quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O Desfolhar das "Rimas Ricas, Pobres" e de seus "Valores"

Esta é uma postagem que há muito já pretendia fazer. Não há necessidade de ser longa como uma análise dos "esquecidos de um movimento", como a anterior. A questão da Rima é uma das mais delicadas quando tratamos na análise de um poema contemporâneo.

Eu o digo por vários motivos. Além de uma preferência atual de poetas pelos versos brancos, de quando em quando, com rimas internas, quando algum vate opta por usar as rimas como acessório de musicalidade, muitos parecem procurar em cada quarteto - ou seja qual formato - "os valores das rimas" e, primeiramente, falando "As rimas estão pobres", e desprezando o conteúdo.
Os grifos que eu coloquei em cada frase não foram à toa, evidentemente. Em cada um deles trabalharei agora:

A Rima como acessório de Musicalidade: Um poeta que escreve com Rimas não o faz, somente, por mero capricho estético. A Rima tem uma função, que deve ser clara para todos, musical, não somente rítmica, mesmo porque esta não é intrínseca à musicalidade. O Parnasianismo foi o mestre da amostragem disso, com o Enjambement (quebra de uma frase, sentença, enfim, sem que o verso estivesse terminado, devido à métrica. Mesmo assim, muitas vezes, a última palavra do verso rimava com o verso consequente da estrutura musical, mas causando uma quebra rítmica na leitura em muitas pessoas). Um exemplo disso é esta estrofe de Olavo Bilac, evidenciado no grifo colocado:

A VELHICE DE ASPÁSIA

Velha, Aspásia, como um clarão, na Academia
E na ágora, surgia e ofuscava as mais belas;
E, sob as cãs, e sob as roupagens singelas,
Aureolada do amores de Péricles, sorria...

(...)

O Encavalgamento, nome popular do Enjambement, não é pecado algum quando usa-se a Métrica, como já dito. Quando não se usa da limitação silábica, a inversão das palavras torna-se o melhor método para a selagem das rimas.

Partindo da questão de que as rimas podem parecer internamente, inclusive quando se evidenciam nos finais dos versos (na própria estrofe de Bilac há um exemplo na musicalidade de "Academia", "Surgia", internamente no segundo verso, e, consequentemente, "sorria"), um poeta quando opta pelas rimas - que, creio piamente que desde sempre foram conscientes, diferentemente do que defendeu Mário de Andrade defendeu em sua pseudo-criação das Rimas Harmônicas em seu Prefácio Interessantíssimo -, opta por ela por questões musicais, porque a Rima, por si somente, nada faz. E daqui passo para o outro grifo.

Os "Valores" das Rimas: Creio que, com as definições feitas no exemplo anterior, aqui consigo chegar ao ponto essencial de minha crítica.

Tendo como alicerce que a rima é um Acessório Musical à disposição do poeta, creio que o termo "Valor" não pode ser colocado à Rima. Se Valor na questão poética é um valor de perscrutação interna, este termo pode ser usado na avaliação de um poema como um todo.

A Rima, sendo um princípio de musicalidade, é o fim de uma ideia que é desenvolvida durante a estrofe e, logicamente, durante o poema. De nada adianta ter um poema com vários "tisne/cisne" ou "cabelos/tê-los" se não há um conteúdo anterior a eles.
Como deixei claro, as palavras que compõem a rima são, ora, o fim da ideia - ou seja, parte derradeira do pensamento sendo desenvolvido - e se pouco tiverem a ver com a tópica tratada na estrofe, de nada vale serem as chamadas "Ricas", "Preciosas" ou o nome que tiverem. Se for para ser assim, são preferíveis os versos brancos.

Creio que, ante à nossa língua de vastidão vocabular quase inefável, um poeta que opta pela rima tem de ter um vocabulário extremamente grande. Não para evitar a rima de adjetivos com adjetivos, mas para evitar a limitação da moldura poética que muitos têm pelo vocabulário preguiçoso.

O exemplo que dei ao citar as pessoas que adoram birrar com Rimas e, antes de analisar o conteúdo, analisam os tais "Valores das Rimas", pode tornar-se irrisório, às vezes, quando mostramos um quarteto com variações em plural e singular. Mesmo que estas questões não salvem a coitada da rima da condição de pobre, se eu fizer uma variação da rima mais perseguida pelos enfados dos que não têm música no peito, muitos deixaram passar caso eu misture uma rima no meio (a rima em questão é "amor e dor", muito utilizada, por exemplo, por Florbela Espanca). Eis uma estrofe improvisada, para o exemplo, minha:

Se nesta passagem de dor,
Não puderes percebê-los,
Não creias que não terás amor
Pr'além dos negros capelos.

