminense. A tentativa, porém, foi de uma frustração inefável, tanto que a Edição é quase extinta nos dias atuais (segundo Mário Alves de Oliveira, em sua vasta pesquisa só encontrou três edições de 1871) por motivos de destruição, inclusive do frustrado editor.

A recente edição da "Obra Completa" de Casimiro de Abreu, organizada pelo pesquisador referido, Mário Alves de Oliveira (G.Erakoff Casa Editorial, Rio de Janeiro, 2010) - obra de leitura obrigatória para os fãs da poesia Romântica -, além de nos trazer toda a obra de Casimiro, mostra os percalços pelos quais os versos de Abreu tiveram de passar - e a lendária primeira edição de suas "Obras Completas" está no altar altivo do desastre. Durante a análise, Mário Alves de Oliveira mostra-nos alguns dos estranhos erros tipográficos que se encontram no livro. Sabendo-se que a Obra foi editada em Paris, há a probabilidade de erros pela consequência do não conhecimento da Língua Portuguesa. Aqui vão alguns erros mostrados por Mário A. de Oliveira:

(Em negrito, o trecho correto)

"Pos esses campos que eu amo", em lugar de "Por esses campos que eu amo"

"A virgem na reda córando e sorrindo..." em lugar de "A virgem na rede corando e sorrindo".

"Sem envires meu lamento;" em lugar de "Sem ouvires meu lamento".

"Trlvez que eu durma solitário e mudo" em lugar de "Talvez que eu durma solitário e mudo"

"Dá, fosmosa", em lugar de "Dá, formosa,"

Enfim, Mário Alves de Oliveira nos dá vinte e um exemplos de erros que beiram o cômico e o estranho, sendo que, segundo ele, havia mais nessa edição. Erros que são, não obstante, facilmente diferenciáveis das violações das Autoridades Autorais. Não podemos esquecer de que as edições malfadadas têm como consequência uma reputação manchada do Poeta, principalmente se houver um grupo interessado em fazê-lo. No caso de Casimiro de Abreu, sabe-se que seu nome foi desdenhado pelos Parnasianos, cultuadores da forma e da pseudo-perfeição, porque sua poesia continha erros de português e métrica.

O grande ponto é que a violação da Autoridade Autoral também pode nodoar a Poética de um autor, mesmo porque não necessariamente a "correção do editor" satisfaz o desejo do autor em seu ofício de criação e, inclusive, pode mudar o sentido da obra. Sendo assim, a pureza dos originais tem de ser mantida para a quintessência do estilo do autor não ter fulgores, ou negrores, estranhos a ela.

Abraços, Cardoso Tardelli