----

A rima "Amor e Dor" salta aos olhos de muitos. Talvez pela vulgarização estética, não temática.

Se nesta passagem de dores,
Não puderes percebê-los,
Não creias que não terás amores
Pra além dos negros capelos.

Colocando em plural as duas palavras (pequenas modificações para não aterrorizar a métrica adotei também, mas no segundo verso segui a mesma), a rima não salta aos olhos, não soa irrisória nem vulgar.

A Rima não tem valor algum quando ela não está dentro de um contexto poético. Mesmo que este poema seja trissílabo (como "A Valsa", de Casimiro de Abreu), todas as rimas estão numa tópica clara e evidente, sem fugir uma vez sequer dela. O valor, acima de tudo, tem de ser dado ao Poema, não a relações gramaticais entre uma palavra e outra.

Abraços, Cardoso Tardelli

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O Simbolismo Brasileiro - A Canção do Exílio dentro da Pátria.

Nesta análise, pretendo demonstrar, junto a alguns autores que descobri (não há outro termo mais brando, pois devido ao nosso ensino totalmente voltado ao Modernismo, todos esses autores ficam esquecidos no abismo injusto da história de nossa poética) no "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro", de Andrade Muricy (Editora Perspectiva, São Paulo, 1355 páginas), como o Simbolismo já colocava em pauta, em presságios, o mundo moderno, colocando como ponto sublime de isolamento, ante a perspectiva que se aproximava, a própria poesia e arte.

Soará realmente contraditório, aos mais rígidos, o título, tendo em vista que o Simbolismo é um movimento que usa, sem problema algum, adjetivos, e o título da postagem faz referência ao poema célebre e, infelizmente, vulgarizado de Gonçalves Dias, que não detém em suas estrofes sequer um adjetivo. Aviso a esses que a citação é simplesmente temática, e não estrutural, mesmo porque a leitura destes poemas me deu a clara noção que, mesmo na métrica rígida por vezes, a influência do Romantismo perambulava na obra Simbolista como a Luz perambula na terra quando o dia nasce. Afinal, que mal há de ser influenciado? Sem os rastros que deixamos não há caminho a seguir com a certeza que podemos voltar.

Voltando ao assunto principal do tópico, é inegável que a poética Cruziana, que deu os passos mais austeros sobre a poesia Parnasiana que era dominante aqui (e, até por isso, não foi bem recebida quando veio a lume), teve uma influência muito grande. Vimos, quando não sempre, muitas vezes, alguma homenagem ao "Poeta Negro" ou "Cisne Negro" (Cisne, por esta ave entoar seus mais belos cantos perto da morte. Cruz e Sousa escreveu seus melhores poemas em seus derradeiros meses). Não podemos julgar, de modo algum, essa influência uma "cópia". Se assim fosse, Álvares de Azevedo em seus Sonetos mais Românticos, ou até mesmo em seus poemas derradeiros - que fulguravam dores da morte -, teria "copiado" as dores dos Românticos que lhe influenciaram (por mais que acadêmicos teimosos, que julgo jocosos, digam que Azevedo foi o nosso Byron. Ele foi o nosso Azevedo, um dos gênios Românticos, influênciado por vários poetas - principalmente pela tríade Inglesa (Byron, Shelley, Keats) - e ponto final).

A grande surpresa que eu tive ao me deparar com autores de nível, diga-se de passagem, é a qualidade das imagens que é dada para o "escapismo poético". Tentarei fugir dos poetas sempre referidos - Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens (tocando nesta poética, somente, quando for justificar o Simbolismo no Brasil) - e procurarei dar os exemplos mais fieis à temática da postagem com outros grandes poetas Simbolistas, infelizmente esquecidos.

A tópica do escapismo sempre foi recorrente na poesia e tornou-se radical no Romantismo. Mesmo com essa didática - e exagerada - denominação de "três fases" do nosso Romantismo, todas elas tocavam nessa tópica de uma maneira ou de outra (o exemplo dado no título do post foi um exemplo -lembrando que Gonçalves Dias é considerado um autor da primeira fase Romântica-; Castro Alves, principalmente em seu Espumas Flutuantes, tinha a temática ainda gritante, mesmo que a social - tão presa à sua imagem - já estivesse despontando).

Com o Parnasianismo - e seu culto de A Arte pela Arte - mesmo que alguns pudessem esperar que a temática do escapismo fosse para, somente, a Arte Poética, não para "Musas e Amores Vibrantes e a Política Efervescente", contudo, pelo ornamento excessivo, talvez, que os poetas desse estilo dava aos seus poetas - em detrimento do conteúdo - isso não ocorreu. Mesmo que haja exceções no mais Parnasiano dos poetas - Olavo Bilac -, em cuja obra há poemas lacrimosos, belos e sem o enfado do enfeitamento pedante (vide "Soneto a Goethe"), o Parnasianismo foi um movimento estéticamente belo, mas emocionalmente frio. Não é à toa que pouco frisson causou na França (no Brasil foi um dos lugares onde os Parnasos perduraram mais), sendo logo substituído pelo Simbolismo de Baudelaire, Verlaine (que iniciou-se como parnasiano) e Mallarmé. Rimbaud, mesmo demonstrando uma temática com traços simbolistas, conseguiu ultrapassar certas ousadias de Baudelaire - e sendo um poeta muito político - faz parte da geração ferozmente Romântico-Simbolista.

Sabendo-se já que o Simbolismo foi uma resposta ao Parnasianismo, comecemos a mostrar alguns autores muito interessantes, de Norte ao Sul do Brasil - na temática Escapista do Simbolismo.

De Rodrigo Otávia Filho, carioca, nascido em 1892 e falecido em 1969, chamou-se a atenção nessa temática, particularmente, os versos de "Lenda Interior" que aqui reproduzo. Creio que o tema do "Poeta Errante" e com "Visão acima daqueles que não veem" é algo recorrente, mesmo porque a poesia de boa qualidade - aquela que adentra nos sonhos e pavores humanos - pouco é reconhecida.
(...)
“Eu, Peregrino ansioso da Beleza,
Que vive e que se espraia em sonhos pelo mundo,
Trago no olhar a mística tristeza
E na garganta o soluçar profundo...”
(...)
Resta ao sujeito-lírico, um "peregrino ansioso da beleza", perambular desolado - "esquecido, sozinho" (em verso logo adiante, que não coloquei aqui, para tentar deixar o tópico mais breve).
Creio que o poeta Edgar Mata (1878-1907), mineiro de Vila Rica, é uma das maiores perdas da nossa literatura, julgando o esquecimento que é marcado no ensinamento de Letras. Talvez esse coma que envolveu seu nome - com exceção aos seus companheiros, poetas e artistas que o seguiram na arrancada Simbolista Mineira, que faziam questão de homenageá-lo -, foi culpa de sua própria personalidade - tristonha, explosiva - e tudo ainda mais ebulido pelo álcool (que, provavelmente, antecipou sua morte, aos 28 anos e quatro meses de idade). Além da morte prematura - causo que não é raro em nossa literatura -, teve, certa vez, uma "explosão histérica" que o fez queimar parte de sua obra. Muitas obras de Edgar Mata, nas palavras Andrade Muricy, são "de verdadeiro poeta, de personalidade definida", mas deixadas em esparsos e rústicos códices (três no total).
Cá estão alguns trechos de sua obra:
CANÇÃO*
(...)
Ah! Pelo crepúsculo, tenho poentes n'Alma
Roxos de Saudade que me dilacera.
Nem o amor eterno que o Soluço acalma,
Num uma esperança que me fale - Espera -;

E o teu rosto surge para mais magoar-me
No horizonte antigo da saudade extrema...
Tu, que nunca e nunca poderás amar-me,
Tu, a nota branca desse meu Poema.
(...)
*Algumas das pontuações que Andrade Muricy colocou para além dos Códices que restaram da obra de Edgar Mata, eu mantive. Em alguns versos - como o primeiro da inicial estrofe do trecho citado - adicionei uma exclamação por preposição minha de poeta - sabendo-se que ninguém sabe, de fato, como Mata deixou os poemas para a publicação, queimados em seu ataque histérico. Porém, o conteúdo mantém-se exatamente o mesmo.
Poderia citar de Mata o seu mais célebre poema - ao menos para os contemporâneos dele - "Estalactite", porém, mesmo belíssimo, não adentra no contexto do post. Vemos que em sua "Canção" há uma clara influência das imagens de Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Sousa (em outros poemas de Edgar Mata, o estado de Nirvana de Cruz e Sousa seria buscado também. O Crepúsculo é uma das imagens mais fortes, mesmo que contraditórias, pelas visualizações junto ao coração, que o Simbolismo demonstra), porém a desilusão refletida em uma persona-oculta, "no horizonte da saudade-extrema", faz referência ao Romantismo e ao culto ao saudosismo - o que, evidentemente, é um exílio da realidade.

Indo do Sudeste ao Sul - exatamente ao Estado do Rio Grande do Sul, na Cidade de Uruguaiana -, encontramos Alceu Wamosy (1895-1923). Governista, foi baleado no combate de Poncho Verde, em meio às guerras revolucionárias que assolavam seu estado. Faleceu, então, em Livramento, em 13 de Setembro. Discípulo confesso de Cruz e Sousa - dedicando-lhe o livro Na Terra Virgem (1914) -, teve uma poesia muito jovial, de certa forma ingênua - em termos temáticos - mas de uma maturidade poética que poucos haviam conquistado. Eis aqui um soneto que muito representa a poética do escapismo:


(Na foto, Alceu Wamosy)


O MEU ANJO*

Estende as asas pálpites e mansas,
Brandas, aéreas, tépidas, serenas,
Como um pálio de amor e de esperanças,
Sobre os meus males, sobre as minhas penas!

Desçam eflúvios mágicos, bonanças
Infinitas, etéreas cantilenas,
Num chuveiro de risos de criança,
E de perfume castos de açucenas!

Tudo desça, cantando, das tuas asas,
Sobre minha alma cheia de abandono,
Que a orfandade do amor, de mágoas junca...

Para eu sonhar na luz em que me abrasas...
Para eu poder dormir um grande sono,
Um sono bom... que não se acabe nunca...
Pequeno Glossário*:
Pálpites: Que palpita.
Tépida: Frouxo, langue, ou morno
Eflúvios: Aromas
Açucenas - No Simbolismo: Lírios.
Junca (de Juncar): Cobrir de Flores
Julgo esta pequena resolução de palavras necessária para o entendimento completo deste magnífico soneto de Alceu Wamosy (mesmo achando que quem não as entendesse devesse procurar em qualquer dicionário on-line, algo extremamente fácil de se achar). Vemos a imagem do Anjo Redentor (presente em todo o Romantismo; neste a imagem das asas é muito presente, algo que Fagundes Varela recorria algumas vezes - inclusive, dando a imagem de sua alma alada subindo aos céus escapando do mundo), e, além dessa imagem, toda a sinestesia (percepção de cor, aroma, tato, paladar, enfim, quaisquer que sejam as percepções diferenciadas, inclusive as transcendentes - se incluímos esta palavra no sentido poético) que era típica do Simbolismo.
A percepção aguçada do mundo e das sensações, algo que ao mundo não é muito conveniente, era uma das respostas do Simbolismo à frieza parnasiana e um escapismo às teorias deterministas que despontaram na época de Cruz e Sousa e, mesmo em faculdades de Humanas - leia-se: Direito -, ganhariam maior espaço do que qualquer tese de Direito Romano ou de Literatura, normais aos Jornais correntes nos meios estudantes. Tais teorias defendiam que um negro ou uma pessoa com determinadas características faciais (esta última é uma determinação Lombrosiana) seria mais inteligente ou propícia ao convívio em sociedade (Espetáculo das Raças, Lília Moritz Schwarcz, Companhia das Letras; 9ªReimpressão, São Paulo).
Aliás, tendo em vista os dois últimos poetas que mostrei e as suas localidades - Minas Gerais e Rio Grande do Sul -, posso passar para o blog alguns trechos da justificativa que Andrade Muricy deu à existência do Simbolismo no Brasil - sabendo-se que este usava muito termos como "neve, ermo, frio", entre outros, que para os néscios da capital não tinham mínimo nexo, pois viviam no Rio de Janeiro - uma cidade movimentada e quente.
Eis o que Andrade Muricy citou de Bastide, cujos estudos sobre Cruz e Sousa são essenciais, que:
"O Simbolismo do Paraná é assim a primeira manifestação de um Brasil diferente contra o Brasil tropical (N.: vê-se como a ideia de Brasil tropical é martelada por aqueles que abraçam a ideia de um país praticamente sem miscigenação cultural), uma consequência literária daquele que o Paraná tem de específico, e portanto de autenticamente brasileiro, contra aqueles que querem amoldar todos os brasileiros num mesmo molde: o clima temperado contra o sol tórrido, a branquicenta bruma e a geada, o vento sul gelado contra os alísios, os vergéis em flor contra a floresta virgem (grifos meus) (...)"... Para Alphonsus de Guimaraens, Bastide dá a justificativa das "cidades mortas, dormindo docemente sob a bênção do luar". De fato, Mariana, cidade onde viveu Guimaraens grande parte de sua vida, era um grande recinto de História, não de pessoas.
Diante dessa implacável, porém quase não divulgada, explicação do porquê do Simbolismo brasileiro existir, qualquer queixume de alguém que diz que o movimento é "fingidor" (vulgarização de Fernando Pessoa - pobre deste!) por não convir com as condições do país, batem na parede da Climatologia e da História, causando falazes rachaduras aos míopes apoiados nos alicerces da construção contemporânea literária - fundamentos de preguiça da interpretação e da moldagem do ofício.
Antes que falem que mudei de assunto - não o fiz - tratar de Simbolismo não é fácil - mesmo porque muitos leitores deste estilo renegam o Simbolismo Brasileiro e não buscam saber mais sobre ele, julgando o estilo "anti-brasileiro".
Voltando aos autores, inegavelmente uma das temáticas mais tratadas no Simbolismo era o "Escapismo Astral". Radicalmente, Alphonsus de Guimaraens o tratou na tópica da Lua. Um dos Simbolistas que me chamaram a atenção nessa tópica foi Araújo Figueredo (1864-1927), contemporâneo de Cruz e Sousa e, inclusive nascido em Desterro (atual Florianópolis). Com Cruz e Sousa, participou da campanha contra a escravidão com o jornal O Abolicionista. Mas ao contrário de seu amigo negro, morreria com um cargo governamental em Santa Catarina em mãos. Lembremos que muitos Simbolistas, ou não, de alta sociedade tentaram fazer de Cruz e Sousa um político, tendo em vista que este era um culto e de capacidade intelectual ampla. Porém, sendo que essas oportunidades sempre vinham antes da abolição da escravidão, era inaceitável para um governo ter um negro com um alto posto.
Eis um soneto de Araújo Figueredo que me atentou:
HINO ÀS ESTRELAS
Misteriosas estrelas das Alturas,
Cristalinas estrelas misteriosas!
Vasos de prata de guardar doçuras!
Encantadoras ânforas custosas!

Refúgios que minh'alma dentre as duras
Lancinações sangrentas, dolorosas,
Busca do Azul nas doces curvaturas,
Por horas vagas e silenciosas!

Refúgios eucarísticos, benditos,
Da noite roxa e amarga dos meu gritos,
Enchei-me o triste coração de lendas!

Ah! que minh'alma seja em luz velada,
Seja na vossa luz amortalhada
E conduzida pelas vossas tendas!
(Grifos meus)
Evidentemente, é um cântico de conforto ante ao brado medonho mundano. Muitas pessoas olham, fitam atentamente as estrelas, mas sem compreenderem esse poder afável que a visão da luz em meio o negror dá aos nossos olhos. Um outro exemplo da fuga aos Astros é um soneto do paranaense Euclides Bandeira (1877-1948), que muito caminhou em sua trajetória literária ao lado de Emiliano Perneta, um outro divulgador e poeta Simbolista, como Nestor Vítor:
AVIADOR
(...)
"Fugir! Sempre subir! A aeronave sem lastros
Perder-se e aqui ficar, como em sonho suspenso,
Eternamente só na irradiação dos astros!"
(Grifos meus)
A temática é evidente e clara. Esse soneto decassílabo mostra uma das claras imagens que notei no movimento de transcendência ao Astral. É um pouco óbvio que o famoso "Ismália" de Alphonsus de Guimaraens é o ponto alto dessa poética. Este poema, cuja personagem - localizada numa torre -, em seu desvairio, apaixona-se pela Lua no céu e pelo seu reflexo no mar. Ante a impossibilidade de atingir os dois, joga-se no mar, tocando a lua do mar em tal ato, consequentemente fazendo que sua alma "subisse ao céu" atingindo a Lua pela qual era a personagem apaixonada também.
Creio que ainda perambulando no tema do escapismo astral, porém este mais focado na lua, está um poema em forma de losango, de um poeta considerado da geração Neo-Simbolista (geração na qual participaram Andrade Muricy, Cecília Meireles, entre outros) - Da Costa e Silva - Poeta do Piauí, nascido em 1885 e que faleceu em 1950.
Mesmo considerado um neo-simbolista, sua personalidade foi totalmente simbolista, de um "mal de século" (mesmo que isso fosse utilizado para os Românticos), que considerava, acima de tudo, sua poesia e o viver dela mais importante do que o trabalhar limitado que lhe era concedido em sua terra. Foi um dos derradeiros simbolistas em prática literária e atitude.

(na foto, Da Costa e Silva)




MADRIGAL DE UM LOUCO*

Lua!
Camélia
Que flutua
No azul. Ofélia
Serene e dolente,
Fria, vagando pelas
Alturas, serenamente,
Por entre os lírios das estrelas,
Santelmo aceso para a Saudade,
Luz etérea, sinfônica, perdida
Entre os astros de ouro pela imensidade
Esfinge da ilusão no deserto da vida!....
Lâmpada do Sonho, lívida, suspensa...
Vaso espiritual dos meus cismares,
Sacrário pulcro de minha crença,
Ó rosa mística dos ares!....
Unge meu ser na apoteose
Da tua luz, e eu frua,
Cismando, a pureza
Da luz e goze
Toda a tua
Tristeza,
Lua!

*Os espaços excessivos entre algumas palavras existem no original, pelo o que consta, para a forma ser bem sucedida.
Além de toda musicalidade especial que esse poema nos conduz, todo o refletir do Ser e da Alma está na Lua, que, no entanto, é triste. A referência de Ofélia (personagem da Hamlet, de Shakespaere, que se matou por amor) confirma a ideia de um espelhamento da Alma numa imagem que é Aérea e dolorosa, mas que representa, acima de tudo, Amor.
O tratamento dos Simbolistas no espelhamento em coisas não humanas, tratando-as como sublimes - algo que já ocorria no Romantismo Inglês, com referências a pássaros sendo reverenciados como seres dotados de sensibilidade acima do Humano e dignos de inveja dos Poetas (vide "To a Skylark" ("A uma Cotovia"), de Percy B. Shelley, e "Ode to a Nightingale" ("Ode a um Rouxinol"), de John Keats -, das essências de um grande poeta, creio que seja uma das principais a desabrochar com perfeição - se não o fizer, este poeta é somente um visualizador comum de nosso mundo, algo que nenhum vate pretende ser. Ora, a transcendência para atingir o "para além" de nós e do que vemos é essencial a qualquer um que se diga um divagador. Outro poema deste autor que merece muita atenção é "Saudade", cujas imagens simples de sua infância no Piauí, mesmo que sofrida, são tratadas com carinho de quem pena as dores da maturidade sabendo de suas consequências.
Poderia tocar em mais 30 questões do Simbolismo que são peculiares na tópica que propõem o tópico, como a influência do Budismo, evidente em Cruz e Sousa, Edgar Mata, entre outros, que clamavam por um "êxtase búdico" e por um atingimento, por meio da poética, ou por meio de uma transfiguração de seu Ego, ao Nirvana - que ao contrário do que diz Ivone Daré Rabello, em seu Cruz e Sousa - Um Canto à Margem (Edusp) - essa face Cruziana não é patética, como ela julgou, mas de uma peculiaridade e perscrutação íntima rara em nossas letras.
Termino os exemplos com o irmão de Alphonsus, Archangelus de Guimaraens(ambos arcaizaram seus nomes, ou seja, em português contemporâneo chamariam-se Afonso e o irmão, Arcanjo). Nascido em 1872 e falecido em 1934, não seguiu a carreira literária com o furor do irmão, tendo sua produção toda, praticamente, sido feita quando estudante acadêmico. Com imagens que lembram o Romantismo Brasileiro, foi um popular em Minas em sua época. O poema "Vendedora de Flores", mesmo com o ofício voltado ao Simbolismo, muito lembra em alguns pontos o "Moreninha", de Casimiro de Abreu, cuja musa "vendia as flores que colhia em seu jardim", tal qual a de Archangelus, mas estas já concedidas por fadas.
O poema que colocarei aqui tem uma temática que o seu irmão foi especialista, mas, inegavelmente, no geral o Simbolismo o tratou com maestria: A Ermida, que é uma pequena capela abandonada ou fora do povoado. Palavra esta derivada de Ermo; ou seja: a temática Religiosa indo de encontro com os desertos espirituais e mundanos (vejam que a religião não fugia deste abandono).
ERMIDAS

Ermidas brancas, feitas de luares...
Como as adoro nessa solidão!
Sob os seus pés florescem nenufares...*
Ermidas brancas, feitas de luares,
Quem contemplando-as não será cristão?

Adormecei tranquilas, sossegadas,
Sob a piedosa luz crepuscular...
Bem alto, nas montanhas azuladas,
Adormeceis, tranquilas sossegadas,
Por entre rosas a desabrochar.
(...)
Nenufares* - Designação comum a tipos de hervas aquáticas, cuja característica é ter grandes e belas flores.
O grifo que fiz no segundo verso foi, somente, para esclarecer. A adoração do sujeito-lírico, afinal, é a representação da religião - uma capela abandonada - que, sendo feita com o mais fúlgido astro, não há como não ser cristão ao contemplá-las. Mesmo em Minas Gerais, nos "desertos mineiros", como seu irmão Alphonsus havia confessado a um primo em carta, e convivendo com as sempre ermas cidades da passada colonização, as imagens são de entrega a uma quimérica Ermida que praticamente está ligada à Lua, mesmo que aos elementos mais rústicos da terra (nenufares).
Evidentemente, citar obras de seis poetas dos cento e trinta e dois que completam a obra de Andrade Muricy é muito pouco. Alguns desse número impressionante que perambularam nesta plaga, não eram simbolistas, mas filósofos, críticos e romancistas. Para se ter uma proporção maior da amplitude do movimento, o livro é necessário e este post de pouca serventia tem. Um livro que recomendo, de menor porte e menor divagação em cima do movimento, é a "Antologia da Poesia Simbolista e Decadente Brasileira", cuja organização foi de Francine Riciere, da Editora IBEP Nacional.
Enfim, em muito, o Simbolismo é um exílio religioso para o Poeta, que trata o claustro como uma saída das vãs promessas que o mundo, já naquela época, não cumpria. A referência Marial, e toda referência católica no estilo, marca uma moldagem de uma Musa Intemerata, Virgem e para sempre mantida como tal. Acima de tudo, o Simbolismo foi tratado como uma Religião para os que seus versos moldaram - e ninguém tem uma obstinação por querer encontrar o outro, mas para realizar sua tenacidade e nesse manto isolar-se. O Simbolismo não foi uma Poética que foi ao encontro das pessoas, mas foi ao encontro e ao descobrimento de si mesma, talvez já sendo um escudo ao mundo contemporâneo em que todos vão de encontro com a sua personalidade. O Simbolismo é a poética da perscrutação do Ser Humano, por isso esquecido nos tempos modernos.
Abraços, Cardoso Tardelli; 19/02

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O filme "Bright Star" e Keats, de fato.

Creio que ante ao belíssimo filme que é "Bright Star", muitos ficaram curiosos por mais informações sobre John Keats e, por vezes, nos deparamos com informações confusas e falsas na internet. Não sou especialista em filmes, portanto focarei nas questões poéticas e biográficas intrínsecas à obra cinematográfica.

É interessante utilizar uma fonte que tenha uma análise razoável do poeta, de sua vida e da poesia. Utilizarei nesta postagem a edição da Hedra de alguns poemas de Keats, que se encontram por um preço bem em conta, com a tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, um poeta Modernista e reconhecido tradutor. Será também fonte de certas partes bibliográficas o livro, da mesma editora e traduzido também por Péricles, de Percy B. Shelley, que em Londres conviveu com Keats.

(Na imagem, temos uma pintura de Keats)

Keats nasceu em Finsbury, Londres, em 1795. Sem fazer demasiadas citações biográficas aqui, Keats comenta que sua mãe havia morrido de tuberculose (o que haveria de acometer ao seu irmão e, posteriormente, a ele próprio), morte que ocorreu em 1810, um ano depois que a literatura já o havia fascinado.
A falada carreira de Médico frustrada de Keats teve um motivo. Nunca o interessou seguir a carreira das ciências, mesmo tendo um tutor - Thomas Hammond - insistindo nessa ideia. Encantava-o a mitologia grega, algo que ficaria evidente nos poemas de sua maturidade poética, como na Ode Sobre uma Urna Grega. Temos de convir que, mesmo com as penas financeiras que Keats haveria de passar em sua breve vida, sua opção foi, para o mundo, mais produtiva.

Keats conheceu Fanny - já fazendo um parelelo com o filme e "cortando" os pormenores, se assim podemos heregemente falar - de sua vida no mês de Setembro de 1818, exatamente quando borbulhavam as críticas negativas ao seu Endimião, o que gera um ponto positivo ao filme em termos biográficos. Aliás, o foco que Fanny dá ao primeiro verso da obra "O que é belo há de ser uma alegria para sempre" é algo a ser notado, pois essa obra, mesmo com suas irregularidades, mostra evidências de um poeta esplêndido que estava diante de todos e que, mesmo assim, poucos viam a radiância de seus versos.

O filme relata com exatidão certos fatos que cercaram a relação de ambos, inclusive algo que soa menor - como a dor de garganta que incomodava muito a Keats - e as procelas, que eram constantes - com o devido furor (as cartas, perfeitamente passadas para a película, demonstram isso) - tal qual as bonanças que tinham ar edênico, perfeitamente representada na cena de Fanny correndo pelo jardim florido, em meio às borboletas, quando ia narrando uma carta pela qual discorria Keats qual "palavra mais bela seria do que 'bela' para a sensação que ele sentia".

Como o foco do filme é a relação do poeta Romântico com Fanny, mesmo desta tirando as relações conturbadas com o poeta Brown e mostrando um pouco do retrato da própria sociedade (quando personagens, como a mãe de Fanny ou amigas de desta dizem que a musa de Keats esta sendo alvos de fofocas. Além do mais, pela própria condição de humildade que Keats resignou-se, ao negar a medicina, para dedicar-se às Letras). Faltou, contudo, em minha visão uma amostragem, mesmo que em perpassares, das idas do poeta à cidade de Londres. Lá ele teria uma relação conflituosa com Byron e de admiração com Percy B. Shelley (marido de Mary Shelley, autora de Frankeinstein). Shelley o admirava muito, julgando-o um poeta excepcional (na ocasião da morte de Keats, dedicou-lhe uma Elegia (Adonais - An Elegy on the Death of John Keats), no entanto, Keats se mantinha, de certa forma, distante Shelley, talvez por não julgar sua condição social - superior - atraente. Aliás, não podemos nos esquecer que Keats e Shelley eram perscrutores do ofício do Soneto. Em muitas cartas, ambos discutiam qual era o método de se ter uma musicalidade e ritmo mais aceitável à língua inglesa do que o esquema padrão feito naquela língua.

Já Lorde Byron - por uma crítica que Keats fez a Pope, cujos elogios e defesas vindo do Lorde Romântico eram as mais efervescentes -, criticou o poeta de Endimião e pediu que o "esfolassem vivo". Dedicou-lhe, porém, após um mea-culpa em carta a Percy Shelley um canto em Don Juan.
Com tais dados, porém, o filme ficaria muito mais poético/biográfico do que um Romântico/Dramático.

(Na imagem, uma foto da real Fanny)
Um dado de curiosidade, que seria praticamente impossível à diretora do filme cumprir com exatidão, é a questão da altura de Keats. Ele tinha "por volta de cinco pés de altura", o que vale cerca de 1,52 metro. Fanny tinha, mais ou menos, sua altura, o que, de fato, é um dado acertado do filme (nota-se que os dois atores são muito parecidos em estatura). Em cartas, muito chamavam Keats de "little poet", num tom ambíguo de poeta pequeno em ofício e altura.

A obra poética de Keats perdura até hoje, qual todas as dos Românticos Ingleses. Mas se há um poema que teve uma influência para as gerações futuras artísticas foi "La Belle Dame Sans Merci" (A Bela Dama Impiedosa, em tradução livre do francês), que ecoou em todos os viés da arte Pré-Rafaelita, que utilizava, e abusava, da imagem claramente dada por Keats, em suas criações artísticas.

Keats só se queixou das críticas à sua poesia em seus derradeiros momentos. Quando havia ainda a flama do estro em sua alma não se deixou intimidar por críticas de outros. A viagem para Roma, que havia sido sugerida por Shelley há muito, por meio de cartas, pouco resultou para sua condição combalida, morrendo lá, qual o filme diz, aos 25 anos.

Pela frase escrita em sua campa "Aqui jaz alguém cujo nome foi escrito n'água", ao invés de ter seu nome escrito na lápide, evidente fica que sua confiança em ser um Grande dos poetas Ingleses havia ido para o lodo consigo. A história, entrementes, é a melhor resposta para os que sofrem de limitrofia poética, mesmo que muitos julguem-no, tal qual os Românticos, sem moral ou ultrapassados.

Abraços, Cardoso Tardelli